Greve cresce

'Esse é o momento de fazer essa disputa': Instituto Federal de SP adere à greve nacional de servidores

Em expansão, greve de servidores federais da educação já atinge 386 unidades de ensino no país; governo convoca reunião

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Técnicos, docentes e estudantes do campus São Paulo do IFSP se reúnem no primeiro dia de adesão à greve - Gabriela Moncau

“Vamos fazer essa greve forte. Para ver se o governo presta atenção”. A fala de Nivaldo Souza, trabalhador técnico administrativo da área de manutenção do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) há 44 anos, aconteceu na manhã desta segunda-feira (8), na assembleia que marcou a entrada dos servidores da instituição, que tem 42 campi no estado, no movimento grevista do funcionalismo federal.  

Deflagrada na última quarta-feira (3) e escalando em efeito cascata, a greve por tempo indeterminado já tem adesão de servidores federais — técnicos e professores — de 386 unidades de ensino em 23 estados do país, na contagem do Sindicato Nacional dos Servidores da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe). 

As principais reivindicações são reajuste salarial variando entre 22,71% e 34,32% de acordo com a categoria, reestruturação das carreiras, revogação das normas que “prejudicam a educação federal aprovadas nos governos Temer e Bolsonaro”, reajuste dos auxílios e bolsas aos estudantes e a recomposição do orçamento voltado às unidades de ensino.  

“Os cortes orçamentários nas instituições federais não começaram no governo Bolsonaro, mas se intensificaram muito neste período e não houve nenhuma retomada”, afirmou Ana Paula Corti, professora do campus São Paulo do IFSP e integrante do Comando de Greve.

“Hoje o patamar de financiamento é muito mais baixo do que a gente tinha há 10 anos. Quem está há mais tempo vê ano a ano o seu poder de compra diminuindo e as suas condições de trabalho se degradando”, argumentou Ana Paula.  

“As condições de trabalho hoje parecem com as daquele tempo da ditadura, quando eu comecei”, afirmou Nivaldo Souza na assembleia, ao contar que chegou à instituição em 1980. “Sete anos atrás, quando houve aumento para a gente, o botijão de gás era R$65. Hoje no meu bairro eu estou pagando R$120. No ano passado o aumento foi de 9%. E pegar esses 9% e dividir pelos sete anos, não chega nem perto da inflação”, relatou, ao concluir: “Não tem outro jeito, pessoal. A gente tem que fazer greve”.  

Governo Lula convoca reunião de negociação 

Diante do crescimento da adesão à greve e da proximidade do Dia do Trabalhador, no 1º de maio, o governo Lula convocou uma reunião extraordinária da mesa de negociação salarial, que deve ocorrer na quinta-feira (11).  

Até o momento, o governo federal não cedeu às pautas dos grevistas. Estes, por sua vez, rejeitaram a proposta feita pela ministra de Gestão e Inovação, Esther Dweck, de aumentar os benefícios de auxílio-alimentação, creche e saúde neste ano e fazer um reajuste salarial de 4,5% em 2025 e 2026.  

Enquanto isso, os docentes das universidades definiram que também cruzarão os prazos a partir de 15 de abril. Os técnicos do ensino superior já estão com as atividades paradas desde 11 de março.  

Anúncio de expansão em meio à demanda por estrutura 

No saguão principal do campus da capital do IFSP, enquanto técnicos e professores repassavam informes e as próximas atividades da greve, estudantes pintavam krafts em apoio à paralisação e em defesa de maior investimento na educação pública. “Se a educação é cara, imagina a ignorância”, “Professor, te desejo o salário de um deputado e o prestígio de um jogador”, “Educação não é gasto, é investimento”, diziam alguns deles.  

Presidenta do Grêmio Livre Charlie Chaplin do IFSP e diretora da Federação Nacional dos Estudantes de Ensino Técnico (Fenet), Júlia Cristina avaliou que “no último período houve experiências muito claras de que a greve traz conquistas”. Ali mesmo, em março, os estudantes fizeram uma paralisação de 48 horas, que lhes rendeu a volta do bandejão.  

“Não dá para os servidores continuarem trabalhando na situação que estão. E estamos vendo uma força organizativa que há muito tempo não se via no nosso país”, avalia Cristina.  


Estudantes fazem oficina de faixas ao lado da assembleia de servidores no IFSP / Gabriela Moncau

“Para nós é mais do que justo, os institutos federais são para o povo pobre, tem muito estudante de baixa renda, precisamos de uma recomposição orçamentária, viver assim contando moeda como os campi vivem hoje é inadmissível”, opina.  

Carla Albuquerque, presidenta do Diretório Central dos Estudantes (DCE) do IFSP, complementa que há uma preocupação com o anúncio feito pelo governo Lula no último 12 de março de que serão construídos 100 novos institutos federais no Brasil até o fim de 2026. Hoje o país tem 682 instituições deste tipo, com cerca de 1,5 milhão de estudantes.  

“Não achamos ruim a expansão, mas a questão é: como ficam os Institutos Federais que a gente já possui? Só no estado de São Paulo, há 44 campi. Nestes, a gente consegue contar em uma mão só os que tem bandejão. Falta sala de aula, as salas são muito quentes. Falta transporte, principalmente no interior. A gente precisa de estrutura, de mais orçamento”, defende Albuquerque.  

A disputa pelo orçamento 

Ana Paula Corti comentou que não participava de uma greve tão forte desde 2011, um ano depois que começou a dar aula no IFSP. “Acho que está tomando essa dimensão agora porque de fato os serviços federais e as condições de trabalho se depauperaram demais”. 

“Por ser este um governo democrático, temos melhores condições de fazer uso do nosso direito, expressar o que a gente está vivendo dentro das instituições e reivindicar que uma parcela maior do orçamento, ao invés de pagar juros da dívida, por exemplo, seja para a educação”, apontou. 

“Disputar o orçamento da área social, da saúde e da educação, é algo fundamental. Esse é o momento de fazer isso. O outro lado, dos setores especulativos, do capital financeiro, tem obtido muitos retornos positivos no seu processo de lobby com o governo atual. Então é nosso papel também fazer essa disputa do nosso lado, porque os outros setores estão fazendo essa disputa”, avalia Corti.  

“A grande questão é que eles não precisam fazer greve, eles fazem essa disputa nos grandes jantares, nas grandes reuniões em Brasília”, descreve Ana Paula: “Nós, que somos a base da sociedade, que estamos educando o filho do trabalhador, nos resta paralisar e mostrar para a sociedade a importância de defender uma educação de qualidade”. 

Edição: Matheus Alves de Almeida