África

Senegal corta internet em dia de protesto contra adiamento das eleições; tensão no país preocupa ONU

Com mais de 18 milhões de habitantes, o Senegal era visto, até então, como uma democracia estável na África Ocidental

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Trabalhadores da mídia senegalesa protestam na segunda, 12 de fevereiro, contra a violência dirigida a profissionais da imprensa - John Wessels / AFP

O Senegal teve a internet móvel cortada em todo o país pelas autoridades nesta terça-feira (13), dia em que está agendado um protesto silencioso contra o adiamento das eleições. A manifestação em Dacar foi convocada por Abdou Khafor Kandji, porta-voz dos movimentos populares que formam o coletivo Aar Sunu Election ("Protejamos a nossa eleição", na língua wolof). 

A decisão de cortar a internet no país foi anunciada pelo ministro das Comunicações, Telecomunicações e Economia Digital, Moussa Bocar Thiam.

Em comunicado reproduzido pela Agência Lusa, o ministro afirma ter tomado esta decisão "devido à disseminação nas redes sociais de várias mensagens de ódio e subversivas que já levaram a manifestações violentas com mortes e danos materiais relevantes". As autoridades já haviam restringido o acesso aos serviços de internet móvel na segunda-feira (5) com o mesmo argumento, o que não impediu a realização de protestos massivos em todo o país. 

Três mortes e 266 prisões foram registradas no país desde sexta-feira (9), segundo o escritório da ONU para os Direitos Humanos em Genebra. Em nota publicada nesta terça-feira (3), a agência aponta relatos de uso desnecessário e desproporcional da força contra manifestantes e restrições ao espaço cívico. Em coletiva de imprensa, a porta-voz Elizabeth Throssel fez um apelo às autoridades para que garantam a defesa da longa tradição de democracia e do respeito aos direitos humanos do Senegal. 

Dois jovens foram mortos na sequência dos protestos na capital Dacar e na cidade de Sant-Louis, no norte do país, na sexta-feira (9). Na noite de sábado, outro jovem, um adolescente de 16 anos, morreu no hospital após ser ferido em Ziguinchor, na região de Casamança, cidade do sul do país que é o reduto do líder da oposição, Ousmane Sonko, atualmente detido. O adolescente "foi atingido por um projétil na cabeça e morreu devido aos ferimentos nos cuidados intensivos", disse à AFP uma fonte hospitalar de Ziguinchor, sob condição de anonimato.

"Houve vários feridos graves durante os protestos e um morreu. Foi atingido na cabeça por uma bala", explicou Abdou Sane, coordenador do partido da oposição Pastef em Ziguinchor, à agência alemã DW.

Adiamento das eleições foi estopim da crise

Na última quarta-feira (7), o Parlamento do Senegal aprovou a decisão do presidente Macky Sall de adiar as eleições presidenciais no país que estavam marcadas para ocorrer no próximo dia 25 de fevereiro.

O primeiro-ministro, Abdou Mbow, defendeu o adiamento do pleito e convocou a população a participar de um “diálogo aberto” para discutir a votação, agora prevista para o dia 15 de dezembro.

A decisão causou reação da população senegalesa, que tem mobilizado uma série de protestos no país, duramente reprimidos pelas forças policiais. No último final de semana, foram registradas pelo menos três mortes e mais de 150 pessoas presas durante as manifestações, em uma das piores crises vividas pelo país desde sua independência da França em 1960.

Com uma população de mais de 18 milhões de habitantes, o Senegal era visto, até então, como uma democracia estável na África Ocidental, região que sofreu seis golpes de Estado desde agosto de 2020.

A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) também foi afetada. Em 28 de janeiro, o Mali, o Burkina Faso e o Níger, todos eles atualmente governados por juntas militares na sequência de recentes golpes de Estado, anunciaram a sua retirada do bloco.

Isto torna o Senegal ainda mais importante, afirma Philipp Goldberg, diretor do Centro de Competência para a Paz e Segurança da Fundação Friedrich Ebert na África Subsariana, em Dakar.

*Com AFP, Agência Lusa, DW e BBC

 

Edição: Matheus Alves de Almeida