Moradores de São Joaquim de Bicas, Brumadinho, Ouro Preto, Mariana, Conceição do Mato Dentro e comunidades do Vale do Jequitinhonha e do Norte de Minas denunciam ameaças e agressões relacionadas à atividade minerária. As denúncias foram apresentadas durante uma audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na terça-feira (20). O encontro foi solicitado pelos deputados petistas Leninha, Doutor Jean Freire e Leleco Pimentel.
Frei Rodrigo Péret, da Rede Igrejas e Mineração, descreveu a situação como uma “arquitetura de impunidade” em torno do setor minerário. Ele criticou os acordos de reparação firmados após os rompimentos de barragens em Brumadinho e Mariana, alegando que esses acordos acabam revitimizando os atingidos.
“Esses acordos colocam a empresa dentro do território, controlando a cena do crime”, afirmou Péret.
Valéria Carneiro, liderança do Assentamento Pastorinhas, em Brumadinho, reforçou as críticas ao modelo de reparação adotado pela Vale. Segundo ela, o rompimento da barragem permitiu à mineradora expandir sua presença em territórios estratégicos.
"A reparação é muito mais danosa do que o crime em si. O crime tem dia e hora para terminar. A reparação abre o nosso território para a mineração”, denunciou.
Valéria acredita que se estabeleceu uma “indústria da reparação”.
Impactos na saúde da população
Moradores também relataram graves impactos na saúde, especialmente doenças de pele e respiratórias, após a entrada das mineradoras nas áreas atingidas. Simone da Silva, da comunidade quilombola de Gesteira, em Barra Longa, relatou que sua filha desenvolveu sintomas alérgicos relacionados à lama deixada pelo desastre. “Nossas crianças estão contaminadas e adoecidas”, afirmou.
Henrique de Oliveira, da Aldeia Naôxohã, em Paraopeba, compartilhou experiência semelhante.
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“Meu filho de 3 anos tem o corpo todo marcado por feridas. Quando o levamos para os médicos da Vale, dizem que é só uma coceira sem relação com a contaminação”, relatou.
A situação na comunidade Piauí Poço Dantas, em Itinga, também foi mencionada. Djalma Gonçalves, do Povo Aranã Caboclo, relatou problemas respiratórios provocados pela extração de lítio e pela poeira que paira na região.
Perseguições e ameaças
Cláudia Saraiva, liderança da comunidade Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, denunciou perseguições por parte da Vale após sua casa ser desapropriada para a construção de uma estação de captação de água.
“Fui perseguida por denunciar as injustiças da Vale”, contou.
Ela também denunciou a infiltração de pessoas pelas mineradoras dentro das comunidades para vigiar e intimidar os opositores da mineração.
“Fui coagida no meu emprego e abandonei 32 anos de concurso público para que eu pudesse viver”, relatou.
O cacique William de Souza, da etnia Pataxó, em São Joaquim de Bicas, corroborou o relato de coerção: “Eles entram dentro da comunidade e colocam os parentes uns contra os outros”.
Ele enfrenta um processo judicial aberto pela Vale por tentar impedir a construção de uma estrada em seu território.
Carlos José da Silva, cacique da Aldeia Arapowã Kakya Xucuru Kariri, em Brumadinho, denunciou a intimidação por parte da mineradora.
“A mineradora nos intimidou com caçambas de barro e mais de 30 jagunços impedindo o acesso à comunidade”, relatou.
Segundo ele, a Vale alega ser dona do território, mas a comunidade continua resistindo.
Críticas ao sistema judiciário
Matheus Leite, advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (Ngolo), criticou a atuação das instituições de justiça brasileiras, apontando que elas mantêm uma relação próxima com as mineradoras, o que perpetua a impunidade.
“É uma vergonha, mas os atingidos precisam buscar justiça nos tribunais internacionais. Nós não podemos contar com o Poder Judiciário que existe no país”, declarou.
Jonas Vaz Leandro Leal, servidor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ressaltou a importância de levar as denúncias ao conhecimento dos promotores locais. Ele também destacou a existência de mecanismos internos no MPMG, como a Ouvidoria, que pode ser acionada quando a promotoria não atua de forma adequada.
Ao fim da audiência, o deputado Leleco Pimentel (PL) anunciou que a comissão encaminhará requerimentos, entre eles, um pedido de proteção para todas as pessoas que participaram da reunião em função das denúncias feitas.
Com informações da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.