Coluna

O Brasil precisa escolher: liderança ambiental ou em agrotóxicos

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Lula tem até 27 de dezembro para sancionar o Projeto de Lei 1.459/2022, conhecido como 'Pacote do Veneno' - Evaristo Sá / AFP
Organizações cobram posicionamento em defesa da saúde e meio ambiente

O presidente Lula tem até 27 de dezembro para sancionar o Projeto de Lei 1.459/2022, conhecido como “Pacote do Veneno”. No ato a presidência pode escolher sancionar ou vetar parcial ou integralmente a proposta legislativa aprovada pelo Senado no último dia 28 de novembro. A escolha assumida pela presidência pode apontar uma nova contradição entre suas aspirações como líderança para pauta do clima e os direcionamentos de suas políticas. 

Isso porque a sanção à proposta legislativa de autoria do hoje senador Blairo Maggi (PP-MT), conhecido como "rei da soja", resultará em fortes impactos ambientais e à saúde humana. E os atores públicos - Legislativo e Executivo Federal - não podem alegar desconhecerem os diversos avisos de alerta sobre os impactos deste novo marco legal para os agrotóxicos. Diversas manifestações por organizações, pesquisadores, organismos internacionais e mesmo órgãos públicos denunciam a gravidade da medida desde o início da sua tramitação, há mais de dez anos.  

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em nota emitida no início do mês, destacou que a medida, caso implementada, “põe vidas brasileiras em risco”. Não apenas o órgão responsável pela avaliação dos riscos à saúde é contrário ao PL do veneno. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), setor responsável pela análise de impacto ambiental, classificou a medida como um “flagrante retrocesso socioambiental”.  A manifestação destes dois órgãos é emblemática diante do problema - já que são os principais órgãos capazes de avaliar o risco do uso dessas substâncias no Brasil. 

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Pela legislação ainda vigente, a Lei 7.802/1989, são a Avisa e o Ibama, juntamente com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que possuem a atribuição conjunta de avaliação, a partir de critérios técnicos e científicos, para a liberação ou veto de registros e fiscalização dos agrotóxicos. Pela nova lei, esta atribuição é tarefa exclusiva do Mapa. Aos demais órgãos cabem apenas a revisão complementar à análise do Ministério. Ou seja, a avaliação dos impactos para saúde e meio ambiente com a liberação de determinado agrotóxicos não apenas passa a ter menor importância como também pode nem ser requerida pelo Mapa.  

Além da centralização do processo de liberação de registro no Mapa, a nova proposta contém como retrocessos a definição mais vaga do critério para veto à registros de agrotóxicos com maior grau de toxidade, a revogação de uma série de regras relativas à pagamento de taxas ambientais, a dispensa de registro de agrotóxicos para fins de exportação, entre outras medidas. É o Brasil contribuindo para envenenar não apenas o território nacional, mas o mundo. 

E toda essa flexibilização da legislação dos agrotóxicos ocorre dentro de uma realidade de facilidades para novos registros. Diferente do argumento de defesa do PL pela bancada de que a atual lei é impeditiva à aprovação de novos registros, o Brasil segue com altos números de novas autorizações de agrotóxicos. Em 11 meses de governo Lula não houve dificuldades para novos registros de agrotóxicos: foram 505, até o último dia 05 de novembro. O alto número não é muito diferente da média anual de média de 545 liberações durante o Governo Bolsonaro, com total recorde de 2.182 liberações entre 2019 e 2022. 

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Durante a 28ª Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP28), em Dubai, o governo brasileiro recebeu o nada honroso antiprêmio “Fóssil do Dia" por ter se juntado à Opep+. A articulação intergovernamental reúne países exportadores de petróleo, como Arábia Saudita, Rússia e México. A adesão do país à Opep ocorre justamente no momento de emergência climática, em que a diminuição do uso de petróleo é compreendida como urgente. Além disso, um dia após encerramento da COP, o Brasil leiloou blocos para exploração de petróleo localizados em áreas de alto risco de impacto socioambiental. A contradição entre o anúncio presidencial e as medidas adotadas pela gestão pública já está presente. Agora é necessário saber se permanecerá para a pauta dos agrotóxicos.  

Nos últimos anos pesquisadores têm apontado para o impacto ao meio ambiente pelo uso intensivo de agrotóxicos no Brasil. Já é registrado a morte massiva de abelhas e a intensa contaminação de água. Neste sentido, a flexibilização da atual lei pelo Pacote do Veneno vai na contramão dos compromissos assumidos pelo país, na COP28, como no discurso presidencial de proteção ambiental. 

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Se o Brasil quer, de fato, se assentar no lugar de liderança mundial ambiental não há outro caminho a não ser o veto integral ao “Pacote do Veneno” pela Presidência da República. Qualquer outra medida – como veto parcial ou sanção - demonstra o contrário do anunciado compromisso com meio ambiente e saúde. Do contrário, sem o veto, é possível prever – sem margem de erro – que 2024 será de intensificação da contaminação da terra, dos rios e dos alimentos, aumento do desmatamento e impactos ao orçamento público com tratamento da população intoxicada, entre outras realidades que acompanham o alto uso de agrotóxicos no Brasil.  

 

* Texto assinado conjuntamente por Terra de Direitos e Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida.  

** A Terra de Direitos é uma organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca). Criada em 2002, a Terra de Direitos incide nacional e internacionalmente nas temáticas de direitos humanos e conta com escritórios em Santarém (PA), em Curitiba (PR) e em Brasília (DF).

*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo