A disputa pela proteção do principal cartão-postal de Belo Horizonte (MG) ganhou novos contornos na última semana, após o governo de Romeu Zema (Novo) autorizar a mineradora Fleurs Global a voltar a operar na região da Serra do Curral pelos próximos seis anos.
Ambientalistas afirmam que a concessão do licenciamento é irregular e, entre outros impactos, ameaça a segurança hídrica da capital mineira e dos municípios da região metropolitana.
Ao todo, a empresa coleciona 17 acusações de crime ambiental. Mesmo assim, fruto da aprovação do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), a autorização, que é de classificação 6 e permite a mineradora atingir o nível mais alto da escala do governo de potencial poluidor, foi publicada no Diário Oficial da última sexta-feira (2).
Impactos
Além de ser símbolo da capital mineira, demarcando a identidade geográfica, política e histórica do município, a Serra do Curral é uma das últimas áreas de recarga hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Marcelo Barbosa, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), comenta que os municípios da RMBH já convivem com o risco de desabastecimento, em função da atividade de empreendimentos minerários.
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"A bacia do Rio das Velhas, responsável por boa parte da captação de água que atende à RMBH, já está toda cercada por barragens de rejeito de mineração e pela própria atividade minerária. É muito preocupante, porque, se acontece algum crime-desastre, pode comprometer todo o abastecimento", comenta.
"Além disso, caso aconteça qualquer situação emergencial, a Serra do Curral é uma das últimas áreas onde podemos recorrer. O que as mineradoras estão fazendo é destruir essa última área de recarga hídrica. A Fleurs tem um histórico de manobras judiciais para se manter atuando ali", enfatiza Marcelo.
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A Fleurs Global opera na Serra do Curral há anos, por meio de Termo de Ajustamento de Conduta (TACs), ou seja, sem licenciamento. Agora, a autorização concedida pelo governo prevê atividades de tratamento e beneficiamento de minerais, gestão de rejeitos e abastecimento de combustíveis.
Sem participar da definição, a Prefeitura de Belo Horizonte disse que vai acionar a Justiça pela suspensão da licença.
Zema governa para as mineradoras
Para a doutora em geografia Carla Wstane, que faz parte do Projeto Manuelzão, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a concessão da licença é equivocada e é um reflexo da política ambiental de Romeu Zema, que prioriza os interesses das mineradoras, ao invés de proteger o patrimônio da população de Minas Gerais.
"Desde o início, Zema faz a opção política pela atividade minerária, pela degradação da Serra do Curral, que é um patrimônio único. A Serra do Curral é um patrimônio histórico, artístico e cultural, que tem uma biodiversidade imensa e um potencial hídrico muito significativo, que alimenta o Rio das Velhas", enfatiza.
Desde o seu primeiro mandato, o governador é criticado por ambientalistas por facilitar a atuação das mineradoras no estado, por meio da flexibilização da legislação, do desmonte e aparelhamento dos órgãos de controle, e da concessão de autorizações provisórias.
A pesquisadora do Departamento de Ciência Política da UFMG Esther Maria argumenta que o governo Zema inaugurou um novo ciclo no estado, que tem na mineração a base de seu projeto econômico. Porém, na avaliação dela, esses empreendimentos pouco contribuem na realidade para o desenvolvimento de Minas Gerais.
"A mineração tem uma série de características que geram impactos e não produz retorno para as comunidades. Por mais que se fale em mineração 'sustentável' e 'verde", a mineração não deixa de ser uma atividade com alto impacto ambiental, porque ocupa vastas extensões de terra e utiliza muita água para processamento e transporte dos minerais extraídos", comenta.
"O governo Zema permite muito pouca participação popular nos momentos de debates e decisões sobre a mineração. Existem formas de boicote aos mecanismos de participação. Por isso, o Copam consegue aprovar projetos como esses", complementa Esther.
A pesquisadora ainda avalia que a concessão da licença à Fleurs pode abrir precedentes para o avanço de outros empreendimentos na região.
"Até agora, as atividades que já existiam na Serra do Curral, que foram objetos de muitos protestos dos movimentos de proteção ambiental, vinham acontecendo de forma ilegal ou com a utilização de instrumentos que servem para atropelar os processos de licenciamento, como os TACs. Agora, pela primeira vez, existe uma autorização expressa", enfatiza Esther Maria.
Copam aparelhado
A concessão da licença foi determinada após votação durante a 13ª Reunião Ordinária da Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Copam. Na reunião, apenas um conselheiro votou de forma contrária ao pedido da mineradora. Marcelo Barbosa avalia que o conselho foi aparelhado por representantes dos interesses minerários.
"A gente precisa urgentemente discutir a composição do Copam, porque ele tem atendido aos interesses das empresas. Não tem quase nenhuma representação da sociedade civil, dos movimentos sociais e de ambientalistas. Mas tem forte representação dos setores interessados na atividade minerária. Daí, o conselho tem votado a favor dos interesses da mineração, mesmo diante de alertas técnicos", explica.
O outro lado
Segundo a Fleurs, foram realizados diversos estudos "a fim de verificar a regularidade da empresa e atestar sua licitude e seu compromisso em realizar um desenvolvimento sustentável".
Já o governo de Minas Gerais destaca que a licença concedida é apenas para o tratamento de minério, sendo proibida a extração mineral, e que o Copam estabeleceu mais de 30 condicionantes para a atuação da empresa.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Elis Almeida