O artista visual gaúcho Amaro Abreu é um cidadão do mundo. A sua arte já está espalhada. De Moscou ao Oriente Médio, da Índia ao México, de Porto Alegre à outras partes do Brasil, de vários países latinos à Europa e a tantos outros lugares. Ele não tem limites na sua criatividade grafiteira. É nobre e mensageiro nas propostas. Desenvolve ações sociais com diferentes tipos de públicos.
Com 35 anos, 15 de andanças com seu espírito andarilho e eclético, acaba de lançar mais um trabalho, agora um livro, criado durante a pandemia do Coronavírus. Ele se recolheu em Belém Novo, Porto Alegre, na casa dos seus pais para escrever a sua obra, assim como (quase) toda a humanidade ficou encerrada nos seus labirintos. A obra é “O Islã e a Maçã”, da Pubblicato Editora, e tem 209 páginas.
O livro é resultado de quatro meses de viagem, estudos, atividades artísticas, pinturas, palestras e oficinas no Egito, Líbano, Síria e Índia. Nestes países, viu realidades brutais, um mundo à parte do nosso mundo. Visitou e fez ações em campos de refugiados de palestinos, como o de Nahral-Bared, na fronteira Síria/Líbano, e observou realidades conflitantes. “O mais triste de tudo é que tem gente que vive por lá há 70 anos ou mais. Estão lá desde a criação do Estado de Israel em 1948 e foram jogadas para uma vida indigna, difícil de ser descrita. Nasceram e morreram por lá. As crianças palestinas não têm noção do que é a sua pátria, o seu berço, o seu futuro.”
O livro de Amaro não é um diário de viagem. São relatos de experiências, percepções e reflexões nesta jornada que durou quatro meses. Voltou durante o ano de 2019 e logo a seguir a covid-19 deixou o mundo inseguro, incerto e atrapalhado. “O livro é a soma de tudo. Sou eu diante de diferentes realidades pessoais, políticas e religiosas que presenciei. Demorei quase três anos para escrever, pesquisar e refletir.”
O posfácio, escrito pela jornalista e mãe de Amaro, Rosina Duarte, revela bem o que é o livro do filho: “…ele nos oferece a tentadora maçã do desconhecido, acrescentando seu conhecimento contado de forma coloquial, humilde, observadora, meditativa, quase perplexa. Apresenta-se como um viajante em busca de pontes com a cultura islâmica, distorcida pelos nossos parcos saberes ocidentais. Ele reflete o tempo inteiro, inclusive, sobre a hermética realidade feminina dos países árabes, escondida por debaixo dos véus e das burcas. É um homem vindo do outro lado do planeta que não compreende, admite não compreender e, de forma quase instintiva, solicita, em contraponto, o olhar de quatro mulheres a quem admira: a fotógrafa Nair Benedicto, a poeta egípcia Amar Al Qady e as jornalistas Lelei Teixeira e Eliane Brum. Além delas, inclui a mim, sua mãe.”
Bem isso. Rosina. Uma avaliação similar a de quem lê o livro. Editora do jornal Boca de Rua, já com 24 anos, bem feito, bons textos e diagramado com qualidade – ali há notícias do pessoal da resistência, sobre o povo da rua e suas mazelas. Os jornais são vendidos por aí, nas ruas, sempre por adultos. Na capa tem a advertência: "Não compre de crianças e adolescentes". Rosina e Luiz Abreu, um fotógrafo de extrema sensibilidade, são os pais de Amaro. Ele é filho único e está solteiro. Fez sua formação acadêmica na Faculdade de Artes Visuais da Ulbra e gosta de arte urbana, onde atua desde 2006 sempre focado nos dramas sociais.
Amaro já participou de eventos em São Paulo, Rio, Santa Catarina e Rio Grande do Sul / Foto: Arquivo Pessoal
Histórico
Amaro já participou de eventos em São Paulo, Rio, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No início de 2014, percorreu o continente sul-americano, passando por Paraguai, Uruguai, Argentina, Bolívia, Peru e Chile, pintando em alguns países. No final do mesmo ano, foi à França e à Alemanha, onde realizou diversos painéis, dentre eles no histórico muro de Berlim.
Antes de “O Islã e a Maçã”, Amaro publicou “Habitat”, pela Editora Libretos, com rascunhos, grafites e fotos de sua arte urbana. Traz também reflexões sobre sua percepção do mundo. Escreve ele: "Desde onde minha memória consegue alcançar, me lembro da conexão com as imagens. O tempo e as dúvidas nem sempre andam na mesma direção, mas acabei descobrindo o desenho como forma de me desenvolver. No momento em que percebi isso, me deparei com o céu, um penhasco e um grande caminho pela frente. Caminho percorrido com paciência, persistência e dedicação."
Amaro prepara novos voos. Breve deve ir para a Holanda / Foto: Arquivo Pessoal
Em 2023, Amaro passou por outro grande desafio na sua carreira. Participou da Artmossphere Biennale em Moscou, na Rússia, um dos grandes eventos internacionais de arte, tendo entre os jurados pessoas dos grandes museus globais, incluindo o Museu de Arte Moderna (Momma) de Nova York. Foi o único do Brasil que lá esteve, selecionado pelos dirigentes da Biennale. No seu trabalho, expressões de um planeta imaginário onde a evolução dos seres os levou a convivência plena com a natureza. “Neste universo mora o sonho mais antigo e irrealizado da humanidade: o convívio sereno entre as espécies”, afirmou ele em entrevista para o Extraclasse por ocasião do evento.
Ele realizou várias exposições individuais utilizando aquarela e nanquim. Em sua trajetória pelo mundo, já executou pinturas no velho muro de Berlim, derrubado em 1989, e na cidade francesa de Nanterre – onde aconteceram manifestações estudantis em maio de 1968 de grande influência global.
Passou uma temporada no México, onde conheceu o grafiteiro Duek Glez, com quem assinou uma obra classificada entre as melhores do mundo, em 2016, pela agência norte-americana Support Street Art. O artista também colocou o Brasil entre os destaques internacionais de arte urbana, com a criação de El Sonido Gris, selecionado como uma das melhores ilustrações da América Latina. O trabalho foi publicado no livro Colores latinos, produzido pela Faculdade de Desenho e Comunicação de Palermo (Buenos Aires, Argentina).
Morando em São Paulo e passando longos períodos em Porto Alegre, realizando trabalhos e divulgando o seu último livro, Amaro prepara novos voos. Breve deve ir para a Holanda, onde realizará, com Bárbara Arise, trabalhos sobre causas indígenas. Mais um passo na expansão do seu trabalho. Como diz a sua mãe Rosina, “O nome Amaro vem do idioma quíchua peruano – Amaru, uma serpente mítica capaz de refletir a luz, de produzir sabedoria, de incitar revoluções e de transitar entre o mundo real e o mundo mágico.”