duopólio

Concentração no mercado de sementes acentua desigualdades na cidade e no campo

Cerca de 40% das sementes vendidas no mundo são provenientes de apenas duas empresas, segundo relatório

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Sementes produzidas por camponeses são raridade na agricultura mundial - Arquivo MPA

O aumento da desigualdade no Brasil e no mundo está ligado ao crescimento do poder exercido por algumas empresas sobre setores cruciais da economia, como o de produção de sementes. Desde 2020, duas grandes companhias – Bayer, da Alemanha, e Corteva Agriscience, dos Estados Unidos – controlam 40% do mercado desses insumos, essenciais para a produção de alimentos. Em 1996, elas dividiram essa mesma fatia do mercado com outras oito concorrentes que acabaram sendo incorporadas ou perderam espaço no segmento.

Os dados sobre a concentração do mercado de sementes foram elaborados pela organização ETC Group e estão no relatório “Desigualdade S.A”, divulgado na segunda-feira (15) pela organização internacional Oxfam, que reúne informações e análises sobre o aumento da discrepância social entre ricos e pobres no mundo.

Segundo a Oxfam, a riqueza dos cinco mais ricos do mundo dobrou desde 2020. Ao mesmo tempo, 60% da população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – ficou mais pobre. Isso aconteceu, em parte, por conta da concentração do poder de poucas e determinadas companhias sobre agricultura, por exemplo.


Gráfico mostra evolução da concentração do mercado mundial de sementes / Reprodução/Oxfam

Segundo o economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, que foi secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do governo federal entre 2003 e 2005, essas grandes empresas de sementes atuavam primeiramente na produção de agrotóxicos. Expandiram suas atividades produzindo sementes transgênicas, com mudanças genéticas para torná-las mais resistentes justamente a herbicidas.

Hoje, dominam o mercado, inclusive no Brasil. “No começo do século XXI, mais de 40% das variedades de soja usadas pelos agricultores nacionais provinham do melhoramento genético produzido pela Embrapa [estatal brasileira]. Atualmente, isso não passa de 5%”, disse Baccarin.

O economista e agrônomo reconhece que o trabalho delas em melhorar geneticamente as sementes traz ganhos à agricultura pois tende a aumentar a produção e reduzir preços. Porém ressalta que é inegável como “os monopólios – ou duopólio, no caso – tendem a dar às duas empresas um grande poder de mercado e capacidade de fixar preços [pelos seus produtos] acima do custo médio", o que é ruim para agricultura e para população.

Se a semente está mais cara, a tendência é que o produto fique mais caro também. O aumento de preço dos alimentos prejudica principalmente os mais pobres, que comprometem uma fatia maior de sua renda com a comida. Aumenta, portanto, a desigualdade.

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Baccarin lembrou também que as grandes fornecedoras de sementes transgênicas cobram royalties de agricultores se eles usam parte da produção cultivada com sementes compradas em um ano para semear no ano seguinte. Isso cria um custo extra.

“No caso das plantas autógamas [que se autofecundam, como soja, arroz e café], os agricultores podem usar os grãos de uma colheita como semente da próxima safra. Hoje as empresas de sementes exigem que sejam pagos royalties para isto. Deve-se intervir nesta cobrança e, talvez, até isentar o agricultor familiar de seu pagamento”, defendeu.

Sementes crioulas

Giselda Coelho, da direção nacional do Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirmou que sementes transgênicas, diferentemente das naturais, são pensadas para gerarem uma colheita cada vez menor quando replantadas. Isso obriga o agricultor que as utiliza a comprar sementes novas todo ano.

“Vendendo sementes, as corporações controlam cada vez mais a base da alimentação, inclusive no Brasil”, disse ela. “Cerca de 92% da soja produzida aqui é transgênica e cerca de 90% do milho. Esses produtos são base para muitos alimentos.”

Carolina Bueno, economista e pesquisadora interessada em agricultura familiar, afirma é uma questão de soberania alimentar no Brasil e no mundo reduzir o poder das grandes empresas sobre o mercado de sementes,

Giselda, do MST, sugere fortalecer o papel da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no fornecimento desses insumos e também na produção de sementes naturais pelos próprios agricultores, chamadas de sementes crioulas.

Essas sementes são coletadas em cada lavoura para abastecer a lavoura seguinte. É um trabalho manual e difícil, disse Giselda. Mas que ajuda a manter os agricultores independentes da indústria.

“No caso das sementes crioulas, o agricultor pode ir melhorando ao longo dos anos essa semente, as escolhendo dos melhores pés, replantando. Mas isso é um processo lento e longo”, explicou, lembrando que isso é feito sem apoio governamental.

Edição: Matheus Alves de Almeida