Direitos Humanos

Privatização de presídios 'abre espaço para infiltração do crime organizado', diz Silvio Almeida

Ministro dos Direitos Humanos falou nesta manhã com jornalistas durante café da manhã

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
O ministro Silvio Almeida - Tânia Rêgo/Agência Brasil

Em café da manhã com jornalistas nesta sexta-feira, (2), o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou que a privatização de presídios abre espaço para o crime organizado no sistema penitenciário e que isso é inconstitucional, pois seria delegar ao mercado a execução das penas, que é responsabilidade do Estado. 

“Eu acho que privatização, seja de presídio, seja de sistema socioeducativo abre espaço para infiltração do crime organizado, que é tudo contrário do que queremos fazer. A gente abre espaço para que o crime organizado tenha mais um pedacinho do estado brasileiro. É inaceitável que a gente abra espaço para este tipo de coisa que nós estamos fazendo”, afirmou o ministro.  

Ele comentou o assunto ao ser questionado sobre o decreto editado ano passado pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) que inclui presídios e segurança pública no Programa de Parceria de Investimentos, o PPI. O ministro deixou claro que sua posição pessoal, bem como a posição da pasta, é contrária às privatizações de presídios. 

“É normal que haja esse tipo de divergência (com a área econômica), mas essa é a minha posição”, seguiu o ministro. De acordo com ele, as privatizações poderiam até ser consideradas ilegais.

“No fim das contas vira privatização da execução da pena, isso não pode acontecer, porque é inconstitucional, é ilegal. Esse é o debate que tem que ser feito”, seguiu o ministro. Ele explicou que, em muitos casos, se alega que a privatização envolve apenas a construção de edifícios ou mesmo a terceirização de alguns serviços, mas que, na prática, isso acabaria transferindo para uma empresa privada a execução da pena, que é uma atribuição do Estado. 

“Se a gente abrir espaço para que haja esse tipo de coisa, vai virar um grande negócio e como um grande negócio pode haver a infiltração do crime organizado, porque vai abrir espaço para o lucro, ainda mais num esquema como esse”, explicou. 

O tema está em debate no governo federal, de forma que o Ministério dos Direitos Humanos já encaminhou sua posição oficial para o Palácio do Planalto. 

Rede Nacional de Direitos Humanos 

Silvio Almeida também aproveitou o encontrou para anunciar algumas propostas que pretende implementar até o fim do governo e disse que sua pasta vai começar a mapear entidades de direitos humanos em todo o país para a construção de uma rede nacional de Direitos Humanos. 

“Quero que o maior legado do presidente Lula no campo de Direitos Humanos seja a criação da rede nacional de direitos humanos. Vamos mudar o papel da ouvidoria, não vai ser mais receber denúncia, mas sim receber, acompanhar e acionar parceiros no território”, seguiu o ministro. Atualmente, a pasta conta com uma Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, um canal para a população registrar suas dúvidas, reclamações e denúncias de desrespeito aos direitos humanos no país.  

Apesar de receber as informações, o Ministério dos Direitos Humanos atualmente não consegue reunir informações sobre os desdobramentos dos casos após as denúncias serem apresentadas. Para mudar isso, o ministro pretende que essa estrutura nacional seja capaz de realizar esse acompanhamento, inclusive utilizando entidades parceiras.

“Vamos pegar as áreas em que cada entidade atua e colocar em conjunção com as competências do Ministério. Estamos ainda em uma fase de montagem”, explicou. 

Além da rede em si, o ministro aproveitou sua fala para reforçar a importância de se ampliar e institucionalizar a pauta dos Direitos Humanos no governo e chamou atenção para o fato de o governo ter lançado, dentro do concurso nacional unificado, um edital para preencher 40 vagas em especialista em Direitos Humanos e Cidadania.

Casa da morte 

Silvio Almeida também contou que a pasta está atuando para transformar a Casa da Morte, um imóvel em Petrópolis que funcionou como centro clandestino de torturas do governo durante a ditadura militar, em um memorial como parte das iniciativas para marcas os 60 anos do golpe militar de 1964.  

“Estamos em estágio avançado para que possamos adquirir a Casa da Morte e transformar em memorial, para lembrar das vítimas da ditadura militar, para não esquecer daqueles que tombaram para que o Brasil pudesse respirar”, afirmou Silvio Almeida. De acordo com o ministro, o imóvel está passando por um processo de desapropriação e a pasta está atuando em conjunto com a prefeitura e com o Ministério Público Federal para que o imóvel se torne um memorial público. O Ministério inclusive já acionou a Universidade Federal Fluminense para que ela elabore o projeto de memorial para o local. 

Ainda sobre os 60 anos do golpe militar, o ministro explicou que toda documentação necessária para a reinstalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos já foi encaminhada para a Presidência da República e que agora depende do presidente Lula dar andamento a isso. “O estágio hoje é aguardando a deliberação da Presidência da República”, afirmou.  

Racismo 

Silvio Almeida ainda aproveitou o bate-papo com jornalistas para rebater algumas das críticas que estaria recebendo, inclusive dentro do próprio governo por, supostamente, ser muito acadêmico. Em resposta, ele atribuiu as críticas a uma mistura de “burrice com racismo” e lembrou que o presidente Lula, desde sua primeira campanha presidencial em 1989 sempre esteve rodeado de assistentes e ministros bem conceituados academicamente. 

"Eu tenho uma tripla formação. A minha formação é em direito, filosofia e economia. É uma formação muito parecida —mestrado, doutorado e pós-doutorado em economia— com a de um outro ministro, que se chama Fernando Haddad. O meu amigo querido Fernando Haddad", disse.

"Por que que, para mim, no meu caso, as minhas qualidades viram defeito? Percebe?", afirmou. "Eu fui professor da Universidade de Columbia, fui professor da Universidade Duke, fui professor da Escola de Administração da Fundação Getulio Vargas, sou professor da escola de direito. Vocês perceberam? Mas isso tudo, para mim, vira um problema. Por quê? Porque eu sou preto."

Edição: Rodrigo Durão Coelho