JUSTIÇA SOCIAL

Poupando os mais vulneráveis, Cuba anuncia programa de 'estabilização econômica' para 2024

Primeiro-ministro cubano anunciou cortes de subsídios para os que podem pagar mais

Brasil de Fato | Havana (Cuba) |
Mulher em banca de legumes de rua da capital de Cuba, Havana - EFE/ Yander Zamora

Durante a segunda sessão ordinária da Assembleia Nacional, o governo cubano anunciou um "programa de estabilização" destinado a enfrentar a grave crise econômica pela qual a ilha está passando. 

O programa de estabilização foi apresentado pelo primeiro-ministro cubano, Manuel Marrero, depois que o presidente, Miguel Díaz-Canel, caracterizou a situação do país como uma "economia de guerra". 

As medidas adotadas ocorrem em um contexto em que, resultado da crise econômica e das mudanças no funcionamento econômico da ilha, o país está experimentando um crescimento na desigualdade social. Resultado, principalmente, do crescimento do setor privado, que já conta com mais de 9 mil pequenas e médias empresas, as quais empregam mais de 260 mil pessoas.   

O programa de estabilização busca realocar os recursos que o Estado gasta em subsídios universais. Passando de um modelo que subsidia produtos para um modelo que subvencione economicamente setores sociais específicos.

"Não é justo que aqueles que têm muito recebam o mesmo que aqueles que têm muito pouco. Hoje, damos o mesmo subsídio a um aposentado idoso que ao proprietário de uma grande empresa privada que tem muito dinheiro", argumentou o primeiro-ministro.

Assim, nos próximos meses, o Ministério do Trabalho e da Previdência Social se encarregará de realizar um levantamento dos setores sociais "vulneráveis" a fim de "não deixar ninguém desprotegido". 

Sem especificar os detalhes do alcance, espera-se que deixem de ser concedidos subsídios aos setores de maior renda. Retirando os subsídios que eles recebem por meio de produtos que são distribuídos pelo cartão de racionamento - um sistema universal de produtos básicos subsidiados quase ao custo total. Enquanto, por outro lado, se mantenham esses subsídios para os setores sociais mais vulneráveis. 

"Essa é uma questão que tem sido muito debatida no Conselho de Estado e nos comitês da Assembleia Nacional. É necessário identificar todas as reservas para capturar novas fontes de ingresso e avançar na redução dos gastos orçamentários do Estado", disse Marrero.

O primeiro-ministro disse que, dada a situação econômica do país, o Estado não pode continuar com o subsídio "excessivo" de tarifas, como água, eletricidade, transporte e combustível. Em Cuba, as tarifas também são atualmente muito subsidiadas. 

O governo aumentará as tarifas de eletricidade em 25% para aqueles com altos níveis de consumo, os que excederem 500 kWh, o que é estimado em aproximadamente 6% do setor residencial. A medida tem como objetivo conter a demanda. 

Além disso, serão identificadas as residências onde funcionam empresas privadas cujos custos de energia também forem altos, a fim de evitar que paguem uma tarifa residencial. 

Da mesma forma, a tarifa de água será aumentada em três vezes. Essa medida tem como objetivo estimular reduções de consumo. 

Um dos preços mais sensíveis que sofrerá aumentos é o do combustível, que o Estado importa e subsidia consideravelmente para a população. O preço do combustível é um componente essencial na formação de preços, portanto, um aumento nos preços do combustível pode levar a aumentos em outros preços.  

Nos últimos anos, a ilha vem sofrendo com uma grave escassez de combustível, o que afeta diretamente o transporte.    

Marrero justificou a medida diante da Assembleia Nacional perguntando: "Em que país do mundo você pode comprar nove litros de gasolina por um dólar? 

Os preços serão atualizados com base na referência do preço de venda em dólares na região e na taxa de câmbio oficial da ilha. Enquanto isso, para os turistas, a gasolina começará a ser cobrada em dólares. Para isso, será criada uma rede de estações de serviço para vender combustível em moeda estrangeira.

Além disso, o primeiro-ministro cubano anunciou que, no próximo ano, o governo mudará a taxa de câmbio oficial do peso ('cup') em relação ao dólar. Para estabelecer a nova taxa de câmbio, o governo criou um grupo de trabalho com o Banco Central de Cuba, que deverá definir o valor da desvalorização. Espera-se que isso também tenha um efeito sobre a inflação no país.

A partir de 2021, a taxa de câmbio oficial permanece em 24 cup por dólar para pessoas jurídicas (empresas estatais) e em 120 cup para pessoas físicas e o setor empresarial privado. Enquanto isso, há um mercado de câmbio informal estabelecido, onde o dólar chegou a 273 cup.

A medida será acompanhada de restrições aos preços de bens e serviços, em um sistema de "preços máximos". Esta medida tentará garantir que a desvalorização não atinja diretamente os preços. 

Além disso, as tarifas sobre bens intermediários serão reduzidas -insumos e matérias-primas. Enquanto as tarifas sobre os produtos finais serão aumentadas. O objetivo é proteger a indústria local e aumentar sua competitividade.  

Entre as medidas anunciadas, também foi estabelecida uma série de compensações para os setores que estão sendo afetados pela crise. Dessa forma, o primeiro-ministro, Manuel Marrero, anunciou que, durante 2024, o governo cubano "implementará medidas com o objetivo de fazer pagamentos adicionais para melhorar a situação dos trabalhadores nos setores de saúde e educação".

Crise econômica  

Desde a crise da pandemia de Covid-19, Cuba vem enfrentando uma crescente escassez de produtos básicos, como alimentos, medicamentos e combustível. Além da alta inflação, que está deteriorando o poder de compra dos salários.  

Este difícil cenário é agravado pelo bloqueio econômico que os Estados Unidos mantêm contra Cuba há décadas. De acordo com um relatório recente aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 2 de novembro, de março de 2022 a fevereiro de 2023, "o bloqueio causou danos a Cuba estimados em quase U$ 5 bilhões, o que equivale a perdas de US$ 13 milhões (R$ 63 milhões) por dia.

De acordo com Alejandro Gil, Ministro da Economia, o país não conseguiu atingir a meta de crescimento de 3% do PIB este ano. 

De acordo com Alejandro Gil, Ministro da Economia, que prestou contas à Assembleia Nacional, o país não conseguiu atingir a meta de crescimento de 3% do PIB este ano. E acrescentou que é possível que o ano se encerre com uma contração de 1 a 2%. Além disso, estima-se que o ano terminará com uma taxa de inflação de mais de 30%.

Alejandro Gil caracterizou a inflação como "um dos principais desafios e problemas não resolvidos na economia".

"Ainda estamos naquele ambiente em que não alcançamos a decolagem, o crescimento que é realmente necessário para recuperar os níveis de atividade que tínhamos antes de 2020″, enfatizou o ministro. 

Na ilha, um dos principais setores econômicos do país é o turismo. Este ano, estima-se que 2 milhões de pessoas visitaram a ilha. No início do ano, o governo havia projetado alcançar 3,5 milhões. 

Espera-se que, em 2024, sejam 3 milhões, ainda muito longe dos 4 a 5 milhões que viajavam para a ilha anualmente antes da pandemia.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho