até quando?

Choquei, PC Siqueira, Jéssica Vitória e as mortes pós-linchamentos virtuais: qual a responsabilidade das plataformas digitais?

Coordenadora do Comitê Gestor da Internet defende celeridade na aprovação do PL 2630, que pode ser pautado após recesso

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
PC Siqueira foi encontrado sem vida em seu apartamento na zona sul de São Paulo - Foto: Reprodução/Instagram

A morte do youtuber PC Siqueira, na tarde de quarta-feira (27), após anos de incessante linchamento nas redes sociais, jogou luz no debate sobre a necessidade de impor limites a discursos de ódio e de responsabilização das plataformas digitais na disseminação de desinformações.

Desde 2020, PC Siqueira é alvo de investigações por pedofilia. Em 2021, a Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP), divulgou que não havia encontrado provas para indiciar o youtuber.

Em nota, a SSP-SP informou que “o caso segue sendo investigado pela 4ª Delegacia de Repressão à Pedofilia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Até o momento, não houve indiciamento. Demais detalhes sobre o andamento da investigação serão preservados, devido ao sigilo decretado pela Justiça”.

Alienados da investigação da polícia, usuários das redes sociais massacraram PC Siqueira nos últimos quatro anos, e o youtuber, que negava envolvimento com o caso de pedofilia, acometido por depressão, tentou suicídio em outras oportunidades, perdeu empregos e chegou a pedir ajuda financeira para seus seguidores.

Cinco dias antes da morte de PC Siqueira, na última sexta-feira (23), a jovem Jéssica Vitória, de 22 anos, também tirou a própria vida após ver seu nome envolvido em uma notícia falsa, impulsionada pela página de fofocas Choquei. Os prints mostravam uma série de imagens de supostas conversas dela com o humorista Whindersson Nunes. Ambos afirmam que a troca de mensagens nunca ocorreu.

Apesar da negativa de Nunes e Vitória, os ataques continuaram, e a jovem cometeu suicídio. Agora, a família pede a responsabilização da Choquei. A página de fofocas parou de publicar conteúdos desde a morte da jovem.

O proprietário da Choquei, o empresário Raphael Sousa chegou a debochar de um texto que Vitória publicou, em que explicava que a notícia publicada pela página era falsa. “Avisa para ela que a redação do Enem já passou. Pelo amor de Deus!”, disse Sousa.

Após a morte de Jéssica Vitória, Choquei divulgou uma nota: “O compromisso deste perfil sempre foi e será com a legalidade, responsabilidade e ética na divulgação de informações dentro dos limites estabelecidos na Constituição Federal, em especial ao art. 5º, inciso IX. Por fim, reafirmamos nosso respeito pela intimidade, privacidade, bem-estar e pela integridade.”

Para a jornalista Renata Mielli, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), as responsabilidades seriam melhores distribuídas se o PL 2630, projeto que trata da regulação das redes sociais, já tivesse sido aprovado pelo Congresso Nacional.

“Precisamos olhar qual deveria ser a responsabilidade das plataformas? É preciso ver se houve impulsionamento do conteúdo, se houve engajamento do conteúdo por decisão algorítmica da plataforma e como se deu a atuação da plataforma para reduzir a circulação desse conteúdo. Com o PL 2630 teríamos condições de identificar as camadas de responsabilidade das plataformas”, explica Mielli.

Nesta quinta-feira (28), em entrevista ao site G1, o relator do PL 2630, o deputado federal Orlando Silva (PcdoB-SP) admitiu que o texto pode ter alterações para que seja aprovado no Congresso Nacional, onde já tramita há quase quatro anos.

Mielli lamentou que os episódios recentes sejam combustível para que os deputados compreendam a urgência da regulação, mas pediu cautela com a redação final da legislação. “Espero que possamos superar esses obstáculos e aprovar o projeto. Espero que as mudanças feitas para aprovar o projeto sejam para melhorar o texto, para que possamos ter um ambiente menos tóxico nas redes sociais.”

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Jéssica Vitória e PC Siqueira são dois casos recentes de pessoas que cometeram suicídio após sofrerem com campanhas de linchamento nas redes sociais. Na sua opinião, esses casos devem se tornar referências para a campanha por regulação das redes sociais?

Renata Mielli: A circulação de desinformação, campanhas de cancelamento e linchamento, via redes sociais ou veículos de comunicação, é um problema com o qual precisamos lidar de forma muito séria. Há muitas camadas de responsabilidades nesse tipo de campanha de cancelamento, vamos lembrar o que aconteceu com o reitor da UFSC, que também cometeu suicídio por acusações indevidas que sofreu na época da Lava Jato.

Sem dúvida nenhuma, uma das consequências extremas das campanhas de linchamento é o cometimento de suicídios. Eu considero que uma das camadas de responsabilidade desse problema é das grandes plataformas digitais, que precisam ter dirigência para lidar com esse tipo de conteúdo. Esse tipo de consequência gravíssima acaba contribuindo de alguma maneira, infelizmente, para que o debate retorne para o Congresso Nacional. Temos que tomar cuidado para que esses fatos não gerem uma resposta inapropriada do Legislativo.


O Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que “institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet” prevê punição ao Facebook, Twitter, WhatsApp e Telegram por não frear a desinformação. Porém, como ficam os linchamentos virtuais como ocorreram com Jéssica Vitória e PC Siqueira? É possível que perfis como a Choquei, página que impulsionou o conteúdo que culminou nos ataques contra Jéssica, sejam responsabilizados?

O PL 2630 é um projeto que busca dar um passo na regulação dessas plataformas digitais, olhando o ecossistema de divulgação de desinformação, ecossistema que vai desde os mecanismos de transparência que essas plataformas possuem para que a sociedade e o poder público possam ter informações mais apropriadas para lidar com esse tipo de conteúdo, para que possamos saber quais as respostas dessas plataformas nesses casos e quais ações cabem ao público.

Então, o PL 2630 tem um conjunto de artigos que busca enfrentar o problema, estabelecendo regras para a alteração dessas plataformas. Não é um projeto que discute a responsabilidade dos produtores de conteúdos, mas, sim, da distribuição de conteúdos. O Brasil já possui legislação para responsabilizar produtores de conteúdos que trazem danos às pessoas. Portanto, a Choquei, que é produtora de conteúdo, já tem obrigações que deve seguir.

Nós não precisamos do PL 2630 para responsabilizar a Choquei, que tem uma camada de responsabilidade muito grande no que aconteceu nesses casos. Precisamos, portanto, que as medidas judiciais sejam endereçadas aos proprietários desse veículo de comunicação. Nesse caso, tem duas camadas de responsabilidade. Um é o produtor de conteúdo, que é conhecido, não tem problema algum de identificação, é a Choquei, e eles precisam responder por isso.

Precisamos também olhar, qual deveria ser a responsabilidade das plataformas? É preciso ver se houve impulsionamento do conteúdo, se houve engajamento do conteúdo por decisão algorítmica da plataforma e como se deu a atuação da plataforma para reduzir a circulação desse conteúdo. Com o PL 2630 teríamos condições de identificar as camadas de responsabilidade das plataformas.

O PL quase foi pautado em diversos momentos neste ano, mas o recesso veio sem que a pauta fosse ao plenário. Porém, o governo quer aprovar já no começo de 2024. O relator Orlando Silva (PCdoB) admitiu que alguns pontos do projeto precisarão ser rediscutidos e que o “o governo terá que recuar em um ou dois pontos” para ter maioria. A senhora está otimista sobre a aprovação? Teme que nessa renegociação o projeto perca força?

É muito triste que um projeto que já circula há quase quatro anos no Congresso precise de casos extremos como esses para ser aprovada no Legislativo brasileiro. Temos alertado há muitos anos da necessidade de aprovação desse PL. Houve um grande lobby das plataformas digitais e uma ação deliberada da extrema direita para impedir a votação do projeto. Espero que possamos superar esses obstáculos e aprovar o projeto. Espero que as mudanças feitas para aprovar o projeto sejam para melhorar o texto, para que possamos ter um ambiente menos tóxico nas redes sociais.

Edição: Rebeca Cavalcante