Abril vermelho

Com pouco orçamento e acesso a crédito, governo 'não cumpre o que prometeu' para reforma agrária

O investimento em 2024 será o menor de todas gestões petistas; gestão Lula deve anunciar medidas nesta segunda (8)

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
“Vamos fazer mobilizações, é o que nossa base quer e precisa, porque não recebeu nada ainda nesse governo”, diz coordenador do MST - Ripper/ASA Brasil

Na tarde desta segunda-feira (8), o governo Lula deve lançar um pacote de medidas para a reforma agrária. O anúncio vem em momento em que movimentos populares do campo criticam o baixo orçamento voltado à área, as poucas famílias sendo assentadas e a falta de acesso, por parte de pequenos agricultores, a crédito e políticas públicas de fomento à produção e distribuição de alimentos.

As medidas são anunciadas pelo Planalto durante o mês tradicional de mobilizações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o chamado Abril Vermelho, que relembra anualmente o massacre de Eldorado do Carajás. O conteúdo do anúncio do governo federal deve balizar o nível de radicalidade das ações do movimento, que tem o 17 de abril como dia central da jornada. O mote deste ano é "Ocupar para o Brasil alimentar".  

"O governo, com sua burocracia, não está cumprindo com aquilo que prometeu", afirmou Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, ao Brasil de Fato Entrevista. "Nós vamos fazer luta, vamos fazer mobilizações. É isso o que a nossa base quer e precisa, porque não recebeu absolutamente nada ainda nesse governo", declarou.  

"Mais do que isso, a luta não é porque a gente acha bonito, é porque é a única linguagem que as classes dominantes do Brasil entenderam ao longo da história", afirmou Gilmar Mauro. 

Desde o início do governo Lula 3, o MST demanda o assentamento de 65 mil famílias que vivem de forma precária em acampamentos e um orçamento anual de R$2,8 bilhões para a reforma agrária. O movimento defende, ainda, que até o fim do mandato 200 mil famílias sejam assentadas.  

As reivindicações ainda não foram atendidas. Até outubro de 2023, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assentou 753 famílias. Enquanto isso, o investimento para a reforma agrária previsto na Lei Orçamentária Anual de 2024 é de R$ 659 milhões.  

Este é o menor montante previsto para a reforma agrária de todas as gestões petistas anteriores (entre 2003 e 2016), mesmo sem a correção da inflação. Durante este período, não houve nenhum ano em que o investimento na área tenha sido abaixo de R$ 2,5 bilhões. 


De 2006 a 2013, os orçamentos voltados à reforma agrária foram superiores ao valor reivindicado atualmente pelo MST / Incra

Orçamento similar ao do governo Bolsonaro 

Se no ano passado o pouco avanço no combate à concentração fundiária no país era explicado pelo governo, em parte, por ter herdado do governo Bolsonaro o pífio orçamento voltado a essa área, em 2024 o mesmo argumento não pode ser dado. 

No entanto, o dinheiro reservado para a reforma agrária em 2024 é praticamente o mesmo de 2020, o segundo ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL), marcada pela paralisação da regularização de terras para a agricultura familiar.

Membro da coordenação nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Anderson Amaro avaliou que há dois pilares que precisam avançar. "A questão do orçamento para que os pobres do campo possam produzir e, ao mesmo tempo, políticas que façam com que o alimento chegue à ponta", defendeu. 

Dificuldade de acesso a políticas de incentivo 

"Para fazer avançar a reforma agrária no país, é preciso ter o alimento como questão de prioridade nacional", disse Amaro, para quem é necessário "inverter a lógica de prioridades da política pública brasileira".

"Não é admissível que boa parte do subsídio do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] continue sendo usado para a equalização de juros de commodities. Hoje quase R$ 8 bilhões são usados do Ministério do Desenvolvimento Agrário", exemplificou Anderson Amaro.

"A Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] não tem mais estoques reguladores. Hoje não tem orçamento para fazer isso", criticou Gilmar Mauro.  

Segundo o MST, dos cerca de quatro milhões de pequenos agricultores no Brasil, apenas um milhão está conseguindo ter acesso a crédito ou inserção em políticas como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Esta foi, inclusive, uma das pautas das mulheres camponesas no último 8 de março, com protestos nas sedes do Incra e de bancos estatais. 

Para Gilmar, um dos motivos de cerca de três milhões de pequenos agricultores não terem acesso a crédito é o endividamento. De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), em fevereiro deste ano o endividamento atingia 77,9% das famílias brasileiras. 

"Aí se cria o Desenrola para alguns casos na sociedade, mas não para o campo. Sabe por que não criam o Desenrola para pequenos agricultores? Porque os grandes fazendeiros também querem para eles", avaliou Gilmar Mauro. "Mas veja a contradição. Esses pequenos agricultores – que não pegam nenhum tipo de crédito - são quem produz os alimentos desse país", completou.  

"É preciso investir em políticas de crédito associadas a um programa voltado a resolver o problema da fome e da miséria. Criando sacolões populares, cozinhas solidárias, enfim, que faça que a produção de frutas, legumes, verduras, arroz, feijão, proteínas, chegue nas cidades", defendeu o coordenador do MST. Dados de 2023 do Instituto Fome Zero apontam que cerca de 20 milhões de pessoas vivem com insegurança alimentar grave no país.  

"Nós ajudamos a eleger o governo Lula. Entendemos como o nosso governo. Agora, temos clareza de três coisas", elencou Gilmar Mauro. "Um, precisamos obter conquista para o nosso povo. Dois, para a saúde de nosso movimento, precisamos manter nossa autonomia política. Três, é óbvio que vamos apoiar o governo nos programas importantes para a sociedade brasileira. Mas é óbvio, também, que vamos bater naquilo que acharmos que não serve para o povo brasileiro".  

Edição: Matheus Alves de Almeida