Opinião

As ramificações de uma tragédia anunciada

Enchentes no RS mostram que, quando o meio ambiente é negligenciado e o lucro é a prioridade, todos pagam o preço

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Trecho da BR-386 totalmente destruído pela força das águas do Rio Taquari, em Lageado (RS) - AFP

Por mais que muita gente não acredite, a previsão do tempo frequentemente acerta e vale a pena ficar de olho. No final de abril, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e a MetSul Meteorologia divulgaram previsões de altos volumes de chuva e até alertas de risco de enchentes no Rio Grande do Sul. Efetivamente, no Vale do Taquari, os estragos começaram já na madrugada do dia 29 de abril, quando as precipitações atingiram 200 milímetros e duas mortes foram registradas.

Conforme o governador, "estamos vivendo um momento muito crítico. Em setembro do ano passado, tivemos uma enxurrada muito severa, mas o tempo abriu em seguida, o que nos deu condições de entrar em campo mais rapidamente. Neste momento, temos muitas dificuldades operacionais para fazer os resgates". De lá para cá, as águas tomaram a capital do estado, Porto Alegre, e diversos outros municípios.

É bastante curioso que ele reconheça que houve um momento crítico há apenas 8 meses e, de lá para cá, não tenha feito algo para evitar novas ocorrências. Pelo contrário, o governo do estado ativamente ignorou um relatório feito pela Assembleia Legislativa, pedindo medidas como maior investimento nas áreas de prevenção, na área da defesa civil e uma legislação mais rígida com a questão da preservação ambiental, por exemplo.

Além disso, em 2019, Eduardo Leite limou ou alterou 480 pontos da lei ambiental do estado, atropelando o Código Ambiental do Rio Grande do Sul. À época, Luciana Genro (Psol) disse que o RS estava "na contramão de uma onda mundial, que é de valorização e de preocupação com a causa ambiental", acrescentando que a aprovação do projeto seria "uma irresponsabilidade que terá um preço elevado".

Para Leite, o que está ocorrendo agora é apenas uma tragédia climática e considera "injusto culpar a legislação local" por uma enchente em mais de 400 municípios, com mais de 100 fatalidades e mais de 1 milhão de gaúchos afetados, sendo 230 mil desabrigados até o fechamento deste texto.

Aparentemente, este é sim o momento de politizar, apontar e culpar os responsáveis por tudo o que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Afinal, a tragédia foi anunciada e até vai além de ações internas do governo, pois envolve todo o sistema político-econômico que impera no país. Quando o meio ambiente é negligenciado e o lucro é a principal prioridade de governos, empresas e até das pessoas, todo mundo paga o preço.

Neste meio tempo, vale reforçar as ações positivas que dão um alívio, mesmo que pequeno, em situações desesperadoras. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e o Levante Popular da Juventude iniciaram prontamente a distribuição de marmitas a atingidos pelas enchentes por meio das cozinhas solidárias.

Até o governo federal tem se manifestado, com o presidente Lula (PT) afirmando que vai destacar todos os esforços necessários para reconstrução do RS, antecipando pagamento de benefícios e facilitando crédito para injetar R$ 50 bilhões no RS, anunciando novas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com R$ 1,7 bilhão para a prevenção de desastres, dentre outros movimentos que indicam atenção e presença.

As redes sociais se dividem entre notícias falsas, pedidos de resgate e depoimentos tristescampanhas para doação, enaltecimento de instituições como os Correios e o movimentos populares como o MST, momentos de alívio coletivo e informações desencontradas.

Mais uma vez, é em situações assim que a relevância e a importância do jornalismo de qualidade, que vai além da mídia hegemônica, são reforçadas. É importante criticar. É importante denunciar. É importante recomendar como ajudar. É importante estar presente e não deixar tragédias serem esquecidas e os responsáveis passarem impunes. Este é nosso papel.

Edição: Nicolau Soares