Ex-juiz

PF quer ouvir Eduardo Cunha e ex-executivo da Odebrecht em inquérito contra Moro sobre suspeita de fraude em delação

Investigadores veem risco de fraudes denunciadas por ex-delator impactar em investigações da Lava Jato

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Eduardo Cunha presidiu a Câmara dos Deputados de fevereiro de 2015 a julho de 2016 - AFP

A Polícia Federal quer ouvir o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e o ex-executivo da Odebrecht Fernando Reis no âmbito da investigação para apurar as denúncias de irregularidades no acordo de colaboração premiada do empresário e ex-deputado estadual do Paraná Tony Garcia, homologado pelo ex-juiz e atualmente senador Sergio Moro (União Brasil-PR) em 2004. As supostas fraudes podem ter afetado também os acordos de colaboração fechados pela Operação Lava Jato, anos mais tarde. 

No caso do ex-presidente da Câmara, a PF quer apurar a suspeita, levantada por Tony Garcia em depoimento prestado no ano passado no Supremo Tribunal Federal, de que teria sido dada a ele a “missão” de falar com Cunha que Marcelo Odebrecht e seus parentes estavam sob investigação na Lava Jato. No pedido da PF não fica evidente quem teria dado a “missão” e nem mais detalhes de como teria sido essa conversa, mas os investigadores sugerem que seja tomado o depoimento de Cunha e de Fernando Reis, que foi um dos executivos das empresas do grupo de Marcelo Odebrecht . 

Ao todo, Tony Garcia depôs por mais de cinco horas no ano passado às autoridades que, a partir dos relatos, elencaram uma série de episódios que precisam ser investigados, incluindo o uso de escutas ambientais e investigação de pessoas por parte de Tony, como agente infiltrado, envolvendo pessoas que foram investigadas na Lava Jato. Por conta destes episódios, a PF e a PGR querem ouvir também a advogada e esposa de Sergio Moro, Rosângela Moro, e seu sócio Carlos Zucolotto Junior, além dos ex-integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, Carlos Fernando dos Santos Lima e Januário Paludo. 

A abertura do inquérito foi autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, como revelou o portal G1 nesta segunda-feira (15). O Brasil de Fato teve acesso à decisão de Toffoli, que é de 19 de dezembro do ano passado, e ao trecho da representação da Procuradoria-Geral da República que pediu a abertura da investigação.  

Para a Polícia Federal e para a PGR, os episódios relatados por Tony Garcia podem ser enquadrados em crimes como concussão (quando o funcionário público exige vantagem indevida), fraude processual, organização criminosa e lavagem de capitais. “Nesse quadro, infere-se dos relatos prestados por Tony Garcia, caso sejam eventualmente comprovados, apontam para um desvirtuamento das decisões tomadas no âmbito da Operação Lava Jato”, afirma a PGR no pedido encaminhado ao ministro Toffoli. 

Suposto funcionário da Abin

Ainda segundo o relato de Tony, que foi acompanhado por uma série de documentos entregues às autoridades e que embasaram o pedido de abertura de inquérito, seu acordo de colaboração premiada previa a realização de 30 tarefas. Destas, porém, os investigadores da PF constataram que somente duas tinham relação com o episódio que envolvia o Consórcio Garibaldi, empresa de Tony que faliu na década de 90 prejudicando várias pessoas em um episódio que o levou a ser preso por ordem de Moro. Foi a partir dessa prisão que Tony fechou um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal no Paraná, que foi homologado em 2004. 

Apesar de ter sido fechado bem antes da Lava Jato, segundo o ex-delator, seu acordo foi marcado por intimidações e chantagens por parte das autoridades que o levaram a realizar várias atividades como “agente infiltrado” e que podem ter afetado pessoas que acabaram sendo investigadas pela Lava Jato anos mais tarde. 

Um dos episódios que ele relata e agora as autoridades devem avançar sobre é a suposta atuação de um agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que teria sido indicado por Moro para quem Tony Garcia deveria repassar informações.  

“Tony Garcia revelou que Sergio Moro o orientou a se encontrar com uma pessoa que se dizia agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que se nominava como Wagner, porém, ostentava outros documentos com nomes diferentes. O declarante afirmou que se encontrou com Wagner 'umas sessenta vezes', ocasiões em que 'cumpria' como parte das 'missões' dadas por Sergio Moro, no mais das vezes, entregando números de telefones de pessoas a serem investigadas, as quais seriam objeto de interceptação telefônica”, afirma a PGR na representação pela abertura de inquérito. 

Ainda segundo o delator, em algumas ocasiões “Wagner” teria lhe mostrado áudios de conversas que haviam sido interceptadas e pedido que ele esclarecesse o contexto dos diálogos. Ele ainda relatou ter presenciado “Wagner” filmar um encontro entre investigados. Diante disso, a PF quer analisar os documentos da delação premiada que estão em sigilo sob responsabilidade da Justiça Federal em Curitiba e também identificar quem seria o “Wagner”. 

Além destes episódios, o ex-delator narrou supostas cooptações de delatores e negociações espúrias de acordos que seriam de interesse dos procuradores da República no Paraná e do ex-juiz Sergio Moro.  

Por meio de nota de sua assessoria divulgada nesta segunda, o hoje senador Sergio Moro afirmou que ainda não teve acesso aos autos e que “não houve qualquer irregularidade no processo de quase vinte anos atrás”.  

“O senador informa que sua defesa não teve acesso aos autos e reafirma que não houve qualquer irregularidade no processo de quase vinte anos atrás. Nega, ademais, os fatos afirmados no fantasioso relato do criminoso Tony Garcia, a começar por sua afirmação de que ‘não cometeu crimes no Consórcio Garibaldi’”, diz a nota divulgada pela assessoria. 

Edição: Geisa Marques