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60 anos do golpe: como foi a intervenção no Sindieletro e a perseguição aos trabalhadores

Rememorar é tecer um compromisso com a sociedade brasileira e com a democracia

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Imagem - Acervo Arquivo Nacional

Em 31 de março de 1964, Delmyr Fernandes Villela recebeu uma ligação no Sindicato dos Hidrelétricos, atual Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), alertando-o para que se resguardasse, pois um movimento dirigido por militares havia se iniciado no país e várias prisões de líderes sindicais seriam realizadas. Villela abandonou seu posto de presidente na diretoria do sindicato e se escondeu na casa do pai. Depois, tornou-se foragido da polícia política.

O líder sindical se envolveu nos mais diversos movimentos sociais do período. Tinha forte ligação com o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), do qual era vice-presidente em Minas, além de manter vínculo com o Partido Comunista Brasileiro (PCB), tendo viajado para Moscou em 1961 para participar do V Congresso Sindical Mundial. Villela foi preso em 1968, passou por tortura psicológica e teve sua vida marcada pela violência da ditadura.

Uma das justificativas usadas pelos militares para perseguir, prender e torturar opositores era a suposta relação dessas pessoas com o comunismo. No entanto, há relatos e experiências de diretores sindicais que, apesar de não possuírem vínculos partidários ou ideológicos, foram perseguidos e passaram por prisões arbitrárias. Foi o caso de Rui Diniz, trabalhador da Cia. Força e Luz, diretor sindical, preso e ameaçado diversas vezes pelos militares.

“Operação limpeza”

Como aponta o historiador Paulo Fontes, “o golpe de 1964 foi, antes de tudo e sobretudo, um golpe contra os trabalhadores e suas organizações”. Em Minas e em todo o Brasil, já nos primeiros momentos após a deposição de João Goulart, os trabalhadores e suas entidades sindicais foram diretamente atacados, dando início a uma era de repressão e contenção das lutas sociais.  As intervenções, que foram amplamente utilizadas para coagir e impedir a atuação dos sindicatos na luta por melhores condições de vida e trabalho fizeram parte da chamada “operação limpeza”.

Nessas operações, as entidades passaram a ser representadas por juntas governativas e as lideranças sindicais sofreram perseguições, sequestros e prisões arbitrárias. No Sindicato dos Hidrelétricos não foi diferente. Apenas dez dias após o golpe, a portaria 988 de 10 de abril de 1964 decretou a instauração de uma junta governativa na entidade. Em 11 de abril, os hidrelétricos sofreram a intervenção e novas eleições só ocorreram em outubro de 1965. 

A preocupação com os mundos do trabalho instituiu rapidamente mudanças na política trabalhista ainda no mandato de Castelo Branco (1964-1967), estabelecendo as principais bases de repressão à classe, por meio do arrocho salarial e das mudanças na Lei de Greve, que impossibilitaram os movimentos paredistas, importante meio de negociação da classe trabalhadora. As mudanças operaram ainda com a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que acabou com a estabilidade no emprego, gerando uma alta rotatividade de trabalhadores no país.

No marco de 60 anos do golpe militar no Brasil, é evidente para os historiadores e pesquisadores do período que a discussão em torno dos anos marcados pela violência e repressão contribui para a construção de um país mais democrático. Por isso, enfatizamos que rememorar é tecer um compromisso com a sociedade brasileira e com a democracia, em respeito à memória, à justiça e à verdade.

Victória Ferreira Cunha é mestranda no Programa de Pós Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, integrante do Laboratório de Estudos de História dos Mundos do Trabalho (LEHMT/UFRJ) e professora de História na Rede Estadual de Minas Gerais.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Leonardo Fernandes