Ancestralidade

Produção com plantas medicinais favorece a 'reexistência' do Povo Xukuru de Ororubá

Indígenas de Pesqueira (PE) aproveitam espécies em seu território e compartilham herança de saberes

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Produtos fazem parte do acervo biológico e cultural do povo Xukuru de Ororubá - Pedro Stropassolas
O remédio de hoje em dia fecha um ferimento e abre outro

Uma medicina que sempre existiu, vinha adormecida e hoje está sendo resgatada. Essa é a missão do coletivo Jupago Kreká com a confecção de produtos medicinais retirados da floresta preservada do Complexo de Agricultura Xukuru de Ororubá (Caxo), em Pesqueira, no agreste de Pernambuco. 

"Temos muito esse olhar de cuidado com a mãe natureza, de cuidar e preservar. E de sempre buscar o melhor para a natureza. Estamos bem se ela [a natureza] está bem. Se não tem natureza, não tem nós", explica a agricultora Jamile Santos da Silva. 

Os produtos medicinais são preparados na Sala de Medicina, dentro da Casa de Sementes Mãe Zenilda, no Caxo.

"Temos caju roxo, arruda, tipi, ameixa, é vasto. Temos vários tipos, temos variedade de planta", afirma a agricultora Raiane Feitosa de Araújo.  

Jamile tem 19 anos, vive na aldeia Couro Dantas, e participa do coletivo. Ela conta como é o processo de buscar o medicamento na floresta. 

"Saímos todos de manhã, vamos até a mata e escolhemos uma árvore que esteja bem de saúde. Se ela não tiver, a gente vai cuidar dela. A gente vai aguar e adubar o pé dela", relata. 

Em todo o território Xukuru, são 25 aldeias e aproximadamente 10 mil pessoas que resgatam, no dia-a-dia, um sentido de bem viver em que gerações não se separam do meio ambiente.     

A conquista da terra, a partir da retomada do território do território em 1992 e a demarcação anos mais tarde é o mote para um processo de reexistência - neologismo que une os conceitos de existir e resistir - também na agricultura aplicada na área de 27 mil hectares. 

Tudo está articulado dentro do Caxo, composto por estruturas como a Casa de Sementes Mãe Zenilda, Barraca do Bem Viver, Terreiro Sagrado da Boa Vista, além de área de sistema agroflorestal e roçado agroalimentar. 

"Quando você conhece a ecologia do seu local, o chão que pisa, você não tropeça e você faz algo que é fantástico. Você não destrói. Quem conhece ou quem está se esforçando para estudar e conhecer o local, não destrói, se torna incapaz, fica 'incompetente em destruir'. A pessoa passa a ser eficiente em restabelecer os processos ou ciclos de promoção de vida. Então aqui, se eu sei que, se eu tirar o gado, se eu tirar a queimada, a caça recreativa e esportiva, e a opressão de pássaro e o desmatamento, o resto a natureza sabe fazer com uma eficiência fora do comum. Então sai boi, sai predação, sai destruição, fica proteção", defende Iran Neves Xukuru, do Coletivo Jupago Kreká.

As vendas dos produtos do Coletivo Xukuru são feitas na própria casa de sementes e também em eventos como a Assembleia do Povo Xukuru, que acontece anualmente em maio. O lucro é voltado para a manutenção do espaço. O grupo também ministra oficinas.

"A gente sempre ensina para se trabalhar com a nossa tradição. Tradição que os pais deles tinham na infância, que por questão de ter que trabalhar e estudar fora acabaram não conhecendo muito a questão das tradição", afirma Jamile.  

"Queremos expandir esse conhecimento e riqueza, porque se a farmácia trouxesse realmente uma cura, ela não vendia, ela falia. Porque o remédio de hoje em dia fecha um ferimento e abre outro", defende Raiane. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho