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Porrete ‘Disciplina’: líderes religiosos viram réus por escravidão no Pará

MP do Trabalho pede que líderes religiosos de comunidade no interior do Pará paguem R$ 5 milhões em indenizações

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Bastão com a inscrição “Disciplina” era usado para aplicação de castigos físicos - Reprodução/Ministério Público do Trabalho

Crianças e jovens impedidos de frequentar a escola; cartões do Bolsa Família retidos por líderes religiosos; pessoas submetidas a trabalho forçado, sem remuneração nem direitos; castigos corporais aplicados com ripas de madeira nas quais se lia a inscrição “Disciplina”; adolescentes abusadas sexualmente “para virarem boas esposas”. 

Citando uma série de violações, o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Pará entrou com uma ação contra nove líderes da Comunidade Lucas, além de uma empresa e duas associações registradas nos nomes dos réus, acusando-os de escravizar seus seguidores. 

Localizada no município de Baião, no nordeste do estado, a seita religiosa tem sido alvo de denúncias desde seu surgimento, na década de 1990.

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Na ação, o MPT pede R$ 5 milhões em indenização por danos morais coletivos, além da regularização da situação trabalhista dos membros da comunidade, que ainda se mantém em atividade. Atualmente, cinco líderes do grupo estão presos.

“É uma situação que não só profissionalmente, mas pessoalmente, me chocou bastante” revela Tathiane Menezes do Nascimento, procuradora do MPT responsável pelo caso.

A Repórter Brasil tentou contato com os representantes dos réus, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.

Trabalho escravo era disfarçado de ‘voluntário’, diz MPT

Fundada por um pastor evangélico três décadas atrás, a Comunidade Lucas prometia uma vida comunitária, baseada na partilha de bens e na comunhão da fé, no interior do Pará. No entanto, violências físicas e psicológicas faziam parte do dia-a-dia da comunidade, segundo a ação movida pelo MPT. 

Membros trabalhavam como garçons e cozinheiros, ou na fabricação de móveis, na confecção de roupas e na produção de farinha. Ninguém recebia salário – as atividades profissionais eram classificadas como “voluntárias”, em prol de um suposto benefício coletivo.


Alojamentos improvisados onde dormiam e trabalhavam membros da comunidade que produziam roupas / Reprodução/Ministério Público do Trabalho

Ainda segundo a ação, líderes da seita retinham cartões de benefícios sociais, como bolsa-família e auxílio-pesca, além de fazer empréstimos em nome dos integrantes. Crianças e jovens eram impedidos de frequentar a escola fora da comunidade e submetidos a trabalhos forçados e doutrinações. 

Ex-membro, Levy Sousa do Rosário foi levado para Comunidade Lucas quando criança pela mãe, que ainda faz parte do grupo. Em entrevista à Repórter Brasil, ele afirma ter sido submetido a trabalhos forçados e não remunerados, dentre outros abusos. “Eu fui botado para caçar com arma de fogo desde criança”, relata. 

Segundo Rosário, instrumentos de punição, como ripas de madeira com a palavra “Disciplina”, eram usados para manter a ordem. Além disso, crianças da comunidade eram estimuladas a agredir outras, como forma de punição por eventuais descumprimentos das ordens de superiores.

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“Eles me ameaçaram muito pelo telefone. E, pessoalmente mesmo, eles botaram arma em mim”, revela Rosário, que afirma ter sido alvo de espancamentos e intimidações, depois de manifestar a vontade de deixar a Comunidade Lucas.

Ainda segundo a ação do MPT, líderes religiosos exploravam sexualmente crianças e adolescentes da comunidade, sob a justificativa de ensiná-las a “serem boas esposas”. 

As que se recusavam eram vítimas de ameaças e punidas com raspagem de cabelo. Um caderno, utilizado como prova na ação, misturava ensinamentos da Bíblia com anotações sobre práticas sexuais. 

Comunidade Lucas continua em funcionamento

Segundo a procuradora do MPT, Tathiane Menezes do Nascimento, a investigação teve início após uma denúncia envolvendo um bar controlado pelos líderes da comunidade. 

No estabelecimento, membros da comunidade eram submetidos a jornadas exaustivas e dormiam em alojamentos precários.

Denúncias levaram à prisão de cinco líderes da seita. O caso ganhou repercussão nacional em setembro de 2022 depois da veiculação de uma reportagem do telejornal “Fantástico”, da Rede Globo.


“Discrepância”: líderes da seita tinham jacuzzi em banheiro, enquanto seguidores dormiam em alojamentos precários / Reprodução/Ministério Público do Trabalho

Apesar dos processos na Justiça, a Comunidade Lucas continua em funcionamento. Retirar os moradores do local é um dos principais desafios citados pela procuradora do MPT.  “Não tem onde colocar essas pessoas. E não tem nem como convencê-las a saírem de lá.” 

Muitos dos indivíduos nasceram e cresceram dentro da comunidade, não sendo possível ter dimensão dos acometimentos denunciados. Entre alguns, não existindo sequer desejo de deixar o local.

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Processo na Justiça do Trabalho corre em paralelo à ação criminal

Na ação civil pública deste ano, o MPT pede a condenação de nove pessoas, apontadas como líderes da seita, em R$ 5 milhões, a título de dano moral coletivo, bem como a regularização de todos os direitos dos trabalhadores, incluindo pagamento de remuneração, registro na carteira de trabalho, limitação de jornada e fornecimento de instalações sanitárias adequadas. 

O processo será julgado pela Vara do Trabalho de Tucuruí (PA), em paralelo com a ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) que já resultou na condenação criminal de cinco líderes religiosos.