60 anos do golpe

Cordão da Mentira vai às ruas em rechaço à ditadura, à tentativa de golpe de 2023 e à brutalidade policial

O ato, dia 1º de abril às 17h na Maria Antônia em SP, tem o tema 'De golpe em golpe: tá lá um corpo estendido no chão'

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Com samba-enredo inédito a cada ano, o Cordão da Mentira é também marcado por intervenções artísticas - Thiago Mendonça

Nesta segunda-feira (1), quando o golpe empresarial-militar no Brasil completa seis décadas, o Cordão da Mentira — bloco que denuncia a violência estatal dos tempos ditatoriais e democráticos — sai às ruas de São Paulo. O ato, organizado por grupos de teatro, musicistas, ativistas e familiares de vítimas de agentes do Estado, está marcado para as 17h em frente ao Centro Universitário Maria Antônia.

Com o mote “De golpe em golpe: tá lá um corpo estendido no chão”, o cordão busca conectar a memória e a crítica dos anos de chumbo, da tentativa bolsonarista de golpe em 2023 e do constante genocídio praticado pela polícia nas periferias. 

“Todos os golpes que a gente viveu ao longo da história do Brasil são contra a classe trabalhadora e aquelas e aqueles que se insurgem contra esse nefasto projeto de nação”, caracteriza o ator e diretor teatral Osvaldo Pinheiro, um dos organizadores do Cordão da Mentira desde a sua criação em 2012. 

"Ditadura continuada" 

Tendo também integrado o bloco em todas as edições, Thiago Mendonça afirma que a pauta principal de 2024 é “como os 60 anos do golpe refletem no cotidiano brasileiro”.   

A data chega, justamente, enquanto o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) implementa na Baixada Santista a mais letal operação institucional da Polícia Militar paulista desde o massacre do Carandiru, em 1992. Apenas na fase mais recente da Operação Verão, intensificada em 7 de fevereiro após a morte do sargento da Rota Samuel Wesley Cosmo, a polícia matou 53 pessoas. Somada com a Operação Escudo, do ano passado, a letalidade chega a 81.  

“A lógica dos esquadrões da morte se tornou uma forma cotidiana do Estado agir sobre as periferias, como contenção de qualquer possibilidade de revolta em relação à extrema desigualdade social que a gente vive no país. Esse é o centro da discussão, colocando em destaque o massacre que a gente está vivendo agora no litoral paulista”, destaca Mendonça. 

Débora Silva fundou o Movimento Independente Mães de Maio como reação a outro dos tantos massacres cometidos desde a redemocratização. Os chamados Crimes de Maio, ocorridos em 2006, não foram uma operação institucional como essa de agora, mas igualmente cometidos por agentes do Estado. Entre 12 e 19 de maio daquele ano, ao menos 429 foram mortas. Entre elas, o filho de Débora Silva. Nos dias que se seguiram, a cifra aumentou.  

“Não se trata de ‘remoer o passado’”, diz Silva, se referindo a uma fala recente do presidente Lula (PT) sobre os 60 anos do golpe, em que diz que a ditadura “já é passado” e que “é preciso tocar o país para frente”. Trata-se, ressalta ela, “de dizer que o presente não vai aceitar essa ditadura continuada”.  

Dezoito anos depois, os Crimes de Maio ainda não foram solucionados. Também por isso, serão pauta do Cordão da Mentira. “São anos permeados por um passado sombrio. Vários inquéritos foram arquivados, não teve responsabilização. E o judiciário vergonhosamente usa sua caneta para pedir o arquivamento de crimes não investigados. E assim eles nos matam de novo, quantas vezes for possível”, denuncia Débora Silva.  

"Escovar a história à contrapelo"  

“Nós nunca saímos da rua. E estaremos na rua de novo, para dizer basta”, garante militante. Para ela, “a memória é o carro chefe para nos conduzir ao pertencimento. E um país sem memória é um país que cai ladeira abaixo”.

Na visão de Pinheiro, mais conhecido como Osvaldinho, o Brasil vive um projeto de apagamento de histórias e memórias “muito bem feito, a ponto de a grande maioria da população não estar muito ciente da gravidade dos fatos. Por mais que a coisa aconteça muito perto, é como se aquilo não fizesse parte, não lhe dissesse respeito”.

Citando uma frase do filósofo Walter Benjamin, Osvaldinho diz que “é preciso escovar a história à contrapelo. No Cordão essa é a nossa tentativa. De não naturalizar que essas vidas tenham tombado por causa de um projeto excludente”.

“E fazemos isso de muitas formas. Às vezes através de uma canção, uma cena, uma performance. E não se utiliza só do drama, mas tem momentos cômicos, com uma pitada de sátira e por aí vai”, explica.

Participam da ala musical do Cordão os músicos Douglas Germano, Roberta Oliveira, Bel Borges, Renato Martins e Selito SD, entre outros. O samba enredo do Cordão da Mentira neste ano cita o genocídio palestino cometido por Israel na Faixa de Gaza, a seletividade racista do encarceramento em massa e homenageia militantes das lutas sociais brasileiras.

Edição: Matheus Alves de Almeida