REPARAÇÃO

'A educação abre portas para novos rumos e mundos', afirma senador Paulo Paim sobre Lei de Cotas

Relator do projeto de lei que atualiza a Lei de Cotas no Senado, Paulo Paim conversou com o Brasil de Fato RS

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
"Neste 13 de novembro de 2023, renovei minha esperança de ver a brasilidade do nosso povo, representada em todos os espaços deste nosso imenso Brasil", ressalta o senador Paulo Paim - Foto: Imprensa Paulo Paim

O presidente Lula sancionou na última segunda-feira (13) o projeto de lei que atualiza a Lei de Cotas, em evento marcado pela participação de ministros e políticos impactados pelas cotas. Ele ressaltou como a proposta rompeu com paradoxos e estigmas que existiam no país há dez anos, quando a lei foi instituída.

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, o relator do projeto no Senado Federal, Paulo Paim (PT-RS), falou sobre a importância da atualização da lei que, dentre outras melhorias, prevê a mudança do mecanismo de ingresso de cotistas ao ensino superior federal, a redução da renda familiar para reservas de vagas e a inclusão de estudantes quilombolas como beneficiários das cotas. As modificações passarão a ser implementadas já na próxima edição do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), no ano que vem.

Brasil de Fato RS - Em um emocionante ato o presidente Lula sancionou a lei de cotas, do qual o senhor foi relator. E o senhor foi celebrado com um dos negros que abriu o caminho no Parlamento que hoje tem uma bancada negra. Qual a importância da lei de cotas na vida do povo negro?

Paulo Paim - No dia 13 de novembro de 2023, renovei minha esperança de ver a brasilidade do nosso povo, representada em todos os espaços deste nosso imenso Brasil. A lei de cotas sociais e raciais representa essa diversidade.

Como cantam os movimentos estudantis: “As cotas abrem portas”. Antes da implementação da lei, as universidades tinham apenas 6% de representatividade de pobres, vulneráveis, indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência. Após a implantação das cotas, esse número aumentou para mais de 40%.

Presenciar a reconstrução de uma nova bancada negra na Câmara Federal é um pacto pela promoção da igualdade racial na Casa

Sabemos que essa conquista foi um processo e os resultados foram surgindo. As cotas mudam vidas. Políticas públicas, como essa, promovem a inclusão e o bem-estar de todas e todos os brasileiros. Após as cotas, vemos indígenas, pessoas com deficiência, negras e negros ocupando profissões que antes eram privilégio de poucos.

Ver a luta de brancos e negros unidos pelas cotas me emociona. Agradeço ao presidente do Senado e a todos os parlamentares que contribuíram para que a matéria fosse aprovada. A sabedoria e a história de Benedita da Silva no Parlamento, a presença de Anielle Franco - mulher, negra - como ministra de Igualdade Racial, a parceria da deputada Maria do Rosário e da jovem deputada federal Dandara é muito importante; a ousadia da juventude militante como a Manuela Mirella, presidenta da União Nacional da Juventude – UNE, é contagiante.

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Não tenho como mensurar a minha alegria. Só tenho a agradecer a sensibilidade de todas e todos que, por meio do diálogo e compreensão, contribuíram para sanção da lei de cotas.


Paulo Paim, ao lado de Benedita da Silva, Edmilson Valentim e Carlos Alberto Caó, formavam a bancada negra / Foto: Imprensa Paulo Paim

Fui constituinte e, ao lado dos meus colegas Benedita da Silva, Edmilson Valentim e Carlos Alberto Caó, formávamos a bancada negra.

Uma das propostas aprovadas pela bancada negra foi uma emenda que determinava a prática do racismo como crime inafiançável, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, e obteve uma ampla votação, com mais de 500 votos favoráveis.

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Presenciar a reconstrução de uma nova bancada negra na Câmara Federal é um pacto pela promoção da igualdade racial na Casa. Esse gesto simbólico faz ressurgir o esperançar de que matérias raciais aprovadas no Senado como, por exemplo, o Feriado Nacional do Dia 20 de Novembro, tenha chance de ser aprovada também pela Câmara.

BdF RS - Quais as principais mudanças com essa nova “leitura”? Como ela pode transformar ainda mais o acesso?

Paulo Paim - A nova lei de cotas inova a lei 12.711, de 2012, ao incluir os quilombolas como destinatários da política pública; ao ampliar as ações afirmativas para os programas de pós-graduação; ao direcionar a política para atender os mais vulneráveis, estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1 (um) salário mínimo per capita.

A conquista das cotas só pode ser comemorada com a permanência desses estudantes nas universidades

Essas e outras alterações possibilitam que estudantes de escolas públicas, que é o requisito básico da lei, possam sonhar em ser médicos, advogados, professores, cientistas, artistas e tudo que eles desejarem ser.

BdF RS - Além do acesso, foi destacada a dificuldade de se manter na Universidade. Como o projeto pode ajudar nessa questão?

Paulo Paim - O PL 5384, de 2020, de autoria das deputadas Maria do Rosário e Benedita da Silva, entre outros, contou com a relatoria da deputada Dandara Tonantzin na Câmara e eu tive a honra de ser o relator no Senado. 

A conquista das cotas só pode ser comemorada com a permanência desses estudantes nas universidades. Precisamos combater a evasão. O texto aprovado, sem alterações no Senado, aprimora a Lei 12.711, de 2012, ao garantir o auxílio estudantil para os alunos que se declararam em situação de vulnerabilidade. Permitir que esses jovens possam se manter nas universidades e nos institutos federais, custeando as suas necessidades como transporte, alimentação, moradia e tantas outras, é fundamental para o sucesso das cotas.

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"As ações afirmativas buscam oferecer igualdade de oportunidades para todos", destaca o senador / Foto: Imprensa Paulo Paim

BdF RS - Podemos dizer que está havendo um processo de reparação no nosso país?

Paulo Paim - As ações afirmativas buscam oferecer igualdade de oportunidades para todos. Elas são instrumentos para combater o racismo e o preconceito. Elas promovem a participação de grupos discriminados no processo político, no acesso à educação, à saúde, ao emprego, a bens materiais, à dignidade.

A educação abre portas para novos rumos e mundos onde o sonhar é possível

Incluir e fortalecer ainda mais a inclusão de estudantes de escolas públicas, pessoas com deficiência, brancos, pretos, pardos, indígenas, quilombolas nas universidades e institutos federais é propiciar a transformação de todo um país. A educação abre portas para novos rumos e mundos onde o sonhar é possível, independente de origem, raça, sexo, cor, deficiência, condição socioeconômica e outras.

Com o aprimoramento da lei de cotas, as universidades e os institutos federais deixam de ser um lugar de exceção para ser um lugar de inclusão. Paulo Freire já dizia: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko