Extrema direita

Com maior desvalorização do peso em décadas, Milei apresenta pacote de austeridade para a Argentina

Com quase metade da população na pobreza, governo corta subsídios a transporte, eletricidade, gás e água.

Brasil de Fato | Havana (Cuba) |
Caputo anunciou o pacote sem a presença da imprensa - Anúncio de Luis Caputo

O ministro da Fazenda da Argentina, Luis Caputo, apresentou o primeiro pacote de medidas econômicas do governo de Javier Milei. As medidas de austeridade anunciadas na terça-feira (12) incluem uma mega desvalorização do peso argentino da ordem de 54% e a intenção de cortar os gastos públicos em cerca de 5% do PIB, o equivalente a US$ 20 bilhões (cerca de R$ 100 bi). 

Elas deveriam ter sido anunciadas na segunda-feira, mas foram postergadas em um dia. Para evitar responder às perguntas de jornalistas, as medidas draconianas foram divulgadas por meio de um vídeo de 18 minutos publicado na conta do YouTube da presidência. 

Durante os primeiros dez minutos da mensagem gravada, Caputo justificou as duras medidas argumentando que o governo está recebendo a "pior herança da história" e que, se as medidas não fossem adotadas, isso "inevitavelmente levaria à hiperinflação". "As medidas têm o objetivo de neutralizar a crise", justificou. 

Apesar das repetidas promessas de campanha de que o ajuste seria sobre "a casta política" e não sobre "o povo", segundo analistas, o pacote de medidas anunciado afetará especialmente os trabalhadores e os setores mais desfavorecidos da sociedade.

O pacote será implementado pelo poder Executivo sem passar pelo Congresso (onde a extrema direita é minoritária).

A medida mais importante anunciada é a desvalorização. Sob o eufemismo de "simplificar a taxa de câmbio", o dólar subiu de 366 pesos para 800 pesos, na maior desvalorização aplicada na Argentina nos últimos 35 anos.

Historicamente, as desvalorizações na Argentina resultaram em inflação mais alta por encarecer os alimentos, assim como todos os bens e serviços importados para o país, seja para consumo ou para produção industrial. 

Governabilidade

O pacote beneficia principalmente o setor de agroexportação, que receberá uma quantidade maior de pesos pelos dólares obtidos. No entanto, a medida tem um efeito negativo sobre o poder de compra das pessoas que recebem sua renda em pesos argentinos (salários, pensões e benefícios sociais). 

O objetivo do governo é justamente que a perda do poder de compra leve a um nível mais baixo de atividade econômica, fazendo com que a depreciação salarial se torne âncora anti-inflacionária. Trata-se de um ajuste de choque ortodoxo.

Adicionalmente, entre as medidas anunciadas estão a redução dos subsídios sociais: para transporte público, eletricidade, gás e água. Permitindo aumentos de tarifas de até 300%. O que afeta significativamente o poder de compra de milhões de famílias. 

O Estado suspenderá as licitações para novas obras públicas e cancelará as licitações aprovadas que ainda não foram iniciadas. Estima-se que há 700 licitações já autorizadas que podem levar a ações judiciais contra o Estado. A medida terá um impacto direto sobre o nível de emprego não apenas na área da construção (um dos setores que mais emprega mão de obra), mas também na sua cadeia industrial, como a metalurgia. 

Os contratos de trabalho estatais que estejam em vigor há menos de um ano também não serão renovados. Enquanto isso, a estrutura do Estado será modificada de 18 para 9 ministérios, com cortes em 52 secretarias e 42 subsecretarias. Desta forma, estima-se que cerca de 30 mil empregos poderão ser extintos nas próximas semanas. 

Além disso, anunciou-se que "as transferências discricionárias para as províncias serão reduzidas ao mínimo". Em outras palavras, o dinheiro que o Estado nacional transfere para as províncias para o pagamento de salários em áreas como saúde, educação, segurança ou até mesmo obras públicas será reduzido. Embora nenhum valor tenha sido especificado ainda. 

Essa medida é de natureza política importante, pois pode ser a chave para que o governo de Javier Milei - que não tem governadores - negocie com os blocos de deputados e senadores que os governadores têm no Congresso. Dessa forma, Milei poderia aumentar, de forma discricionária, as alocações orçamentárias para as províncias em troca de votos favoráveis no Congresso.

Mal-estar social 

As medidas anunciadas serão implementadas em meio a uma situação de extrema precariedade social. De acordo com o último relatório do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica da Argentina, a pobreza atinge 44,7% dos argentinos. E entre as crianças e adolescentes, o índice sobe para 62,9%. 

Em meio a essa situação delicada, o governo prometeu manter a assistência social existente para a população mais necessitada, como o Salário Social Complementar (assistência social para aqueles que trabalham no setor informal). No entanto, esses benefícios serão implementados com o mesmo orçamento de 2023. Na prática, isso implica uma redução desses benefícios por causa da inflação.

A única medida anunciada como paliativo social que foi anunciada é que os valores de dois programas que as famílias recebem seriam aumentados: a Asignación Universal por Hijo (Subsídio Universal por Filho) e o cartão Alimentar. No entanto, esses benefícios sociais são recebidos atualmente por menos da metade das famílias que vivem abaixo da linha da pobreza. Além de que os aumentos continuarão abaixo da inflação projetada. 

Nesse cenário, analistas cogitam o aumento das tensões sociais, com o aumento da pobreza e do desemprego. Por sua vez, o governo de Javier Milei já anunciou que não tolerará protestos e reprimirá as manifestações.

Benção do FMI

Enquanto isso, as medidas foram imediatamente apoiadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

"A equipe do FMI apoia as medidas anunciadas hoje pelo novo ministro das finanças da Argentina, Luis Caputo", disse o organismo em um comunicado.

"Essas fortes ações iniciais visam melhorar significativamente as finanças públicas de uma forma que proteja os mais vulneráveis da sociedade e fortaleça o regime cambial. Sua implementação determinada ajudará a estabilizar a economia e estabelecerá as bases para um crescimento mais sustentável, liderado pelo setor privado", afirmou o FMI.


 

Edição: Rodrigo Durão Coelho