COMEÇOU MAL

Racha no novo governo do Equador: presidente envia sua vice para missão de paz em Israel

Os dois estão rompidos desde antes da posse. Abad se tornou uma "pedra no sapato" de Noboa, segundo analista

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Abad, durante entrevista coletiva: "Pessoas boas sabem como dar a volta por cima nos piores momentos" - Vice-presidência do Equador/AFP

Logo que assumiu a presidência do Equador, em 23 de novembro passado, o presidente Daniel Noboa tomou uma decisão inédita desde a redemocratização do Equador, em 1978: atribuiu função diplomática à vice-presidenta Verónica Abad. Ela será transferida para Israel, com a missão de colaborar na busca pela paz.

“O presidente me quer longe”, disse a vice, reconhecendo publicamente uma cisão que já se observava desde os últimos dias da campanha para o primeiro turno da eleição presidencial, em agosto, segundo o jornal El País.

Noboa recebeu os resultados em sua casa na praia, mas a vice não estava lá, assim como não havia lugar à mesa para ela no almoço na residência presidencial, no dia da posse. “Eu adoraria ter participado desses eventos, mas não fui convidada”. Há controvérsias, porque um repórter relatou, no mesmo dia, que ela afirmou ter sido convidada, enquanto almoçava num mercado em Quito.

Quando o Conselho Eleitoral entregou as credenciais para a posse, ela tampouco estava presente. Por fim, ficou de fora da foto oficial do gabinete de Noboa, clicada no último domingo (26), com 24 ministros: 12 mulheres e 12 homens.

No discurso de posse, Noboa fez menção a traições e disse que, muitas vezes, partem “de pessoas que nem mesmo esperamos, pessoas que escolhemos”.

Abad fez, durante a campanha, uma série de declarações que colocaram a candidatura em maus lençóis, por dificultar a estratégia de comunicação de Noboa, de se apresentar como um candidato moderado, distante da extrema direita — embora goste de se apresentar como de centro-esquerda, ele propõe prioridades que estão mais próximas da pauta liberalista de direita, como contas públicas ordenadas e responsabilidade fiscal.

Em suas declarações polêmicas, a vice-presidenta pedia a redução do tamanho do Estado e a privatização de áreas sensíveis como saúde e educação, além de emitir opiniões controversas sobre o universo feminino: disse que mulheres com filhos não devem ganhar o mesmo salário que homens com o mesmo cargo porque trabalham menos que eles e chamou de mito a violência de gênero no Equador, um país dominado pela violência onde 513 mulheres foram assassinadas em 2023.

Se a relação já estava desgastada quando a chapa venceu a eleição, a situação piorou depois. Segundo a vice-presidenta, a ruptura ocorreu devido a acordos legislativos que a aliança que levou Noboa ao poder fechou com a Revolução Cidadã, partido de esquerda do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), que perdeu a eleição com Luisa González.

Na opinião dela, celebrar acordo com a Revolução Cidadã contraria duas vontades manifestadas pela população equatoriana na eleição: priorizar a segurança e o não-retorno de Correa ao país — ele vive atualmente na Bélgica, na condição de asilado político, pois foi vítima de lawfare.

Para não perder o cargo

Segundo a Constituição equatoriana, a pessoa que ocupa a vice-presidência tem duas funções: assumir o cargo quando o presidente sai do país e cumprir as atribuições que este lhe confere. Caso se recuse a fazê-lo, tal atitude pode ser considerada como abandono e perder o cargo. Assim, Abad aceitou ir a Israel. Disse que não abandona o barco e que as “pessoas boas sabem como dar a volta por cima nos piores momentos”.

No último sábado (25), quando se celebrava o Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, Abad postou um vídeo com tom dramático no X (antigo Twitter), em que afirma: “Violência não é apenas matar outra pessoa. Há violência quando usamos uma palavra pejorativa; quando fazemos gestos para depreciar outras pessoas; quando, com ações más, intimidam seus filhos e te obrigam a calar frente às injustiças; quando obedecemos por medo; quando, abusando do poder, te minimizam e te enviam para morrer na guerra”.

O vídeo foi postado pouco depois de Noboa agradecer a comunidade internacional por seu apoio à nomeação de Abad para o posto de agente da paz — segundo a Secretaria de Comunicação, a decisão teve resposta positiva das embaixadas dos Estados Unidos, Israel e Rússia. Noboa não só despachou a vice para Tel Aviv, como também determinou reestruturar o escritório da Vice-Presidência e reduzi-lo ao mínimo.

Nesta terça-feira (28), Verónica Abad concedeu entrevista coletiva e solicitou uma reunião com Noboa. Mas o presidente nomeou a chanceler Gabriela Sommerfeld para coordenar com ela “as ações necessárias para o cumprimento de tão alta missão”, segundo comunicado da Secretaria de Comunicação.

Desnecessário

Para o ex-vice-chanceler Fernando Yépez, o envio da vice para Israel é uma solução alheia ao direito internacional, que faz parte de uma “cadeia de equívocos”. Em entrevista à rádio La Calle, disse que o anúncio do presidente afeta a seriedade e a credibilidade da política externa do Equador. Mencionou que ainda será preciso definir os termos da relação dela com o embaixador do Equador em Israel, além dos custos de moradia, equipe de trabalho e segurança, entre outros. “Realmente são gastos desnecessários para uma função desnecessária”, afirmou.

Segundo Yépez, essa saia justa tem suas origens numa decisão tomada de forma açodada, que foi a escolha de Abad, às pressas, como vice para que a candidatura da chapa pudesse ser registrada. “Abad se converteu numa pedra no sapato de Noboa por sua posição extremista, ultraconservadora, anti-direitos e identificada com os setores mais reacionários da política”.

 

Com informações do El País, do site Primicias e da radio La Calle.

Edição: Leandro Melito