GENOCÍDIO

‘Unicamp produz conhecimento para Israel, e não queremos ser parte disso’, defendem alunos pró-Palestina

Acampados exigem fim de sigilo em contrato com universidade israelense Technion, e denunciam perseguição da reitoria

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Bandeira palestina estendida no acampamento de resistência na Unicamp - Espp Unicamp – enviado por Juliana Begiato

O acampamento em solidariedade à Palestina na Unicamp, convocado por diversas frentes estudantis unidas pelo coletivo Estudantes da Universidade Estadual de Campinas em Solidariedade a Luta do Povo Palestino (Espp Unicamp), exige que a faculdade do interior de São Paulo corte as relações que mantém com instituições acadêmicas israelenses.

“A Unicamp produz conhecimento para universidades do Estado de Israel. Nós, que somos estudantes, os funcionários e os professores precisamos saber para onde vai a nossa pesquisa. E está indo para Israel”, denuncia Juliana Begiato, estudante de Ciências Sociais da Unicamp, em entrevista a Opera Mundi, na qual saiu em defesa do acampamento de resistência e solidariedade à Palestina, iniciado no campus na terça-feira (21/05).

“Nosso objetivo de início era levantar a pauta da luta palestina, inclusive para chegar a mais pessoas, e a Unicamp ser um dos polos de resistência contra o genocídio cometido por Israel”, explicou Begiato sobre a mobilização.

Porém, as demandas do ato se estendem para questões internas da universidade e seus contratos com entidades sionistas de Israel. A estudante esclareceu um dos principais acordos que a mobilização age contra: um contrato secreto da Unicamp com o Instituto de Tecnologia de Israel, Technion.

Opera Mundi, outro aluno à frente da mobilização, Lucas Andrade, do Centro de Ciências Sociais e História, explica que o contrato entre a Unicamp e a Technion foi firmado no final de 2023. Na época, os alunos solicitaram o acesso ao documento via Lei do Acesso à Informação (LAI) e o retorno obtido da reitoria foi que o contrato estava sob sigilo.

“Cobramos novamente porque é inaceitável que um contrato assinado entre uma universidade israelense e a Unicamp seja sigiloso e eles abriram uma exceção, afirmando que só teríamos acesso se assinássemos um termo de confidencialidade. A gente sabe que isso é uma armadilha porque se tivermos acesso ao documento e sabermos que o conteúdo dele é algo que rejeitamos, evidentemente não vamos ficar calados”, disse.

Outra exigência dos alunos mobilizados, além do rompimento da universidade com instituições de Israel, é uma relação transparente da reitoria com os contratos assumidos pela Unicamp. “É inaceitável que uma instituição pública como esta siga mantendo contratos em sigilo. Sabemos que existem questões de segurança nacional e dados pessoais, mas imaginamos que este não seja o caso com a Technion. Pressionamos para que esse contrato seja exposto integralmente”, defendeu Andrade.

Reitoria da Unicamp tem histórico de perseguição contra alunos

Outra pauta defendida pelo Espp Unicamp é o fim da perseguição da reitoria contra alunos que participaram de uma manifestação no final de 2022 contra a realização de uma feira de universidades israelenses – evento que estava marcado para abril de 2023, mas que acabou cancelado dias antes da sua inauguração, devido aos protestos.

“Essa feira foi amplamente contestada. A Fepal [Federação Árabe Palestina do Brasil] enviou uma carta à reitoria, professores e estudantes manifestaram no Cônsul, que é o principal órgão deliberativo na Unicamp. Mas mesmo com inúmeras denúncias pedindo o cancelamento da feira, a reitoria decidiu manter. Assim, nos organizamos para fazer uma manifestação no dia do evento. E, depois daquele ato, a reitoria perseguiu alguns estudantes que participaram deste movimento”, denunciou Andrade, que é um desses alunos perseguidos pela administração da faculdade.

Andrade explicou que o processo de assédio da universidade contra ele e os demais alunos foi uma decorrência da convocação para prestar esclarecimentos sobre o ato contra a feira.

“Na prática, eles queriam saber quem estava organizando o ato. Sob orientação da minha advogada, eu não respondi as perguntas da reitoria, porque basicamente eles queriam me incriminar de acordo com o estatuto da Unicamp. Eles listaram alguns itens que eu supostamente teria violado durante a manifestação, para que eu me responsabilizasse por tais atitudes”, afirmou.

Questionado por Opera Mundi sobre a continuação desse processo da reitoria, Andrade respondeu que a Unicamp nunca entregou nenhum tipo de retorno, mas que a investigação contra ele segue aberta.

Mesmo perseguidos e assediados, os alunos consideram que o acampamento na Unicamp é a continuação de sua resistência contra a feira israelense, que chegou a ser cancelada pela faculdade em abril do ano passado.

“O ato contra a feira foi um marco importante para essa luta. Naquele momento o genocídio de maneira intensificada ainda não havia sido iniciado, mas dado o decorrer dos próprios acontecimentos históricos, demonstrou que estávamos do lado certo”, afirmou Andrade.

“A Unicamp não deve contribuir com quem produz, de qualquer maneira, o apartheid contra o povo palestino”, acrescentou. Andrade também explicou que, até o momento, a reitoria da Unicamp não se manifestou sobre o acampamento em solidariedade à Palestina.

Debates, doações e vendas de doces árabes

Em um plano mais amplo, o Espp Unicamp exige também o rompimento das relações do governo Federal do Brasil, sob administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com Israel.

“Lula já se colocou contra o genocídio, mas ainda tem relações com empresas isralenses, das quais compra armas que matam a juventude negra nas favelas brasileiras”, denunciou Juliana Begiato.

Os alunos também afirmam se mobilizar contra a extrema direita mundial, incluindo o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, que foi a Israel a convite do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, em março deste ano.

Após observar um movimento semelhante na Universidade de São Paulo (USP), organizar reuniões para determinar o início de um acampamento em solidariedade à Palestina e criar o Espp Unicamp, os alunos consideraram importante que a faculdade “entrasse na mesma onda mundial estudantil e mostrasse o que está acontecendo [na Palestina], levando notícias sobre um lugar do mundo que não está sendo acompanhado pela mídia brasileira com clareza”, afirmou Anas Obaid, que é jornalista, defensor dos Direitos Humanos e membro da Frente Palestina de São Paulo.

A mobilização teve início às 16h, em frente ao Ciclo Básico II da Cidade Universitária, também conhecido como “PB”. O ato de abertura contou com a participação da Frente Palestina de São Paulo, representada pelo fundador Mohamad El Kadri e por Anas Obaid, e do professor do Departamento de Antropologia da Unicamp Omar Ribeiro Thomaz.

“No fim da mesa, estendemos uma bandeira gigante da Palestina no PB”, declararam ainda os alunos, que também estão recebendo doações para as pessoas afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul e vendendo doces árabes para ajudar famílias refugiadas que atualmente vivem em Campinas.

A mobilização na Unicamp segue uma agenda de eventos educativos para os estudantes e professores que passam pelo acampamento. Na manhã desta quarta-feira (22/05), foi oferecida uma aula de antropologia e no início da noite ocorreu o lançamento de um manifesto contra a precarização do trabalho, com presenças de professores e autoridades políticas. Além disso, a agenda desta quarta encerrou-se com um cine-debate sobre o documentário israelense Tantura (2022), sobre o massacre contra o povo palestino em 1948 e a Nakba.

Já para esta quinta-feira (23/05), é esperado uma mesa de conversa com o coletivo Vozes Judaicas pela Libertação e uma reunião plenária para definir a continuação do acampamento.

O início da mobilização reuniu cerca de 75 estudantes e professores em um debate sobre a importância do movimento em solidariedade à Palestina e do levante internacional contra o genocídio.

Os alunos explicam que não há uma adesão fixa de estudantes e professores mobilizados no acampamento porque as aulas na Unicamp estão acontecendo normalmente – sendo comum, assim, que as pessoas participem de apenas algumas agendas da mobilização, tornando essa uma dificuldade para a adesão massiva.

“Mas a expectativa é que o público volte a aparecer nas outras atividades, para que assim possamos criar exatamente esses fluxos, inclusive com trabalhadores e cidadãos da cidade que não necessariamente estejam relacionados à Unicamp”, explicam.