POVOS ORIGINÁRIOS

Povo Guarani Mbyá retoma território ancestral Tekoá Nhe`engatu em Viamão (RS)

O grupo passou a maior parte da vida em casas improvisadas e barracos de lonas na beira de estradas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Com essa retomada, o Povo Guarani Mbyá presta homenagem a seu avô, Turíbio Gomes, que morreu com 101 anos de idade, assim como todos seus anciões e anciãs que lutaram pela busca de uma vida mais digna - Foto: Jorge Leão

O povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, cansou de viver nas margens de suas terras originárias, dentro de áreas degradadas ou em acampamentos de beira de estradas. Integrantes da etnia retomaram um de seus territórios ancestrais nesta quinta-feira (15). O território chamado pelo povo de Tekoá Nhe'engatu está localizado no município de Viamão, região metropolitana da Capital.

A área com mais de 148 hectares abriga fauna e flora remanescentes do bioma Pampa, com espécies ameaçadas de extinção, cursos hídricos, áreas de preservação ambiental e pesquisas agropecuárias. Há risco de perda de mais da metade do território para a especulação imobiliária.

Com essa retomada, o povo Guarani Mbyá também presta homenagem a seu avô Turíbio Gomes, que morreu com 101 anos de idade, assim como todos seus anciões e anciãs que lutaram e padeceram na busca de uma vida mais digna para o seu povo. Muitos deles não conseguiram passar os dias de sua existência dentro da terra demarcada.

Para Genira Pará, neta de Turíbio Gomes, que era chamado pelo seu povo de Karaí Nhengatu, a retomada homenageia a força e resistência de seus ancestrais. “A gente nomeou essa retomada como Nhengatu, em homenagem a ele. Para muitos estudiosos, Nhengatu significa o nome que era dado aqui no Brasil antes da invasão dos portugueses, existia uma língua só que era chamada Nhengatu. Então essa retomada é em homenagem a ele, mostrando essa resistência que ele ensinou aos netos, filhos.”


Para Genira Pará, neta de Turíbio Gomes, essa retomada honra a resistência ensinada aos netos e filhos. / Foto: Jorge Leão

Ainda para ela, a terra é importante por ser um lugar para viver. O grupo passou a maior parte do tempo em casas improvisadas, principalmente barracos de lonas,  sem terra para plantar suas roças, sem água potável e sem lugar para construir sua Opy, casa de Reza.

"É para realizar os sonhos desses velhos e nossos também de criar os filhos, os netos (...) Pela iluminação de Nhanderu, essa retomada foi bem sucedida, ainda não aconteceu nada. Ocupamos esse espaço com grande luz, ninguém ainda está nos incomodando até agora. Esperamos que isso aconteça de forma pacífica, a gente espera sempre, e aí [poder] criar e preservar o futuro das crianças, principalmente o meio ambiente”, almeja Genira.

“Hoje estamos retomando uma área que é nossa conforme pesquisas da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), aqui em Viamão. Hoje a gente está em 30 pessoas fazendo essa ocupação, sabendo que todo esse território aqui na região de Viamão era Guarani. Hoje estamos voltando às nossas origens nessa retomada aqui e também justificando a importância da ocupação dessa área, que é uma das poucas que ainda permanece um pouco da mata nativa, fonte de água, de rio”, explica o jovem líder Arnildo Werá.


O líder Arnildo Werá reforça que a retomada é em prol da preservação do território diante das especulações imobiliárias / Foto: Jorge Leão

Para o grupo, não é justo suas crianças nascerem e crescerem em situação de profunda vulnerabilidade, sem perspectivas de uma vida tranquila, justa e saudável. "O motivo pra gente vir pra cá são os grandes empreendimentos que estão invadindo e destruindo essa mata que resta, destruindo essa nascente do rio, que abastece toda a região (...) O município está querendo passar pra empresa privada pra fazer o condomínio, e aí seria uma destruição total”, comenta Werá.

Nesse momento, o povo Guarani Mbyá requisita que a Funai agilize os procedimentos de demarcações de terras para o seu povo, sobretudo os processos paralisados e o da Tekoá Nhe'engatu.

"Hoje a gente está aqui fazendo essa ocupação em nome do povo Guarani, de muita luta, muita sofrência, muitas mortes no passado das lideranças que já foram, que ainda permanecem em espírito. A gente está aqui reivindicando esse espaço para políticos, para que nos ajudem a permanecer e regularizar essa área, pra gente ficar aqui, criar nossas famílias, crianças, olhando pro futuro, que permaneça essa língua, essa cultura, que ainda pouco resiste e existe”, complementa.

Servidores temem pelo meio ambiente e pelo trabalho de pesquisa

Pesquisador do Centro de Pesquisas de Viamão, João Rodolfo Guimarães Nunes afirma que foi surpreendido com o grupo de indígenas. Ele comenta a importância do desenvolvimento dos trabalhos de pesquisa que são feitos dentro do território.

"Nós temos várias pesquisas. Não só o pessoal daqui atua no local, mas o pessoal da sede de Porto Alegre atua aqui na unidade. Também vários alunos da UFRGS desenvolvem aqui seus mestrados, doutorados e projetos de pesquisa. Temos trabalhos também sobre o Pampa porque aqui é uma área de preservação muito importante desse bioma, com espécies raras", ressalta o pesquisador.

Segundo as lideranças, a retomada do território não pretende inviabilizar as pesquisas feitas na área, mas permitir que a preservação seja assegurada pelos órgãos governamentais.

Nunes ressalta que após o governo do estado extinguir a Fepagro, o desenvolvimento das pesquisas decaiu. "Não se contrata mais ninguém, nosso quadro é um quadro de extinção. (...) Em um estado que se diz agrícola, com um setor primário forte que, a meu ver, tem perdido para outros estados. Uma das causas talvez seja a falta de investimentos na parte de pesquisa."

Nunes conta que no território existem bancos de preservação de germoplasma de várias espécies nativas da região. "Nós estamos bastante preocupados (...) Tem um manancial de água muito rico, tem dois córregos que passam aqui dentro. Tem o Mendan e Águas Belas que vão contribuir com a bacia do Gravataí. Esse rio, como todo mundo sabe, tem vários problemas e abastece Porto Alegre também com água. E aqui é um lugar que faz a filtragem”, afirma o pesquisador.

O número de beneficiários diretos atendidos pelo centro de pesquisa é de aproximadamente 75 pessoas. Dentre elas pode-se destacar a comunidade escolar de nível técnico (estudantes dos cursos de técnico agrícola) e de nível superior (estudantes de graduação, de mestrado e doutorado das faculdades de agronomia, medicina, veterinária, zootecnia, biologia e farmácia), entre outros (comunidade do entorno e agricultores que buscam informações técnicas para as atividades na propriedade rural).

A Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação foi procurada pelo Brasil de Fato para manifestar-se sobre a retomada, mas não enviou resposta. O espaço segue aberto para manifestação.

Confira fotos da retomada:


Grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, retoma terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, retoma terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Servidores são surpreendidos pelo grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, que retoma sua terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, retoma terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, retoma terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, retoma terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, retoma terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Grupo do Povo Guarani Mbyá, do Rio Grande do Sul, retoma terra ancestral / Foto: Jorge Leão


Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko