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Bem Viver traz a força paraense de Dona Onete, a rainha do carimbó e uma das fundadoras da CUT

Programa traz uma conversa com a artista que é Patrimônio Cultural e Imaterial do Pará e celebra os 40 anos do MST

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
"No tambor do índio o negro tocou", relata Dona Onete sobre origem do Carimbó no Bem Viver na TV. - Divulgação

Dona Onete não esperou chegar aos 70 anos para lançar seu primeiro álbum de estúdio, Feitiço Caboclo, à toa. Antes disso, ela tinha outras prioridades e não "iria trocar o certo pelo duvidoso".

Professora de história para alunos do ensino fundamental no município de Igarapé-Miri, no interior do Pará, a artista conta ao Bem Viver, programa do Brasil de Fato, deste sábado (3), que, muitas vezes, foi estimulada a virar cantora. Mas a decisão só veio após a aposentadoria.

Antes de se tornar a rainha do carimbó e viajar o Brasil e o mundo para divulgar os ritmos paraenses, Dona Onete cruzou o país por outra motivação.

Sindicalista, Ionete da Silveira Gama, viajou para São Paulo na década de 1980 para participar das famosas greves do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). Foi neste período que foi fundada a maior entidade sindical do país até hoje, a Central Única dos Trabalhadores (CUT). E a Dona Onete estava lá, em nome dos professores e trabalhadores do campo, mas também já como difusora da cultura paraense.

Confira a entrevista na íntegra.

Brasil de Fato - Dona Onete, a senhora está com 84 anos e uma agenda lotadíssima, sempre está em viagem e compromissos. Enfim, eu quero saber de onde que vem esse vigor, de onde que vem essa energia. Por acaso vem do jambu? Vem do açaí, vem do tucupi, vem de onde?

Dona Onete - É do açaí. Eu também te digo, porque todo dia até sair, na minha casa tem que ter açaí. Pra gente é um costume, é tradição. Eu, às vezes, como com a comida ou então tomo depois, mas todo dia tem que ter. Eu digo que me dá um pouco mais de segurança, de vigor, uma coisa da gente de lá do Pará.

Mas tu queres saber de onde vem essa força? É a vontade de mostrar o que é que a gente tem. Porque tinha tudo tinha no Pará, mas não existia cantor que trouxesse assim na bandeja, mostrando o nosso costume, as nossas tradições, as nossas comidas típicas, as coisas da gente.

Somos um estado que precisava muito mais de divulgação. Todo mundo diz que o Pará é isso ou aquilo, mas não conseguiu quebrar esse portão de ferro.

A gente conseguiu, mas eu primeiro tive que começar por fora do Brasil para depois chegar, mesmo com toda a força dentro para alavancar esse ritmo diferente, o banguê é um ritmo de negro.

A gente está trazendo a música negra, a música de preto, para mostrar que também lá a gente preservou todas as músicas que vieram da África, que os africanos trouxeram. Misturou com índio, aí melhorou mais ainda.

O seu primeiro álbum é de 2012, você já tinha por volta de 70 anos. Esse sucesso veio nessa idade por quê? Você reflete sobre isso, se o mundo demorou tanto para reconhecer o teu talento?

Não foi que o mundo demorou muito o tempo, fui eu que tive uma coisa comigo. Eu era professora de quinta a oitava série. Quando eu fazia os shows, já diziam que eu era artista e que eu largasse tudo e seguisse a vida de artista. Mas eu achava "eu vou deixar o certo apenas duvidoso? Não".

Eu primeiro me aposentei, mas sempre ia fazendo as minhas coisinhas, dando música para alguém gravar como compositora. Eu era seresteira, cantava muito a seresta, mas eu também tinha grupo de carimbó. Sou professora de história, estudo paraense, naveguei nessa canoa que tem tanta coisa da cultura de carimbó. Eu tinha tudo isso, mas eu tinha medo de dar o passo e depois não dar certo.

Depois que eu fui Secretária de Cultura no Pará, entre 1993 e 1995, eu me aposentei, larguei tudo lá em Igarapé-Miri e vim morar para Belém com a cara e com a coragem.

De repente, eu vou morar numa rua onde tinha um grupo de carimbó chamado Sancari e outros grupos também que tinham por lá na Pedreira. E eu, como pedreirense, morei na Pedreira também, fui dar uma canja. Já fui parar num grupo de rock, na banda Coletivo Rádio Cipó. Duas músicas eu cantava e essas duas músicas me levou também já para o mundo.

Acaba a banda, eu já entro numa outra história. Marco André me viu, soube das minhas músicas, eu fiz o primeiro CD, fez um para mim, mas não podia. Mas eu levei as composições toda e graças a Deus o Curo [compositor] me viu cantar no Coletivo Rádio Cipó e ele disse "ela não pode ficar de fora". Deu o aval para mim. Marco André fez o primeiro CD, Feitiço Caboclo.

 

Hoje, a Natura me deu a oportunidade, que é outra produção que eu tenho e já com a minha banda Os inestimáveis, e eu estou já fazendo o quarto CD.

E tive essa oportunidade de ter também o Geraldinho que recebeu um demo, um pequenininho disco, sem saber o que ia acontecer da mão de Nei Messias, no Festival Rec-Beat. E ele tratou isso muito bem e eu viajei muito fora do Brasil fazendo aquele enorme sucesso, porque a música convida as pessoas para dançar. É um ritmo bem de velhinhos de lá, dos caboclinhos do interior.

Agora eu vou fazer uma pesquisa, mostrar para o Brasil quem eram os músicos, como é que o ritmo sabe que varou o mundo, pelo menos, Banzeiro, Pititi, Pitiú e a gente teve essa sorte.

Tem coisas que a gente diz é sorte que no meio de tantas coisas de tanta gente famosíssima, Dona Onete, com 84 anos, está aqui no mesmo patamar. Porque era um cantor famosíssimo, canta num palco, eu canto no outro.

Chegar no Rock In Rio, trazer o Pará, sabe? Quer dizer que eu fiquei com aquela coisa de trazer para mostrar e estou mais enlouquecida para trazer muito, porque o Pará tem demais cultura para mostrar.

A senhora estava falando um pouquinho de antes de se jogar nessa carreira de artista. Você era professora, atuou muitos anos. Como isso? A senhora pode falar um pouco mais esse seu período em que, inclusive, sobre a sua atuação como sindicalista, ainda na década de 1980. Você teve aqui em São Paulo, em São Bernardo do Campo, durante a fundação da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Tudo isso faz parte da Dona Onete artista? Você carrega também essas memórias?

Carrego. Eu era a comissão de frente. Tudo que era para fazer show, era para cantar, eu era a comissão de frente. Eu e mais uns sete professores de cada município fomos.

Na hora da discussão, acabava a discussão, sobe Dona Onete no palco, já trazia o tambor. O carimbó já virava e tem uma música de nome Enfarinhada, que eu trazia aos estados todo no palco. Depois que eu subi, a gente chamava o outro e ninguém queria subir, era só eu.

A gente tinha hora da discussão, mas também tinha hora do lazer. Tinha vez que acabava a reunião em São Bernardo, a gente ia para o Bar Brahma, era lá que terminava tudo. E aí eu subia na mesa, fazia o show junto com os outros amigos, com o tamborim, com as coisas tudo. Sempre foi isso.

Era um momento que a gente relaxava um pouquinho de tanta tensão, porque era no tempo da Ditadura. E eu era sindicalista sim! De sindicato de trabalhadores, da roça, de tudo, mas também era professora. Depois eu achei que deveria ficar no sindicato de professores que eu também consegui em Belém fazer o sindicato dos professores.

Eu deixei o sindicato, mas guardei a minha carteirinha que eu fui sócia-fundadora da CUT.

Mas hoje, 40 anos depois de todo esse episódio, você ainda acompanha o movimento sindical e os movimentos populares? Ainda tem algum contato com tudo isso?

Eu deixei de acompanhar há um certo tempo. Porque se eu falar uma coisinha, sabe? Basta um pinguinho, fica como diz lá no interior, um pingão? Então eu continuo na luta, brigo, falo, principalmente, agora Amazônia de pé. Eu sou chamada para todas as reuniões, mas só não estou mais me envolvendo tanto por problema de saúde.

Recomendação médicas que deram "Dona Onete já chega, já fez tudo o que tinha que fazer". Agora eu estou numa outra luta, de cultura. Culturalmente eu estou na luta, na briga. É outra briga que eu não sei se tem partido, se não tem, eu sei que eu estou nela lutando pelas nossas coisas.

Como todos os estados estão lutando pela suas, assim eu estou fazendo em Belém. Fui escolhida agora como Patrimônio Cultural e Imaterial, que tem coisa que eu não sei nem o que é, mas me explicaram o que é.

Eu fui escolhida, então é uma grande responsabilidade minha. Jogaram novamente na minha cor, por nova responsabilidade.

A senhora está falando um pouquinho que anda participando, é convidada para todas as reuniões para debater a preservação da Amazônia. Na percepção da senhora, será que demorou para o povo do Sudeste, do Sul começar a perceber que precisa manter a floresta em pé?

Demorou, meu amigo, demorou muito. Primeiro foram, desarrumaram... Eu digo essa venda de madeira, se não cortar onde compra e se não tivesse comprador, não se devastava a Amazônia. Não é de hoje, há muitos anos isso acontece.

As madeiras de lei foram se acabando. Eu venho de uma terra, Igarapé-Miri, onde tinha celeiro de mogno. Acabou tudo. Cedro cheiroso, cedro mogno, madeira, massaranduba, tudo foi se acabando. Para onde ia? Nós, paraense, faz a casa de alvenaria e lá nos Estados Unidos, casa de madeira de lei. Tudo de madeira, armário, ponta a ponta de massaranduba, de macacaúba, e nós vai buscar quem cobrar aquelas coisas que a chuva vem e joga para a rua, que esbandalhou tudo. Você está me entendendo? A gente não desgasta tudo isso.

O Pará, que deveria estar fazendo casa de madeira, não faz, já faz de alvenaria e a madeira vai embora, vai embora. Já vai casa pré-moldada, prontinha só para chegar e armar.

O carimbó é visto por muita gente como uma expressão cultural de muita influência indígena. Mas como a senhora estava comentando, ele parte de África, é algo que vem desse movimento?

Eu tenho uma música que fala que o "tambor do Norte", que diz no "tambor do índio, o negro tocou". Porque eu, como professora de história, só se me enganaram quando eu estudei. Disseram que os negros vieram pegos por onde eles estavam e jogaram no navio. Não deu tempo deles irem buscar o seu tambor, reco-reco, com essas coisas para trazer.

Então eu trago isso na minha mente desde criança. Quem tinha o tambor fedido? Couro que acaram de matar um veado, matava uma onça e lá pegava o couro ali mesmo amarrava com cipó num pau furado com um pau, como os de carimbó, era os índios, que faziam os seus rituais com a maracá do pajé e tocando eles se comunicavam. Eu digo no "tambor do índio, o negro tocou".

O negro se misturou com o nosso "teretetê", que nós, para brasileiro, temos, aí virou todo esse ritmo forte do tambor do Norte. É um tambor do Norte.

Os negros trouxeram o tambor aqui [cabeça]. Tudo que é nosso, nossa religião afro, veio aqui [cabeça]. Chegou aqui e foi no tambor fedido do índio, que eles começaram a tocar, fazer e lastrou no Pará o tambor de carimbó. 

E o carimbó é versus de caboclo, é o caboclo que faz o verso, que faz o jeito dele. E eu, para poder varar para vocês conhecerem aqui, para quebrar essa muralha que tinha, eu tive que trazer do jeito que eu canto. Mas falando constantemente do carimbó. 

A senhora acha aí que a diferença do carimbó para o samba é que colocaram muito açaí ou tucupi no carimbó? Será? 

Não. O samba é o samba. Na Bahia foi lá que nós que começou tudo e chegou no Rio de Janeiro. Só que parece que o nosso samba, eu reclamei aqui no Rio, quem sou eu pra reclamar, né? Cadê o samba? Que já não tinha mais quase. Se não Alcione, porque vai falecendo os grandes sambistas... Mas agora o samba está voltando com tudo. 

Música preta está voltando com tudo. Samba vai voltar também. E lá no lá no Pará nós temos o lundum, banguê, cacuriá, siriá, tudo. Nós temos tanta coisa para mostrar. Tudo isso feito no tamborzão de pau furado.  

Eu quero que mostre muito mais na alimentação, na cultura, em tudo que puder fazer parte para este Brasil ficar melhor do que ele já é. 

40 anos do MST

E tem mais, o Bem Viver celebra ainda os 40 anos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),

No Momento Agroecológico, a história do primeiro assentamento do movimento, lá no Rio Grande do Sul. É o Annoni, referência no cooperativismo e produção sustentável.

Ao longo desta trajetória do MST, as pontes entre campo e cidade foram crescendo. tem Armazém do Campo abrindo as portas em Belém do Pará.

E os ingredientes da reforma agrária estão na deliciosa e refrescante salada de chuchu no Comida de Verdade com a chef da Gastronomia Periférica, Gema Soto.

Quando e onde assistir 

No YouTube do Brasil de Fato, todo sábado, às 13h30, tem programa inédito. Basta clicar aqui.

Na TVT: sábado, às 13h30; com reprise aos domingo (às 6h30) e terça-feira (às 20h), no canal 44.1 – sinal digital HD aberto na Grande São Paulo e canal 512 NET HD-ABC  

Na TVCom Maceió: sábados, às 10h30, com reprise aos domingos (às 10h), no canal 12 da NET.  

Na TV Floripa: sábados, às 13h30, com reprise ao longo da programação, no canal 12 da NET.  

:: Especialistas debatem sobre a importância da Assistência Social no contexto do desastre ::

Na TVU Recife: sábados, às 12h30, com reprise às terça-feira (às 21h), no canal 40 UHF digital.  

Na TVE Bahia: sábados, às 12h30, com reprise quinta-feira (às 7h30), no canal 30 (7.1 no aparelho) do sinal digital.  

Na UnBTV: sextas-feiras, às 10h30 e às 16h30, em Brasília no Canal 15 da NET.  

TV UFMA Maranhão: quintas-feiras, às 10h40, no canal aberto 16.1, Sky 316, TVN 16 e Claro 17.  

Sintonize   

No rádio, o programa Bem Viver vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 11h às 12h, com reprise aos domingos, às 10h, na Rádio Brasil Atual. A sintonia é 98,9 FM na Grande São Paulo e 93,3 FM na Baixada Santista.   

O programa também é transmitido pela Rádio Brasil de Fato, das 11h às 12h, de segunda a sexta-feira. O programa Bem Viver também está nas plataformas Spotify, Google Podcasts, Itunes, Pocket Casts e Deezer.   

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Edição: Camila Salmazio