O Luiz é um cara que vende livros usados que ganha da vizinhança da rua Coronel Bordini em Porto Alegre. Não sabe ler. Nunca conseguiu estudar. Vida duríssima. Mas é um crente de carteirinha. Volta e meia passo por ali e recebo algumas lições bíblicas e citações de profetas com capítulos e versículos corretos. Fico espantado. Ele diz que aprendeu tudo isso nos cultos que frequenta aos domingos pela manhã.
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Tem também a Lena. Ela é servente ou responsável pelos serviços gerais de uma associação de auditores da Receita Federal. Se vira muito. Ganha salário mínimo e faz uns ‘bicos’, ampliando a sua arrecadação mensal. Sabe ler, escrever. É esperta. Vai comprando, aos poucos, casa e carro para o seu filho. E agora sonha com um apartamento pequeno, antigo, em alguma das praias gaúchas. Deve conseguir. Costuma não desistir dos seus sonhos. Se diz religiosa e frequenta um destes cultos com pastor gritando palavras de ordem com ameaças do diabo, de belzebu, e outros bichos mais, tudo na mais absoluta desgraça para o vivente. Nenhuma palavra de alento e de esperança.
Luiz estava desconsolado dia desses com a vida. Precisava pagar o aluguel do barraco que aluga lá pelos lados do estádio do Grêmio e não tinha dinheiro. Nem do bolsa família. Além disso, me contou que ficou apavorado com as últimas ameaças do pastor. Quem não desse o 13º salário para a igreja teria um péssimo 2024, com muitas desgraças, doenças e problemas com familiares. Ficou chateado com tanta coisa ruim nas previsões para a sua vida. Disse que passou a conversar com pessoas "estudadas" e "esclarecidas" na rua e recebeu algumas dicas e orientações. Mesmo na dúvida e com a cabeça cheia de angústia, tomou uma decisão. "Vou fazer minhas preces em casa mesmo e dizer chega para estes caras que só querem tirar tim-tim por tim-tim do nosso pelego."
Ele também me contou, chateado, que num domingo desses houve uma comemoração na igreja, com muita comida e refrigerante. Tentou ir e participar do banquete, mas foi retirado do local com a desculpa de que o evento era só para os colaboradores diretos da igreja. Foi embora, assimilou, mas agora, com a cobrança ostensiva e agressiva do 13º, tirou da memória este preconceito e juntou tudo para dizer basta.
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Com Lena aconteceu a mesma coisa. Cansou de dar 10% de tudo que ganhava para a igreja. Contribuição obrigatória mensal. "Quando não tinha dinheiro suficiente pediam que não pagasse algumas contas, luz, água, qualquer coisa, para que não fosse castigada pelos deuses". Depois disso, Lena entrou em parafuso, ficou no precipício das suas crenças, mas botou um ponto final na sua religiosidade. Com a sua ausência prolongada dos cultos, recebeu em casa a visita de dois arrecadadores de dinheiro da igreja para perguntar o que estava acontecendo com as suas ausências repetidas. Não soube o que dizer, inventou que estava doente. Mas nunca mais voltou. Hoje, tem mais dinheiro no bolso e está livre dos achaques mensais.
Luiz e Lena são apenas dois exemplos do assalto que "eles fazem" contra os fiéis. As redes sociais, os youtubes e faces da vida também estão cheios de pedidos pastorais de dinheiro, ameaças de demônios e outras desgraças. Sempre alertando para o espírito de Natal, fim de ano e para começar 2024 em paz com os deuses, cheio de bênçãos, amores, saúde, prosperidade, etc. Não caia nesta. Caia, isso sim, fora destas armadilhas. Dê um "delete" nestes caras. Para sempre.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.