Câmara dos Deputados

Caso Marielle: deputado do Novo se diz 'pasmo com pressa' para avaliar prisão de Brazão e pede vista na CCJ; votação é adiada

'É um pedido de socorro, de fugir da discussão', critica Pedro Campos (PSB-PE), que defendeu agilidade de processo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Gilson Marques (Novo-SC) pediu vista e foi acompanhado pelos deputados Roberto Duarte (Republicanos-AC) e Fausto Pinato (PP-SP) - Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Um pedido de vista de um parlamentar do partido Novo adiou a votação sobre a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), implicado no caso Marielle e acusado de ser um dos mandantes do crime. Apesar do clamor por parte de diferentes parlamentares para que o Legislativo avalie rapidamente o caso, Gilson Marques (Novo-SC) se disse "pasmo com a pressa" para a análise do processo pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e pediu vista alegando precisar de mais tempo para apreciar a prisão.

O rito que define o passo a passo desse tipo de processo no Congresso Nacional prevê 72 horas para que a CCJ tome uma decisão sobre o parecer do caso. O relatório, feito pelo deputado Darci de Matos (PSD-SC), foi lido no colegiado nesta terça e defende a manutenção da prisão. Gilson Marques disse não ter condições de avaliar o texto porque o documento recebeu uma nova versão postada no sistema eletrônico da Câmara às 13h48min, pouco antes da reunião da comissão, que foi aberta às 15h18min.

Matos argumentou que o relatório foi protocolado duas vezes não por mudança em seu conteúdo, mas porque houve "erro formal" na escrita de duas expressões, que seriam as de "prisão preventiva" e "Primeira Turma", esta última em referência ao colegiado do Supremo Tribunal Federal (STF) que validou o mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes. Apesar disso, Marques insistiu no pedido de vista e foi acompanhado pelos deputados Roberto Duarte (Republicanos-AC) e Fausto Pinato (PP-SP).


Caroline de Toni (PL - SC), presidente da CCJ, durante sessão de leitura do parecer de Darci de Matos / Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Deputados como Chico Alencar (PSOL-RJ), Rubens Pereira Jr. (PT-MA), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Fernanda Melchiona (PSOL-RS), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Pedro Campos (PSB-PE) se sucederam nos apelos por uma apreciação mais célere do caso. Alencar, por exemplo, disse que, se a CCJ não se manifestar em 72 horas sobre o assunto, a presidência da Casa tem a prerrogativa de puxar o relatório de Darci de Matos direto para o plenário para que ele seja votado pelos 513 parlamentares. "Seria uma demissão da nossa função [da CCJ], tão importante", queixou-se.

Mais incisivo, Pedro Campos disse que os parlamentares que defenderam o pedido de vista estariam "fugindo da discussão". "É uma pena que a gente não tenha a oportunidade nem de discutir essa matéria no dia de hoje. E, pior do que isso, é aceitar aqui um pedido de vista que não é um pedido de vista. É um pedido de lavar as mãos. Eu acredito que essa não seja a posição que a sociedade brasileira espera dos parlamentares, [ela não espera] que se omitam em questões difíceis, que devem ser debatidas. Esse pedido de vista é, na verdade, um pedido de socorro, de fugir do debate, de fugir da discussão e lavar as mãos", alvejou.

Campos disse ainda que outros parlamentares eventualmente alinhados a Chiquinho Brazão estariam evitando os holofotes para não dizerem realmente o que pensam sobre a prisão. "Faltou coragem, faltou decisão, faltou posição. Infelizmente, todos nós aqui dessa CCJ ficamos reféns agora desse pedido de vista que foi colocado. Eu acredito que os parlamentares devem levar essa questão ao presidente Arthur Lira (PP-AL) porque no regimento, no artigo 251, fica claro que, se essa comissão se omite, em 72 horas, a gente pode pedir que a matéria vá direto a plenário. [Defendo] que a gente possa depois ir pras nossas casas passar a Semana Santa sem ter lavado as mãos, sem ter fugido do debate, sem ter posicionamento", apelou.

O prazo regimental de 72 horas para o pronunciamento da CCJ se encerra na quinta (28), véspera de feriado, uma vez que os autos do processo foram remetidos pelo STF à Câmara na tarde de segunda (25). Ainda não está claro no jogo político quando exatamente o parecer será submetido à votação, o que dependerá também de iniciativa de Arthur Lira (PP-AL).

Relator

No domingo, além de Chiquinho Brazão foram presos o irmão dele, Domingos Brazão, membro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ), e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Estado. Segundo indicam as investigações, os três teriam arquitetado a morte de Marielle e planejado os detalhes do assassinato, que foi alvo de uma série de protestos nos últimos seis anos e vem desde então sendo apontado por lideranças do campo da esquerda como crime político. O atentado vitimou também o motorista Anderson Gomes, que dirigia o veículo em que trafegava a vereadora.


Darci de Matos durante sessão de leitura do parecer favorável à prisão preventiva de Brazão / Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O caso de Chiquinho Brazão foi parar na Câmara porque, por ser um parlamentar federal, ele tem foro especial e só deve ser mantido na prisão se o plenário da Casa avalizar o encarceramento. Ao redigir o relatório sobre o caso do parlamentar, Darci de Matos destacou que a Primeira Turma do STF ratificou a prisão preventiva por unanimidade. "Em síntese, são dois crimes de homicídio consumados (mediante emboscada e impossibilitando a defesa das vítimas) e uma tentativa de homicídio, além de obstrução de Justiça com o envolvimento de organização criminosa. Conforme consta da representação da autoridade policial, são eloquentes os indícios de autoria mediata por parte do deputado e de seu irmão", afirma, no parecer.

Ao corroborar a decisão dos ministros do Supremo, Matos argumentou ainda que o benefício da imunidade parlamentar não é válido para casos como o de Brazão. "Para o Supremo, se nem mesmo os direitos fundamentais são absolutos, não haveria sentido em sê-la a prerrogativa parlamentar de imunidade à prisão cautelar. Essa imunidade absoluta, se lida em sua literalidade, não estaria em consonância com uma leitura sistemática da Constituição. Não nos afigura razoável que o constituinte originário tenha imaginado a imunidade à prisão cautelar assegurada aos parlamentares em casos como o que ora se examina", disse.

Edição: Nicolau Soares