BDF Entrevista

Celso Rocha de Barros: Frente ampla e eleições municipais podem causar tensão no governo Lula

Sociólogo é o convidado desta semana no BdF Entrevista, no primeiro programa deste ano.

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Sociólogo avalia que ano pode ser mais positivo para o governo, já que batalhas no Congresso em 2023 foram bem sucedidas. - Chico Cerchiaro / Divulgação
A corrente de opinião da extrema direita saiu do armário e essas pessoas descobriram umas às outras

As eleições municipais deste ano serão decisivas para o país. Vitórias de partidos de esquerda em importantes capitais devem reforçar o poder do governo federal, enquanto derrotas de candidatos progressistas para bolsonaristas podem realinhar o jogo político a favor da extrema direita brasileira.

Em São Paulo, por exemplo, Jair Bolsonaro (PL), deve apoiar o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), que está atrás do candidato do PSOL, Guilherme Boulos, nas pesquisas de intenção de voto. Os dois candidatos ainda sofrem com a sombra da deputada federal Tábata Amaral (PSB), que se mostra uma candidata viável na capital paulista.

No entanto, para o sociólogo Celso Rocha de Barros, o clã Bolsonaro retornará à "primeira divisão" da política nacional apenas caso ocorra uma conjunção de fatores. “Eles só voltam se houver uma crise muito grande. Se o governo Lula for um desastre completo, ou se a eleição do [Donald] Trump mudar completamente o equilíbrio geopolítico”, explica. 

“E acho que tem que acontecer umas duas ou três dessas coisas para eles voltarem a esse tipo de protagonismo. Agora, uma coisa é dizer que eles vão eleger um presidente, outra coisa é se eles vão continuar com alguma relevância. E acho que eles vão continuar, [porque] essa corrente de opinião da extrema direita, do fascismo, saiu do armário e essas pessoas descobriram umas às outras, descobriram que não estavam sozinhas, que tinha outros fascistas como elas e acharam isso muito bom”, completa o sociólogo.

Barros é o convidado desta semana no BdF Entrevista, em seu primeiro programa de 2024. O sociólogo avalia que, apesar das tentativas de Bolsonaro e de seu partido, o PL, de voltarem a protagonizar no cenário político nacional, as investidas do poder judiciário contra a família Bolsonaro podem, de fato, retirar o ex-presidente do jogo político.

“Eu acho que se as instituições funcionarem esse ano, se a gente começar a ver tentativas sérias de responsabilização do Bolsonaro, se não houver um mega acordão que desmoralize completamente as instituições, eu acho que o Jair não deve voltar para o jogo assim tão diretamente”. 

“O Bolsonaro praticamente fez o bingo do código penal, não tem artigo ali que ele não tenha conseguido infringir. Alguém botou outro dia que na faculdade de direito que ele fez, o pessoal fazia piada que no Brasil tinha um crime completamente imbecil que era importunar cetáceos. E o Bolsonaro conseguiu infringir esse capítulo, quando ele incomodou uma baleia lá na pesca dele em Angra dos Reis”, comenta Barros.

Ainda para o sociólogo, apesar das projeções mais baixas para a economia brasileira neste ano, o país pode seguir em uma trajetória positiva, já que no Congresso, os desafios devem ser menores do que aqueles de 2023. Ele alerta, no entanto, para os desarranjos eleitorais que as eleições municipais podem causar no governo federal.

“O FMI já subiu um pouquinho a nossa previsão, então, as coisas podem melhorar nesse sentido. Agora, não deve ser tão alto quanto foi no ano passado e com menos dinheiro, tudo é mais difícil. Você tem menos dinheiro para distribuir, é ano de eleição em um governo que é constituído por uma frente bastante ampla. E vai acontecer vários casos como esse de São Paulo, que a gente falou, que o presidente e o vice vão ter candidatos diferentes. O presidente e o ministro vão ter candidatos diferentes, isso pode criar também uma certa tensão”.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Queria começar falando contigo sobre a eleição em São Paulo, que talvez seja muito emblemática para esse momento do país. O PT abriu mão de uma candidatura majoritária pela primeira vez, pelo menos desde a redemocratização, na capital, para apoiar o Guilherme Boulos. Queria saber de você o porquê dessa decisão do PT? O partido não tinha quadros na cidade para fazer frente ao atual prefeito Ricardo Nunes - haja visto que as últimas eleições para o PT na capital de São Paulo foram um desastre - ou é uma passagem de bastão mesmo, e o PT não quer mais hegemonizar o campo político da esquerda?

Celso Rocha de Barros: Eu acho que é uma mistura de várias coisas. Primeiro, o PT de São Paulo foi muito afetado por essas várias crises que o partido passou na época do mensalão, especialmente - qualquer que seja sua opinião sobre o julgamento do mensalão. O fato é que as grandes figuras, os principais líderes que o PT tinha, fizeram sua carreira em São Paulo. E por esse motivo, o PT de São Paulo foi mais afetado que os outros mesmo. Principalmente se você comparar, por exemplo, com o PT de Minas Gerais, o PT do Rio Grande do Sul, que saíram praticamente incólumes dessa história toda. 

Entre estes políticos, José Dirceu e José Genoino... 

Pois é, o [Antonio] Palocci. Esses caras, se você fosse fazer um top 10 dos petistas mais importantes em 2003, teriam seis ou sete políticos de São Paulo. Então, foi uma pancadaria, um ataque muito severo, que deixou muitas baixas no PT de São Paulo.

Na eleição de 2012, o Lula conseguiu indicar um nome que deu certo, que foi o [Fernando] Haddad, mas isso não vai acontecer toda vez. Você tem que contar que o quadro que indicou dê muito certo diante do eleitorado e tem que contar, também, que os adversários vão entrar divididos. Não é fácil. 

Aí, na última eleição [em 2016] para prefeito de São Paulo, a esquerda bateu o seu recorde de divisão da história, lançando os três prefeitos que ela tinha eleito até hoje em São Paulo, por partidos diferentes, um para concorrer contra o outro, que foi a [Luiza] Erundina, pelo PSOL, a Marta pelo PMDB e o Haddad pelo PT. 

Então, pelo menos, eu acho que dessa vez o pessoal criou mais vergonha na cara e resolveu se juntar. Você vê que há articulação em torno da chapa do Boulos. O PSOL, que tinha concorrido separado, agora indica a cabeça de chapa, a Marta que tinha concorrido separado, agora vai participar como vice, indicada pelo PT. Eu acho que é uma reversão daquela fragmentação que aconteceu em 2016. 

Tem dois movimentos acontecendo. Primeiro, o PT realmente está no momento de transição dos seus quadros em São Paulo. Você tem gente que se elegeu vereador nas cidades, que se elegeu deputado estadual, etc, mas esse pessoal ainda não se tornou conhecido o suficiente do eleitorado, para encarar uma eleição majoritária que é importantíssima no quadro nacional atual. 

Em segundo lugar, você tem o fato de que o Boulos, na última eleição, teve um desempenho sensacional, completamente inesperado. Eu não conheço nenhum analista político, de nenhuma orientação ideológica, ou vertente teórica e metodológica que tivesse cravado que o Boulos iria para o segundo turno na última eleição. Isso, aliás, era um argumento que o PT sempre usava contra os rivais dele na esquerda: “A gente tem mais votos que vocês, por isso que a gente tem que ter a cabeça de chapa”. E dessa vez, não, o PSOL conseguiu ter bem mais votos que o PT. 

E eu acho que o terceiro componente é a reorganização de forças. Acho que a gente vai ver mais disso nos próximos anos, porque em 2017, o Congresso passou uma mini Reforma Política, para diminuir o número de partidos brasileiros, cuja principal medida foi a proibição de coligação nas eleições proporcionais. Na última eleição, a gente já viu uma diminuição de números dos partidos representados no Congresso e essa tendência tende a se fortalecer ao longo do tempo. O número de partidos vai diminuir muito. 

E na esquerda, isso quer dizer o seguinte, não vai ter tanto partido de esquerda assim daqui a alguns anos, eles vão estar federados ou vai haver fusões. E, por exemplo, o pessoal que achou difícil engolir a Marta voltar ao PT, eu tenho más notícias para vocês. Eu acho que vai ter fusões que vocês vão achar mais difíceis nos próximos anos.

Sobre essa questão da Marta Suplicy no PT, ela agrega votos em setores que o Guilherme Boulos ainda não tem tanta solidez. A Marta foi uma excelente prefeita durante a sua gestão, deixou marcas importantíssimas nas periferias de São Paulo, principalmente. Esse é o tipo de composição que ela pode agregar junto com Boulos? 

Eu acho que tem dois aspectos que ela pode agregar. Primeiro, o Boulos também tem bastante voto na periferia, mas ela tem outros e eles não são necessariamente os mesmos, então ela soma na periferia. A outra questão é que ela, quando era do PT, sempre foi da ala mais moderada, uma ala muito moderada, assim, digamos da ala moderada, da ala moderada. 

Depois ela até saiu do PT e foi do PMDB, acho que do Podemos [Solidariedade], ou um outro desses partidinhos. Ela realmente não tem um perfil radical e acho que serve um pouco para atenuar a impressão de que o Boulos seria um cara excessivamente incendiário, que é uma coisa que ele vai ter que calibrar. Porque, por um lado, ficou claro que a população gosta dele, de ter um cara combativo, um cara de esquerda. Mas também não quer ter um cara que vai chegar lá e tudo vai ser um ato de protesto. Então, eu acho que a Marta ajuda um pouco nessa dimensão também, até pela experiência administrativa anterior. 

Tiveram alguns problemas da própria Marta Suplicy nos anos pós PT. O voto pelo Impeachment, os agrados à Janaína Paschoal, entre outros momentos complexos… 

Com certeza. É aquele negócio, faltou habilidade que um político hábil tem, de evitar queimar pontes, entendeu? Se você sair do PT e digamos que haja 2% de chance de você voltar um dia, ou de você buscar uma aliança com o PT, você não faz isso, não leva flores pra Janaína Paschoal no dia da votação do Impeachment. 

E, cá entre nós, ela não deveria nem ter apoiado o Impeachment, todo mundo entenderia perfeitamente se ela dissesse: “acabei de sair do PT, não vou fazer uma virada dessa radicalidade”. Um exemplo interessante foi o Alessandro Molon, que saiu do PT naquela época, foi para a Rede Sustentabilidade, mas uma das condições dele foi votar contra se o Impeachment fosse para votação: “não mudei de opinião sobre todos os assuntos de um dia para o outro”. 

Celso, surgiram notícias que foram prontamente rebatidas pelo presidente Lula, de que a candidatura da Tabata Amaral poderia ser trocada por cargos no governo. Qual é o tamanho da influência da Tabata na disputa eleitoral de São Paulo? 

Essa é uma das grandes incógnitas do momento. Para começar, eu devo dizer uma coisa, eu acho que certamente tinha gente no PT que gostaria que o Lula fizesse isso, que o Lula oferecesse um cargo para tirar a Tabata da disputa. Eu acho que essas pessoas - você pode ter opiniões diferentes sobre a conveniência do que eles estão fazendo - estrategicamente, elas têm uma certa razão, porque a Tabata, eu acho que é uma candidata viável. Ela não é a favorita, de jeito nenhum, mas é uma candidata viável. 

Eu não acho que o Lula tenha prometido isso, e por um motivo muito simples: eu acho que a chance de isso dar certo era zero. Justamente porque a Tabata tem alguma chance de se eleger, e caso ela perca, mas tenha uma boa votação, ela é muito jovem, então isso também foi um bom resultado pra ela. Por isso, eu acho que a chance dela desistir dessa eleição é zero. 

Eu vou ficar muito surpreso se ela desistir, porque como eu disse, ela é muito jovem, então se ela perder a eleição - porque ela ainda vai perder eleições antes de ganhar, todos esses políticos petistas, que depois viraram campeões de voto, se você for olhar no currículo do cara, tem várias derrotas antes disso. 

Então, se uma candidata do PSB, que é um partido que nunca foi muito forte em São Paulo, tiver lá seus 10%, 9%, isso dá para ela, por exemplo, uma influência muito grande no segundo turno e ela já sai muito maior do que entrou. Eu acho que os incentivos para ela sair são realmente muito baixos. Por outro lado, se ela desiste por causa de um cargo, eu acho que ela causaria uma grande frustração no eleitorado dela, inclusive para deputada. 

Por isso, eu acho que eu o Lula não ofereceu, porque simplesmente a chance de ela aceitar era muito baixa. E o Lula é um cara que você pode ter qualquer opinião sobre, mas ele é bom de cálculo político. 

E tem também um arranjo em nível federal do vice-presidente da República, que é quem está apoiando essa candidatura, né? 

Ele vai brigar com Alckmin, gente, a essa altura do campeonato? 

Não precisa… 

Pois é. 

Há quem diga também que a Tabata pode ter um efeito Simone Tebet nestas eleições, como aconteceu nas eleições para presidência, não é? 

Pode. Mas ela tem uma coisa, cara… Em uma pesquisa dessas ela chegou a ter mais de 10%, 11%. A Tebet nunca chegou nisso. Se ela tivesse chegado em 11%, a eleição presidencial teria sido diferente, porque um monte de gente que foi com o Bolsonaro talvez falasse: “Ah, se tem terceira via, com alguma viabilidade, então posso tentar”. O que os caras não iam era largar o Bolsonaro pra ter 3%, isso para eles não era jogo. 

Mas se a Tabata conseguisse se manter em um nível em torno de 10%, um pouco mais, um pouco menos, ela já começa… os eleitores do Ricardo Nunes, seja lá de quem seja o candidato da direita na eleição, vão pensar assim: “olha, de repente é jogo mudar para essa candidatura aqui, que talvez seja mais viável”. 

Mudando um pouco de assunto, mas nem tanto, porque eu vou aproveitar essa deixa que você deu do Ricardo Nunes, que vai ser apoiado pelo Jair Bolsonaro, a família Bolsonaro ainda não havia tido um baque tão grande quanto esse da última semana, depois das operações de busca e apreensão nos endereços do Jair e do Carlos Bolsonaro, sob suspeitas de aparelhamento da Abin. O Jair Bolsonaro está inelegível por oito anos e os processos contra ele e a família vão se acumulando no judiciário. Qual é o destino do clã Bolsonaro? Eles ainda podem protagonizar politicamente no Brasil? 

Pois é. Eu, particularmente, acho que eles só voltam para a primeira divisão se houver uma crise muito grande, se o governo Lula for um desastre completo, ou se a eleição do [Donald] Trump mudar completamente o equilíbrio geopolítico. E acho que tem que acontecer umas duas ou três coisas dessas para eles voltarem a esse tipo de protagonismo. Agora, uma coisa é dizer que eles vão eleger um presidente, outra coisa é se eles vão continuar com alguma relevância.

Com alguma relevância eu acho que eles vão continuar, essa corrente de opinião da extrema direita, do fascismo, saiu do armário e essas pessoas descobriram umas às outras, descobriram que não estavam sozinhas, que tinha outros fascistas como elas e acharam isso muito bom. Então, eu acho que a gente vai ter que continuar convivendo com deputados de extrema direita no Congresso. 

Agora, eu acho que se as instituições funcionarem esse ano, se a gente começar a ver tentativas sérias de responsabilização do Bolsonaro… Cara, o Bolsonaro praticamente fez o bingo do código penal, não tem artigo ali que ele não tenha conseguido infringir. Alguém botou outro dia que na faculdade de direito que ele fez, o pessoal fazia piada que no Brasil tinha um crime completamente imbecil que era importunar cetáceos. E o Bolsonaro conseguiu infringir esse capítulo, quando ele incomodou uma baleia lá na pesca dele em Angra dos Reis.

Então, realmente não sobrou o artigo do código penal para ele infringir. E ainda nem começaram as investigações sobre a responsabilidade dele na pandemia, que foi o maior crime do Brasil republicano, foi um negócio completamente fora de escala de qualquer outro crime, de qualquer outro político brasileiro. Se não houver um mega acordão que desmoralize completamente as instituições, eu acho que o Jair não deve voltar para o jogo assim tão diretamente. 

Os filhos dele, eu imagino que continuem se elegendo deputados, continuem se elegendo vereadores. Mas o que a gente tem que ver é que se esses processos se acumulam, se as revelações se acumulam, aí o que a gente tem que observar é se esse político de centro direita, oportunista, que cá entre nós, é a imensa maioria dos brasileiros, esse cara que não é fascista por ideologia, mas certamente poderia ser fascista por conveniência, se isso desse dinheiro para ele, se isso ajudasse ele a se eleger - por que esse pessoal, os fascistas, têm que ser punidos para tirar o incentivo desses oportunistas se aliarem a eles.

O que precisa acontecer é que um cara como o Valdemar Costa Neto (PL), precisa dizer que não tem mais porque acomodar esses caras no partido… 

Pelo contrário, Valdemar Costa Neto deu uma entrevista na semana passada dizendo que Carlos Bolsonaro, que é o principal alvo dessas operações, vai ser presidente do PL na cidade do Rio de Janeiro… 

Pois é. Então, enquanto estiver assim, a gente ainda tem trabalho para fazer, porque o que tem que acontecer é o que já acontece, por exemplo, com relação ao Bolsonaro. A maioria dos políticos já não quer sair na foto com ele: “Pô, eu vou me aliar com esse cara, amanhã ele fala um negócio qualquer que, pelo amor de Deus, vai me arrumar problema com a polícia”. A gente tem que chegar nessa situação. 

E não só para o clã. Por exemplo, eu gosto de encher o saco na coluna e escrevi sobre isso outro dia. Teve uma reunião em 30/11/2022 do Congresso, convocada pelo senador Eduardo Girão, na época do Podemos, agora do Partido Novo, do Ceará. Se você assistir às 11 horas de reunião, com toda a elite dessa extrema direita parlamentar do Congresso - com exceção dos filhos do Bolsonaro que, se não me engano, estavam na Copa do Mundo, ou uma coisa dessas - estavam clamando por golpe, cara. 

Vários deles pedem a invocação do artigo 142, aquela teoria maluca do Ives Gandra, dizendo que as Forças Armadas precisam tomar uma atitude para impedir que o Lula assuma. Quando eles pedem golpe, todo mundo que está presente aplaude, tem vídeo disso, os caras gravaram, não tiveram vergonha nenhuma. E a sessão termina com um líder de caminhoneiros, daqueles que tramaram o golpe lá em dezembro de 2022, falando “porque que o Senado não pede o artigo 142?”. E o Girão diz: “Ah, nós estamos analisando todas as possibilidades”. Então, assim, esses cúmplices do golpismo no centro político também precisam ser punidos. Porque precisa ser caro você aderir ao extremismo. 

O Lula teve um primeiro ano surpreendente do ponto de vista da estabilidade do país e da economia, principalmente. E queria saber de você o que esperar desse ano de 2024. Na teoria, 2023 seria terrível, mas se mostrou um ano positivo. Esse ano também começa com os acadêmicos da economia prevendo pequenos desastres. O que você imagina para esse ano do governo Lula? 

Sem dúvida, esse ano talvez não tenha tantos desafios. Tem muita coisa que precisa passar no Congresso, mas no ano de 2023, o governo teve um desempenho de aprovação legislativa absolutamente sensacional, histórico. Então, talvez esse ano seja um pouco menos difícil nesse aspecto. Agora, as previsões são de que a economia vai crescer menos. E aí, tem todo um debate, porque nos últimos anos as previsões se mostraram pessimistas demais, não só em 2023. 

Então, tem uma certa suspeita de que ou os modelos econômicos não estão preparados, porque seria uma recuperação pós-pandemia, e aí, cá entre nós, tenhamos aqui uma certa simpatia pelos modelos econômicos, não deve ser fácil pensar se o mundo acaba e o que a gente faz. 

Ou então pode ser que eles tenham perdido alguma coisa sobre o Brasil. Talvez eles tenham achado que o potencial de crescimento brasileiro era menor do que é, porque o crescimento foi baixo nessa década que passou por um monte de outras coisas, por questões internacionais, por crises políticas, etc. Ainda não se sabe isso e ainda vai ser debatido por muitos anos. 

Mas supondo que as previsões estejam mais ou menos certas desta vez, a gente vai depender um pouco do Banco Central dos EUA. Se o Banco Central não sair aumentando juros, as nossas chances melhoram bastante. Tinha um pessoal que achava que os juros lá iam cair dessa última vez, mas não cairam. Mas também tem perspectiva de cair, o pessoal está supondo maio, que é quando o Haddad disse que talvez caísse, quando ele foi no Roda Viva. 

Se isso acontecer, as coisas no Brasil começam a melhorar. O FMI já subiu um pouquinho a nossa previsão, então, as coisas podem melhorar nesse sentido. Agora, não deve ser tão alto quanto foi no ano passado e com menos dinheiro, tudo é mais difícil. Você tem menos dinheiro para distribuir, é ano de eleição em um governo que é constituído por uma frente bastante ampla. E vai acontecer vários casos como esse de São Paulo, que a gente falou, que o presidente e o vice vão ter candidatos diferentes. O presidente e o ministro vão ter candidatos diferentes, isso pode criar também uma certa tensão.

Agora, uma das coisas que eu acho que está faltando atualmente é um adulto do lado da direita, com quem o PT possa conversar, como era o PSDB antigamente. Porque está acontecendo um processo do Congresso tomar o poder do Presidente da República, que já vem desde o segundo mandato da Dilma. Eles se aproveitaram de presidentes frágeis, que foi a Dilma no segundo mandato, o Temer e o Bolsonaro, para adquirir um controle cada vez maior do orçamento. 

O plano do Congresso esse ano, por exemplo, era controlar metade do dinheiro que tinha para o governo gastar do não vinculado, tirando o pagamento de funcionários, de aposentadoria, etc. Isso é muito e o Congresso não é responsabilizado quando falta dinheiro em hospital, quando falta dinheiro em escola. Isso claramente não está certo e precisa ser ajustado. Mas, infelizmente, não tem um cara na direita, um partido sólido na direita, com chance de indicar um presidenciável, para se juntar à esquerda e se contrapor a essas forças do centrão. 

Eu acho que esse, atualmente, é o principal problema do governo, porque se isso não mudar, se esse ano já vai ser difícil, o ano que vem vai ser pior, e daí em diante. Eles não vão parar nunca se eles conseguirem ir comendo pedaços do orçamento e, de repente, você está fazendo campanha para Presidente da República, mas está elegendo a Rainha da Inglaterra, porque o cara só vai conseguir pagar funcionalismo e aposentadoria.

No ano passado teve uma coisa que me chocou muito. O Arthur Lira (PP-AL) ganhou o controle da Caixa Econômica para aprovar a agenda do governo. Antigamente, você entregava a Caixa Econômica para o cara e pelo menos a Reforma Tributária inteira você garantia a aprovação, e mais um ano inteiro de vida fácil no Congresso. Mas isso aí foi para o cara garantir uma etapa da aprovação da Reforma. Então, isso não tem como ser sustentável, porque não tem 50 caixas econômicas para serem distribuídas. Não estou nem discutindo aqui se é para distribuir ou não, isso é outra história. Mas assim, não tem como. 

A Constituição de 1988 começou os debates tendendo para o parlamentarismo, depois eles viraram presidencialistas, e aí eles fizeram uns ajustes para a presidência ter alguma força. E esses mecanismos têm sido desmontados nos últimos anos. Isso é um problema sistêmico mesmo, que eu acho que vai continuar nos próximos anos. 

E a parte da Reforma Tributária mais importante é a que vai ser votada agora, é a que mais vai dar desgaste para o governo... 

Vai ser um problemão, porque agora começa a tentativa de, pelo imposto de renda, fazer um negócio mais igualitário, aumentar a tributação dos ricos. Então, vocês podem imaginar que… 

Olha só, você não precisa acreditar em mim, em 2015, eu fui num debate com o Fernando Henrique Cardoso, e aí eu reclamei que, no Brasil, a tributação era pouco progressiva. Inclusive eu citei que no manifesto da Arena, o partido que apoiava o governo militar, estava incluso que a tributação tem que se tornar mais progressiva. 

Então, ninguém mesmo consegue mudar isso. Ele falou: “olha, você tem razão, todo mundo sabe que é isso, mas quando você propõe, os interesses se organizam no Congresso e te derrubam. Tem vídeo no YouTube, se você quiser ver. Então, é difícil mesmo, cara. Vai ser uma briga por isso. Por essas e outras que eu digo…tem um pessoal aí que fala que o Haddad é neoliberal. Cara, nenhum outro Ministro da Fazenda do PT até hoje fez isso.

Sobre esse aspecto, o terceiro governo Lula é bem mais à esquerda que os outros, nesse sentido de comprar briga com os poderosos e tal. Mas isso, obviamente, é perigosíssimo. É muito difícil politicamente, então vamos ver como é que vai ser. 

Celso, você escreveu o livro "PT, uma história", que fala sobre os meandros e os bastidores do Partido dos Trabalhadores. A gente tem um presidente que é histórico, um sujeito que atravessou os anos como um vitorioso politicamente e socialmente muito aceito e que criou e deu base para pelo menos 30% de votos para o PT em eleições majoritárias. Muito já se discute uma sucessão natural do Lula. Essa sucessão, hoje, seria o Fernando Haddad, de quem estamos falando? Ou há outro nome a ser construído, por exemplo, nos próximos quatro anos, ou até mais tempo, em uma possível reeleição do Lula em 2026? 

É, não há dúvida de que quando o Haddad virou ministro da Fazenda, ele ganhou uma liderança gigante sobre os outros possíveis candidatos. O nome que mais se fala sempre foi a Gleisi Hoffmann. Mas assim, no momento, se o Lula resolvesse não concorrer na próxima eleição - o que não vai acontecer, mas poderia acontecer - o Haddad seria o candidato, com certeza. 

Supondo dois mandatos para o Lula, isso é muito tempo. Dá tempo de outros nomes se articularem e inclusive podem acontecer fatores que, hoje em dia, são muito importantes para decidir quem vai ser o candidato do PT e que podem mudar de exposição. Por exemplo, digamos que o PT eleja um governador muito importante na próxima eleição, um cara que ganhe um estado muito bem, ou que se destaque muito ao longo desse período. 

Então, assim, sete, oito anos é muito tempo para surgirem novos nomes. Não dá, absolutamente, para cravar que vai ser o Haddad. Por exemplo, se você chegasse e me entrevistasse em 2004, a aposta mais certeira era o Antônio Palocci, que seria o sucessor do Lula em 2010. Todo mundo sabia que o Palocci e o Dirceu disputavam dentro do governo, mas o Palocci todo dia fazia a caminhada com Lula e discutia o governo. 

Então, não dá realmente pra cravar no momento. Agora, sem dúvida nenhuma, no momento que o Haddad virou Ministro da Fazenda, em uma conjuntura crítica como essa que o titular da pasta tem, uma função essencial de apaziguar ânimos com o centro, com a elite, etc, naturalmente o cara que é designado para cumprir essa função está na frente.

Edição: Rodrigo Durão Coelho