Radicais no poder

Argentina: novo protocolo de segurança proíbe manifestações de rua e aumenta a repressão

Ministra Patricia Bullrich ameaça com "consequências qualquer protesto popular que "tomar as ruas"

Brasil de Fato | Havana (Cuba) |
Patricia Bullrich, Ministra da Segurança - Telam

Nesta sexta-feira (15), o governo de Javier Milei publicou um severo protocolo que busca limitar e reprimir os protestos sociais na Argentina. "Se tomarem as ruas, haverá consequências", advertiu Patricia Bullrich, ministra da Segurança, durante uma coletiva de imprensa.

Trata-se da primeira medida adotada pelo governo de extrema-direita após o anúncio, na terça-feira (12), de um duro programa de austeridade que afetará principalmente os setores mais pobres da sociedade. Sem medidas compensatórias para os setores populares frente ao ajuste, a ameaça de maior repressão aparece como a única política do governo para enfrentar o aumento dos conflitos sociais dos próximos meses. 

O chamado "protocolo para a manutenção da ordem pública frente ao bloqueio de vias" substitui o "protocolo de garantias" sancionado em 2011, que limitava o uso da força pública e proibia o uso de armas e munições letais.

As novas regras dão às forças de segurança federais o poder de reprimir qualquer protesto social, que bloqueie uma rua ou uma estrada, sem a necessidade de uma ordem judicial. Também permite que as forças de segurança realizem operações de inteligência interna - algo que é proibido pela constituição argentina e pelos tratados internacionais aos quais o país está vinculado.

O artigo 6 do novo protocolo estabelece que as forças de segurança identifiquem os manifestantes e "perpetradores, cúmplices e instigadores, por meio de filmagens e outros meios digitais ou manuais". Para isso, deverá realizar um "registro prioritário dos dados de seus líderes e da organização à qual estão vinculados."

Além disso, é instruído que os detalhes dos manifestantes registrados e "cúmplices, instigadores e organizadores" devem ser relatados ao Ministério da Segurança para a adoção de "medidas administrativas apropriadas". De fato, trata-se da construção de um registro interno de inteligência que será administrado pelo Ministério da Segurança sob o controle de Bullrich.    

Dessa forma, o protocolo estabelece que o Ministério da Segurança "poderá processar as organizações" usando as informações coletadas por meio dessa atividade de inteligência. Isso permite a perseguição de membros de organizações sociais e coletivos políticos, mesmo que eles não tenham participado diretamente das manifestações ou protestos. 

A resolução do governo de ultradireita faz uma observação especial no caso da identificação de pessoas de origem estrangeira que participam das mobilizações. Nesse sentido, adverte que a Direção Nacional de Migração será informada para que sejam tomadas as "medidas apropriadas".

Em nenhum de seus 15 artigos o novo protocolo menciona a proteção dos direitos humanos, aos quais a Argentina adere por meio de tratados internacionais incorporados à Constituição Nacional e que têm hierarquia superior a qualquer lei ou protocolo.

O direito de protestar

Diferentes setores acadêmicos e políticos expressaram publicamente sua rejeição à medida, considerando-a "antidemocrática" e "inconstitucional".   

"O direito de protestar é um direito fundamental que está em quase todas as constituições do mundo, porque combina o direito de reunião, o direito de participar ativamente da vida democrática e, basicamente, o direito à liberdade de expressão. É uma liberdade fundamental para o estado de direito", observou Raúl Gustavo Ferreyra, advogado constitucionalista e professor de direito constitucional, consultado pela rádio pública argentina. 

"O protocolo adotado pelo Ministério de Segurança é manifestamente inconstitucional", advertiu Ferreyra, acrescentando que "o protesto é um direito fundamental e a regulamentação dos direitos fundamentais deve ser discutida no Congresso. Isso não deve ser feito por um ministro, através de uma mera resolução, nem deve ser feito pelo presidente da República por meio de um decreto."

Na próxima quarta-feira (20), organizações sociais, sindicatos e partidos de esquerda devem realizar uma mobilização no aniversário da rebelião popular de 19 e 20 de dezembro de 2001. Uma rebelião popular contra as medidas neoliberais aplicadas durante a década de 1990, que levou à queda do governo de Fernando de la Rúa.  A nova ministra da Segurança advertiu que as forças agirão de acordo com as novas regulamentações.

Direitos ou balas

Em consonância com os setores que alertam sobre a inconstitucionalidade do protocolo, manifestou-se Myriam Bregman, advogada e deputada nacional, ex-candidata à presidência pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores.

"O que Bullrich anunciou é absolutamente inconstitucional. Ela é a única que se coloca no campo da ilegalidade. O direito de protestar é o primeiro dos direitos, sem ele, eles podem violar os outros e não há como impedir isso", escreveu ela em sua conta do X (antigo Twitter). 

Imediatamente, o deputado nacional José Luis Espert, membro de Juntos por el Cambio - o partido pelo qual Patricia Bullrich competiu pela presidência - compartilhou o tuíte de Bregman e escreveu em tom ameaçador: "Cadeia ou bala".

Frente a esta situação, o legislador Nicolás del Caño, também membro da Frente de Izquierda y los Trabajadores, escreveu: "Esta ameaça covarde do Espert contra minha colega Myriam Bregman é extremamente grave. Todos aqueles que defendem a liberdade de expressão devem repudiá-la". O deputado de extrema direita continuou sua escalada de ameaças, respondendo "para você também parasito (virgem CUIT), que não serve para nada. Cadeia ou bala se você infringir a lei."

A ameaça de "cadeia ou bala" ocorre em um contexto de violência crescente por parte da extrema direita na Argentina. Discursos que, proferidos nas esferas do poder, legitimam essa violência. 

Apenas dois dias após a vitória eleitoral de Milei, o ex-presidente Mauricio Macri nomeou como"orcs" aqueles que poderiam realizar ações de protesto. "Eles vão ter que medir muito bem os orcs, como eu os chamo, quando quiserem sair às ruas para tumultuar", disse ele em uma entrevista à televisão.   

De acordo com o Registro de Ataques de Derechas Argentinas Radicalizadas (RADAR), 127 ataques e assédios da ultradireita foram registrados esse ano. 
 

Edição: Camila Salmazio