resgate ancestral

Quilombo do Camorim é reduto de resistência e símbolo da agroecologia rural-urbana no RJ

Local possui importantes sítios arqueológicos reconhecidos pelo IPHAN e realiza reflorestamentos na Mata Atlântica

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Conhecido como um dos mais antigos do Rio de Janeiro, o Quilombo do Camorim resiste à especulação imobiliária e mostra no seu cotidiano a importância da agroecologia - Ygor Pena
Estamos na luta para resgatar esses valores da alimentação saudável que nossos antepassados tinham

Na Capital Fluminense, entre condomínios de prédios e no fim de uma estrada de terra está um pedaço da história de luta do povo negro, um dos mais antigos quilombos do Rio de Janeiro: o Quilombo do Camorim.

Localizado entre o bairro de Jacarepaguá e a Barra da Tijuca, na zona oeste da cidade, e parte do Parque Estadual da Pedra Branca, o local possui importantes sítios arqueológicos reconhecidos pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e é um símbolo da agroecologia rural-urbana.

Acredita-se que o Quilombo do Camorim tenha sido formado em 1625 pelos negros que fugiram da fazenda de Gonçalo Sá, e apesar de ter sido certificado, em 2014, pela Fundação Cultural Palmares, o local ainda encontra problemas para se manter por conta da especulação imobiliária.

Um de seus fundadores, o presidente e diretor da Associação Cultural do Camorim (ACUCA), criada em 1998 para resgate e proteção do patrimônio, Adilson Batista Almeida conta a resistência acontece através de diversas parcerias em projetos agroecológicos que incluem o reflorestamento da Mata Atlântica com mudas originárias da região.

“Nós estamos revitalizando tanto o espaço quanto a história, por isso foi dado nomes para os caminhos aqui, ali na porta é o caminho ‘entre com respeito e saia em paz’, caminho da senhora jabuticabeira, uma árvore de 153 anos, estudada pelo Jardim Botânico. Nós temos o caminho da ancestralidade, onde a Silvia Peixoto, uma arqueóloga, fez a pesquisa do doutorado dela. Nós temos o caminho da reconstrução, tudo que a construtor destruiu a gente vem reconstruindo", explica.

O Camorim guarda os rastros que retratam os passos dos africanos que resistiram à escravidão. Adilson, que é descendente de quilombolas e cresceu no local, assumiu os cuidados do lugar depois da morte de seu pai. Ele conta que grande parte da área do quilombo foi destruída por uma construtora, mas que ele não se deixou abalar e a região está sendo reflorestada com novas mudas das árvores que foram derrubadas, além da construção de um espaço para toda a comunidade.

“Nós estamos na luta para fazer uma horta orgânica comunitária e resgatar esses valores da alimentação saudável que os nossos antepassados tinham, trazer isso também é uma reconstrução, trazer essa vivência para esse espaço, por isso nós temos também uma escola quilombola que chamamos de pedagogia quilombola”.

Peixe camorim

O nome Camorim vem de um peixe que os habitantes locais pescavam na lagoa de Jacarepaguá. Hérick da Silva Santos é sobrinho de Adilson, nascido e criado no local explica que olhar para o passado é entender que comunidade é sinônimo de solidariedade. “Ele tem essa semente, eu tenho essa hortaliça, essa fruta, então em comunidade um ajudava o outro".

"Além das nossas crianças também aprenderem as coisas que eu mesmo na escola não aprendi e se a gente não tivesse interesse, não procurasse saber da nossa história, a gente iria ficar naquele mesmo arroz e feijão clássico de que ‘os portugueses trouxeram os escravizados pra cá e pronto, acabou a história’. A importância de ter os quilombos hoje em dia foi a mudança histórica, até mesmo nos livros de história, que já mostram não só o Quilombo dos Palmares, mas também outros quilombos registrados ali”.

Cerca de 20 famílias vivem no local e se consideram herdeiros dos quilombolas que viveram na região e buscam relembrar que a relação com a terra vem de longe. Como acredita Hérick. “Tem as histórias das tranças que as mulheres trançavam os cabelos e guardavam as sementes neles, ali já se formavam os bancos de semente, só que anos depois a gente olhou para o passado e trouxe essa cultura das guardas de sementes e as nossas plantas medicinais".

"Meu tio, meus primos e eu fomos criados sem remédios, só em caso de extrema necessidade que alguma erva não podia resolver, mas a minha avó sempre foi de ‘tá se sentindo mal? vamos ali’ pegava as ervas, fazia um xarope, um chá e tomava e pronto, resolvia, hoje em dia perdeu-se um pouco dessa cultura e com o quilombo a gente está trazendo de volta”.

Para Adilson mesmo com as dificuldades que enfrenta no caminho cuidar do quilombo é sua missão de vida. “A gente tem um trabalho com as escolas da rede pública, estaduais e municipais, e as universidades, então a gente tem aqui hoje no Quilombo do Camorim uma universidade de todas as formações ao ar livre. A luta é muito árdua, às vezes a gente está com 15 mil toneladas nas costas, mas quando pisa nesse solo você se sente leve”, finaliza.

Edição: Mariana Pitasse