NÃO AO MERCOSUL

Compromisso ambiental da esquerda divide agricultores nos protestos na Europa, diz ativista

Grandes organizações de agricultores abandonaram a mobilização na noite de quinta-feira (1)

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Agricultores holandeses e belgas bloqueiam a passagem de fronteira entre a Bélgica e os Países Baixos nesta sexta (2) - ROB ENGELAAR / ANP / AFP

Os protestos de agricultores contra o acordo da União Europeia com o Mercosul que ganharam corpo em todo o bloco durante essa semana reuniram uma grande variedade de organizações do campo, com diferentes posicionamentos políticos: da esquerda à extrema direita. Com o desenrolar dos acontecimentos, porém, a divisão entre as correntes políticas começa a ficar mais nítida. 

Na quinta-feira (1), os protestos chegaram à Bruxelas, capital da Bélgica, onde o Tratado de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul deve ser tema da reunião do Conselho Europeu.

As grandes organizações de agricultores abandonaram a mobilização ainda na noite de quinta, em sintonia com o discurso do presidente francês, Emmanuel Macron que se opõe ao acordo e afirma que ele não será assinado da forma como está. 

"Para nós, isso não é suficiente. Queremos que eles digam que o acordo será completamente interrompido, porque não acreditamos que possa haver um bom acordo de livre comércio entre o Mercosul e a UE. Estamos defendendo a soberania alimentar para todos na Europa e também para as pessoas no Brasil, na Argentina, no Paraguai, construindo solidariedade entre os agricultores, em ambos os continentes", disse ao Brasil de Fato a coordenadora geral da Via Campesina na Europa, Morgan Ody, presente nos protestos em Bruxelas.

Ela avalia que o ponto de cisão está no compromisso com a agenda ambiental e com a transição agroecológica, pauta defendida pela Via Campesina, que permanece mobilizada pelos direitos dos agricultores. “Há uma grande crise climática, crise de biodiversidade. Então precisamos fazer uma transição agroecológica. Mas para isso precisamos ser pagos a preço justo. Precisamos receber um preço que cubra o custo de produção”, aponta.

Os agricultores europeus, ela explica, enfrentam duas demandas contraditórias. A dos governos para que a produção se torne mais barata, com o objetivo de se tornar competitiva no mercado internacional e a demanda de que essa produção atenda ao Pacto Ecológico Europeu. “Para produzir de forma ecologicamente correta, é mais caro. Então, é contraditório e não é possível fazer as duas coisas”.

Nesse ponto, o discurso das grandes organizações de agricultores é semelhante, pois eles também têm esse entendimento de que não é possível ser competitivo com as regras ambientais. A diferença é que essas organizações enxergam os compromissos com a agenda ambiental como um empecilho e fazem de tudo para se livrar das regras para aumentarem sua margem de lucro.

“Isso é o que eles anunciaram ontem, Macron também anunciou a nível europeu. Agora estamos na situação em que a grande organização de agricultores recebeu a decisão que queriam, a destruição de todos os padrões ambientais. Então eles estão felizes por estarem deixando o movimento”, aponta a coordenadora da Via Campesina. 

“Os agricultores nos territórios se sentem completamente traídos. Há um enorme sentimento de raiva em relação a essas grandes organizações. Eles estão deixando o movimento, enquanto a principal reivindicação dos agricultores era sobre renda. As organizações da Via Campesina continuam o movimento porque toda a demanda é por renda justa para os agricultores. E não somos contra os padrões ambientais.”

A grave crise que atinge os agricultores europeus foi a principal responsável por reunir um arco tão amplo de organizações nas mobilizações que ganharam as ruas na França, Espanha, Portugal, Itália e Bélgica.

“Eu diria que 95% dos agricultores estão enfrentando uma grande crise, pois os custos de produção têm aumentado, mas os preços que recebemos por nossa produção não aumentaram. O que resta como receita tem diminuído e o nível de pobreza está aumentando muito. Cerca de 20% dos agricultores franceses, por exemplo, vivem abaixo da linha da pobreza”, aponta Ordy.

A desregulamentação dos mercados, os acordos de livre comércio e, em particular a negociação de um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul são as principais causas da grave crise enfrentada pelos agricultores europeus na avaliação da Via Campesina.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho