ASCENSÃO SOCIALISTA?

Sucesso chinês é um caso a ser estudado pela esquerda ocidental, diz José Genoíno

Crescimento da nação socialista questiona soberania de grandes economias capitalistas

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Juntos, os governos de Brasil e China têm estreitado os laJuntos, os governos de Brasil e China têm estreitado os laços e destacado os planos de desdolarizaçãoços e destacado os planos de desdolarização - Comex do Brasil
A China sempre leva em contas particularidades de cada região

"Tem muito rótulo sobre a China e pouco conhecimento", afirma o professor e geógrafo Milton Pomar, ao Brasil de Fato. “A China se diz socialista, então o mundo capitalista inteirinho está alvoroçado, porque o único país que se diz socialista anunciou há pouco ter tirado da miséria a maior parte da sua população na área rural.”

Nesta edição, o podcast Três por Quatro conversa com especialista em China e autor do livro O sucesso da China socialista, lançamento da Editora Insular. A obra faz uma análise abrangente sobre a trajetória econômica, política e social da China desde a revolução de 1949 até os dias atuais.

Segundo Pomar, o estranhamento do mundo ocidental com a soberania chinesa, é resultado do rápido crescimento do país. “Ela [China] tirou 800 milhões de pessoas da pobreza. Então, não tem nenhum país capitalista que tenha tirado gente da pobreza, ao contrário né?”

O comentarista José Genoíno, ex-presidente do PT, também opinou sobre o assunto. Para ele, a ascensão socialista na China “é uma experiência que a esquerda tem que estudar e examinar, porque não dá pra ser enquadrar num modelo clássico do pensamento da esquerda nos parâmetros ocidentais”.

Milton Pomar explica que a China costumava ser a maior economia do mundo, até que o país foi “devastado” pelas nações ocidentais. "Após a Revolução Comunista e a proclamação da República Popular da China, lá em 1949, é que ela começou uma trajetória de tentar sair dessa situação", disse. 

Com aproximadamente 9,6 milhões de km², a República Popular da China é o terceiro maior país do mundo em tamanho. "A China sempre leva em contas particularidades de cada região", comenta José Genoino. 

Para lidar com a grande extensão territorial e populacional, o ex-presidente do PT explica que, em questão de poder, a China nunca abriu “mão do papel do partido, do papel do estado e de controles estratégicos da economia chinesa, eu acho que é isso que explica o sucesso econômico da China [...]. Isso não é um milagre. Foi uma construção criativa que eu acho que a esquerda deve examinar com muito cuidado."

Apesar disso, ao Três por Quatro, autor do livro O sucesso da China socialista afirma que a ascensão chinesa possui contradições “imensas”: "A China é um processo socialista, que tem um desenvolvimento capitalista muito intenso. Tanto é que tem muitos bilionários na China e a desigualdade social continua", afirma. 

Para Genoino, "o socialismo é marcado por contradições, luta de classe, conflitos, experiências exitosas e experiências derrotadas, o próprio processo de construção do socialismo é um processo de luta".

Segundo ele, é preciso esquecer a ideia de que o socialismo é “algo milagroso, religioso, que seja a paz da terra. É algo de luta constante, de conflito, e aí entra a questão da hegemonia política, por isso que a China nunca abriu mão da hegemonia política do partido".

Mas, ainda assim, Genoino questiona: “Como relacionar esse crescimento econômico com os mecanismos de Participação Popular, de soberania Popular, dentro da China e da relação com o estado chinês?"

Pomar diz que é preciso lembrar que a China passou por uma reforma agrária, durante a fase final da Guerra Civil Chinesa e na fase inicial da República Popular da China. "Os dois países mais ricos do mundo no início do seu desenvolvimento fizeram reforma agrária, os Estados Unidos e a China", lembra. 

Milton destaca que poucos sabem que, nos EUA, uma reforma agrária aconteceu no século 19, uma das grandes responsáveis por tornar o país na maior potência econômica do planeta. 

Mesmo assim, o autor destaca que a China tem uma maneira de atuar muito diferente dos EUA: “Os Estados Unidos usam a guerra, a China usa política, seja política econômica, seja política comercial". O que, segundo ele, não desqualifica o país de investir em suas forças armadas.

"É aquela lógica romana ‘se você quer a paz, prepare-se para a guerra’. Então ela tá se preparando pra guerra, agora a atuação dela é essencialmente política", afirma. 

Relações entre Brasil de Lula e China de Xi Jinping 

Juntos, os governos de Brasil e China têm estreitado os laços e destacado os planos de desdolarização de suas relações comerciais. O assunto foi uma das questões principais do encontro entre os líderes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Xi Jinping que ocorreu em Pequim, em abril deste ano.

Para além da harmonia diplomática, o professor e geógrafo Milton Pomar, destaca as similaridades entre os dois países: “Em termos de dimensões, nós somos quase que a China”. Ainda assim, o especialista afirma que não dá pra comparar as nações: "Tem que relativizar um pouquinho, porque não dá para comparar uma economia daquele tamanho, com a nossa."

Durante as reformas aplicadas no país, “a China manteve pleno emprego, e o Brasil só teve pleno emprego em 2013 e 2014, que é quando a gente saiu do mapa da fome", relembra. Segundo Pomar, "a indústria brasileira não consegue competir com a indústria chinesa há 20 anos, e aí o que que ela faz? Ela vai se desindustrializando e importando o produto chinês". 

Ao Brasil de Fato, o professor explica que esse crescimento chinês preocupa um o resto do mundo. "Eu tô falando do Brasil, mas isso vale para um monte de outros países numa situação semelhante, isso gera todo um desconforto político." 

José Genoíno afirma que “para o Brasil ser um protagonista no plano mundial, ele tem que ter um projeto nacional. Não pode ser um picadeiro de cada questão isoladamente, tem que ter um projeto de futuro”.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país. 

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho