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Documentário revela 'intelectual e ser humano extraordinário' que foi Antonio Cândido, diz diretor Eduardo Escorel

Longa estreia nesta quinta (26) com registros inéditos de diário escrito pelo sociólogo nos dois últimas anos de vida

Ouça o áudio:

Antonio Cândido faleceu em 2017, aos 98 anos - Arquivo Pessoal
Me parece que nós temos poucos seres humanos e intelectuais à altura dele

Estreia nesta quinta-feira (26) o documentário Antonio Cândido, Anotações Finais, de Eduardo Escorel, com narração de Matheus Nachtergaele. O longa foi construído a partir de diários escritos pelo sociólogo e crítico literário nos últimos momentos de vida, entre 2015 e 2017, quando chegou a completar 98 anos.

"O ineditismo desses cadernos me atraiu muito. E eu tive a autorização das três filhas dele para ler esses cadernos que ninguém tinha lido. Os cadernos que ele deixou, a grande maioria, até hoje ninguém leu, tem uma parte que uma das filhas leu", revela Escorel, em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (25). 

Os escritos de Cândido são interpretados por Nachtergaele, enquanto imagens preenchem o documentário dando contexto às ideias e interpretações de notícias que atingiam o Brasil naquele momento, como o golpe sofrido por Dilma Rousseff, iniciado em 2015 com a abertura do processo de impeachment por Eduardo Cunha (Republicanos-RJ).

"E, no fundo, eu tenho a impressão de que, talvez, o filme possa revelar o ser humano extraordinário e intelectual que ele foi, para não dizer único, como poucos no Brasil. Me parece que nós temos poucos seres humanos e intelectuais à altura dele", defende Escorel, que atua no cinema há décadas, principalmente como montador, tendo participado de clássicos nacionais como Terra em Transe, de Glauber Rocha, e Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade.

Nascido no Rio de Janeiro, em 1918, Antonio Cândido se tornou um dos mais célebres sociólogo e crítico literário do país, conquistando o título de professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), além de doutor honoris causa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade da República do Uruguai. 

Cândido esteve na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) na década de 1980, e seguiu próximo à sigla durante momento decisivos, como a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, e também de Dilma, em 2010. 

Em um dos escritos, divulgados no filme, abalado pelo avanço do impeachment contra Dilma e a pressão contra PT e Lula, Cândido escreve: 

"Chego a pensar que tanto o partido, quanto sua principal figura já cumpriram a missão histórica que lhes coube, ao tirar da pobreza absoluta a quantidade de brasileiros que tiraram." 

"Por isso, penso e digo que Lula não deve ser avaliado do ponto de visto político ecônomico nem ético, mas do ponto de vista histórico, como o homem que presidiu aquela missão que atenuou sensivelmente a situação de iniquidade econômica e social, que é a vergonha do Brasil."

Outro ponto que Cândido dedicou muito dos seus escritos no final da vida foi sobre o racismo no Brasil.

"Nunca chegamos a avaliar corretamente que no Brasil o alvo de luta social, antes de mais nada, é o negro, o grande excluído até hoje. Esquecemos que no Brasil, o trabalhador durante séculos foi o escravo, e que a solução obnubilada foi, depois da abolição, descartá-lo ao invés de incorporá-lo. Esse é o drama social fundamental que deveria ter sido a mola de um socialismo ajustado à nossa sociedade", escreveu o intelectual em 2015.


Em 1966, Escorel dirigiu o documentário Bethânia Bem de Perto - A Propósito de um Show / Foto: Eliane Coster

Escorel comenta que este tema começou a ser tratado com mais atenção por Cândido na fase final de sua vida. 

"Eu tenho a impressão de que ela [a questão do racismo] foi se tornando mais importante à medida que ele foi crescendo, ficando mais idoso, a compreensão dessa chaga que marca a formação do Brasil e que permanece. E o fato de ele voltar a isso, e isso estar tão presente nesses dois últimos cadernos, é muito significativo." 

Confira a entrevista na íntegra 

Como foi o seu primeiro contato com estes registros de diários deixados por Antonio Cândido?

Tudo começou com a leitura especialmente de um texto, que não está nos dois cadernos que estão no filme. É um texto que foi escrito em 1997 chamado Pranto dos Livros, em que o narrador imagina que ele está já morto dentro do caixão e que os seus livros estão chorando por ele, chorando a morte dele.  

Quando eu li esse texto, o impacto foi muito grande e, com o falecimento de Antonio Cândido, em maio de 2017, eu pensei na possibilidade de fazer uma narrativa parecida com o relato de um morto.  

Não usar entrevistas de outras pessoas, não ter uma narração falando dele, ser a voz do próprio Antonio Cândido. 

Isso me pareceu uma opção interessante, estimulante, um desafio em termos de filme, porque é muito diferente do documentário biográfico usual, em que você entrevista pessoas, todas elogiam muito o falecido, no caso, se for um falecido.  

E, no caso do Antonio Cândido, ainda por cima, existe na internet uma quantidade enorme de entrevistas, aulas, conferências, não faltam registros dele falando e eu não acharia nesse momento, especialmente, tão interessante. 

O ineditismo desses cadernos também me atraiu muito. E eu tive a autorização das três filhas dele para ler esses cadernos que ninguém tinha lido. Os cadernos que ele deixou, a grande maioria, até hoje ninguém leu, tem uma parte que uma das filhas leu. 

Um tema que percorre o filme inteiro são as reflexões dele sobre a iminência da morte. E a maneira como ele pensa nessa inevitabilidade, digamos assim, que se aproxima. 

Há uma relação com Memória Póstuma de Brás Cubas, de Machado de Assis, né?

Sem dúvida, o documentário é tributário de Memórias Póstumas, de Machado de Assis. Mas, na verdade, primordialmente, o documentário é tributário do próprio texto do Antonio Cândido, ao qual eu me referi, o Pranto dos Livros. 

Mas, evidentemente, tem uma relação direta com Memórias Póstumas, de Machado de Assis. 

Algo que chama a atenção é a lucidez que ele escreve aos 98 anos, certo?

Olha, acho que a lucidez transparece de uma maneira muito flagrante, a memória dele transparece de uma maneira muito flagrante – a memória dele, eu diria, que era melhor que a minha.  

E a própria letra dele no caderno, que, só no final, eu acho que praticamente na última notação, de meados de abril de 2017, poucas semanas antes dele morrer, é que você percebe a letra mais trêmula. 

Mas, do final de 2015 até lá, esse ano e meio, ele escreve no caderno com a letra impressionante, em termos de firmeza.  

E, no fundo, eu tenho a impressão de que, talvez, o filme possa revelar o ser humano extraordinário e intelectual que ele foi, para não dizer único, como poucos no Brasil. Me parece que nós temos poucos seres humanos e intelectuais à altura dele.  

Outro ponto que chama a atenção é a dedicação que ele dá ao tema do racimos nestes registros finais.

Essa questão é crucial do pensamento dele. Eu tenho a impressão de que ela foi se tornando mais importante à medida que ele foi crescendo, ficando mais idoso, a compreensão dessa chaga que marca a formação do Brasil e que permanece. 

E o fato de ele voltar a isso, e isso estar tão presente nesses dois últimos cadernos é muito significativo. Ele coloca essa questão como uma questão central do Brasil. 

No final do filme, aparece um depoimento de Cândido a respeito de uma reflexão entre liberdade e igualdade. De certa forma, ele está antevendo o combate a ideias bolsonaristas, que, na época dele, ainda estavam começando a se disseminar.

Quando ele faz esse paralelo entre liberdade e igualdade, é uma reflexão que não deixa de ser polêmica e provocativa, propositalmente. Está no final do filme com uma espécie, assim, de síntese do pensamento dele.  

Ele faz uma reafirmação das convicções socialistas dele e aí faz essa reflexão sobre ser preciso escolher – e de maneira geral, a história mostra que, em muitos momentos, é preciso optar – entre igualdade e liberdade. Ele faz a escolha dele e defende a escolha dele. 

Sem querer dar spoiler, mas acredito que, para o espectador, será muito gratificante, depois de uma hora e meia, praticamente, de um filme em que há apenas uma voz. 

Ainda que essa narração tenha sido feita maravilhosamente bem, pelo Matheus Nachtergaele, que é um elemento decisivo desse filme. 

Não há quem veja o filme e que não fale da qualidade da narração feita pelo Matheus. 

A narração é sempre um problema em documentário, se você erra a voz, o tom da voz, o narrador, você pode liquidar, realmente liquidar um filme. 

É curioso porque o Matheus foi o único que me ocorreu chamar, foi o primeiro e único que aceitou e foi maravilhoso. 

Muitas vezes a gravação da narração de um documentário é uma coisa muito sofrida, porque é demorada, mesmo grandes atores, grandes narradores, podem ter dificuldade com o texto, têm que repetir, demora... E, no caso do Matheus, foi assim, um passeio no parque. Nós gravamos em duas sessões únicas com uma terceira para corrigir um erro, que foi um erro meu. 


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Edição: Martina Medina