Implementação de via singela, remoção de famílias e aumento da tarifa. Nos últimos dias, a população de Belo Horizonte e da região metropolitana tem lidado com inúmeros desafios relacionados ao sistema metroviário.
Na semana passada, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade de Minas Gerais (Seinfra) aprovou, de forma preliminar, um novo projeto para a linha 2 do metrô. A proposta, que inclui a construção de uma via singela nos últimos 2 quilômetros do trajeto, entre as estações Ferrugem e Barreiro, recebe críticas de diversos setores.
A linha singela, ou linha simples, é quando apenas uma linha férrea liga os pátios de cruzamento. Ou seja, os trens circulam nos dois sentidos em momentos alternados, o que faz com que um trem precise esperar o outro completar o trecho para poder continuar o trajeto.
De acordo com a Metrô BH, responsável pela administração do serviço, essa mudança visa cumprir as premissas de desempenho operacional estabelecidas no contrato de concessão. No entanto, Daniel Carvalho, diretor do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro/MG), alerta que os usuários vão perder em conforto e amplitude de horários.
“Pode criar um ambiente de uma operação caótica, onde teremos a redução de oferta de trens e o aumento do intervalo de viagem. Com isso, o nosso usuário perde muito em conforto e também na amplitude de horários e disponibilidade do metrô de BH”, explica.
Para ele, o cenário, além de ficar mais complexo, será estressante para os trabalhadores que estarão envolvidos na operação do sistema.
Lucro x Qualidade
A deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) acredita que a implementação da via é uma forma de o governo de Romeu Zema (Novo) facilitar a vida de empresários.
“Se esse metrô tiver uma pane, parou todo o sistema. Se tiver um acidente, ‘ferrou’ toda a situação. Se a gente tiver um atraso nas viagens, isso compromete todo o acesso da população. A via simples é um absurdo e o governo Zema não está preocupado com a mobilidade, porque, se estivesse, jamais autorizaria um absurdo como esse”, critica.
Segundo ela, a empresa já está lucrando, porque recebeu recursos, fez aplicações financeiras, e ainda não iniciou as obras.
A Seinfra informou que a concessionária não lucrará com a solução que apresentou e, portanto, o estado será desonerado em valor a ser definido. Daniel Carvalho argumenta que a falta de dados concretos do valor a ser economizado é um problema.
“O sindicato defende a democratização da mobilidade urbana metroviária. Nós entendemos que, pelo aporte financeiro que a Metrô BH recebeu tanto do governo federal, quanto do governo estadual, a empresa tem a obrigação de levar o metrô de Belo Horizonte até o Barreiro por meio de um sistema carrossel, nos moldes que funciona hoje a linha principal”, pontua.
Privatização
O metrô da capital mineira foi leiloado por pouco mais de R$ 25,7 milhões, mesmo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) avaliando a antiga Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) em R$ 900 milhões. A negociação ocorreu mediada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e pelo governador Romeu Zema.
A antiga gestão do governo federal concedeu subsídio à empresa de R$ 2,8 bilhões e o governo mineiro ofereceu R$ 428 milhões para a realização das obras.
Falta diálogo
Outro impasse é vivido por moradores dos bairros Gameleira, Nova Gameleira, Nova Cintra, Betânia, Vista Alegre e no Barreiro, todos na região oeste da capital mineira.
Desde setembro do ano passado, mais de 300 famílias têm vivido a incerteza sobre onde vão morar, pois a empresa anunciou que essas pessoas teriam que ser removidas de suas casas para construção da linha 2 do metrô.
A Metrô BH começou o processo adesivando os portões das residências, que teriam que dar lugar à linha férrea. Desde então, um pedaço de papel enumerado é motivo de angústia para vários moradores, como é o caso de Poliane Cristina Furtado, que vive em uma das áreas delimitadas no bairro Nova Gameleira.
“A falta de diálogo com eles é uma coisa inexplicável. Estamos em busca de respostas. Vivemos uma incerteza muito grande. Desde o dia que fizemos o cadastro com a empresa, aguardamos para saber se vamos ser removidos, para onde vamos e como vão ser as negociações”, aponta a moradora.
Bella Gonçalves reforça que não houve diálogo consistente com as famílias a fim de apresentar o traçado do metrô e uma justificativa sobre a real necessidade de remoção. Segundo ela, também não houve a possibilidade de contrapor laudos técnicos e discutir valores de indenização.
“Como a comunidade está lá há muitos anos, elas deveriam receber não apenas pelo material investido na construção das casas, mas também pela posse, que fosse garantida uma outra moradia próxima àquele local. Aliás, é isso o que preconiza a legislação federal, as resoluções do STF, a compreensão do direito à moradia e de reassentamento digno no município de Belo Horizonte”, aponta a parlamentar.
Incerteza
Nesse cotidiano de incerteza e falta de diálogo, os moradores reclamam ainda que a empresa tem barrado qualquer tipo de obra ou benfeitoria nas casas. Caso aconteça, segundo Poliane, o valor não será ressarcido. Além disso, ela contou que nenhum outro membro pode ser incluído no cadastro familiar.
“Dentro de um ano as vidas das pessoas se transformam muito, tem várias pessoas que tiveram filhos que estão recém-nascidos dentro de casa, outras que parentes vieram morar, outros que parentes foram embora. Essa incerteza também é uma coisa muito grave que a gente está vivendo”, lamenta a moradora.
Ela acrescenta que os moradores não são contra a passagem do metrô, que consideram um benefício para todos na região oeste, mas o grande problema está na falta de diálogo da empresa com as comunidades.
Na semana passada, dezenas de moradores se manifestaram em frente à empresa, no bairro Floresta, pedindo respostas. Uma audiência pública está marcada para o próximo dia 18, na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), para discutir o caso. Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), outra audiência está marcada para a próxima segunda-feira (15), às 16h, na Comissão de Assuntos Municipais.
Outro lado
Procurada pela reportagem, a Metrô BH respondeu, em nota, que o contrato de concessão rege que sejam adotadas medidas necessárias e compatíveis com a operação da via permanente entre as Estações Ferrugem e Barreiro, em comum acordo com a atual permissionária do trecho, a MRS Logística. As empresas acordaram que a implantação técnica ferroviária mais adequada é a via singela.
Em relação às famílias, a concessionária informou que ainda não está na fase de desocupações, embora já tenha realizado o mapeamento da área, a selagem das casas e traçado o perfil socioeconômico das famílias.
Também perguntamos sobre a possibilidade da via singela ocasionar uma redução no número de viagens, visto que o fluxo inteiro seria obrigatoriamente orientado pela chegada e saída do trem à estação Barreiro, mas a empresa não respondeu ao questionamento.
A reportagem procurou o governo de Minas para responder às indagações, mas, até o momento de publicação, não obteve resposta. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Ana Carolina Vasconcelos