Francisco Marcos Lima Barros, acusado de ser um dos intermediários no assassinato do ativista Zé Maria do Tomé, foi condenado a 16 anos de prisão em julgamento realizado no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, nesta quarta-feira (9). A sentença foi confirmada após 11 horas de júri.
O Conselho de Sentença composto por sete jurados reconheceu que o acusado auxiliou o executor do crime, facilitando a emboscada que resultou na morte de Zé Maria, atingido por 25 disparos. O julgamento começou por volta das 9h da manhã e se encerrou às 20h50.
De acordo informações divulgadas pelo Tribunal de Justiça do Ceará, o réu Francisco Marcos Lima foi condenado por homicídio qualificado, considerando o motivo torpe, o meio cruel e o recurso que dificultou a defesa da vítima utilizado no assassinato.
Durante todo o dia, movimentos populares, sindicatos e defensores dos direitos humanos realizaram uma vigília na frente do Fórum acompanhando e aguardando o resultado do julgamento. Reginaldo Ferreira de Araújo, ativista do Movimento 21, foi um dos participantes do ato. Ele falou sobre o sentimento com o resultado do júri. “Nós não podemos dizer que estamos felizes, mas satisfeitos com o julgamento, porque uma situação dessa não é felicidade, mas sim um processo de vitória para nós dos movimentos sociais que lutamos pelo legado de Zé Maria, por um ambiente saudável, sem veneno e sem grilagem de terra na Chapada do Apodi. A gente entende que o julgamento sentenciou o que há muito tempo vínhamos dizendo: que a morte de Zé Maria tinha sido um crime bárbaro para tentar inibir as pessoas que lutavam contra a pulverização aérea e também contra a grilagem de terra”, disse.
Mesmo com a sensação de justiça sendo feita, Reginaldo ressalta que ainda há passos pela frente. “É claro que a vitória não veio completa, ainda faltam os mandantes. A gente precisa saber e tirar os mandantes da sociedade e fazê-los irem para a cadeia, como foi ontem com o réu que foi condenado. Agora que temos a certeza do reconhecimento da justiça diante do crime de Zé Maria do Tomé, já é um primeiro passo para a vitória maior, que é colocar os mandantes na cadeia”.
Márcia Xavier, filha de Zé Maria afirma que “o sentimento é de gratidão. É uma sensação de alma lavada por ter conseguido chegar aonde nós chegamos, ter colocado o acusado no banco dos réus e vermos que teve justiça e que ele vai pagar a pena de acordo com a sua participação no crime. Nós, enquanto família, enquanto movimento, ainda não sentamos nem com o grupo do Movimento 21, tampouco com os advogados assistentes. Mas a ideia é ver se existe a possibilidade de reabrir o processo, pois o nosso interesse é chegar aos mandantes, para que essa resposta seja sanada, para que seja respondido ‘quem foi que mandou matar Zé Maria?’. Agora o Marcos vai responder por ter participado no crime, ele articulou, ele deu apoio, suporte ao pistoleiro, mas teve uma pessoa por trás, teve um mandante. Nós queremos realmente sentar o mandante no banco dos réus para que ele também passe pelo júri popular”.
“Eu acho que é um sentimento de alívio, de ver essa responsabilização pelo crime, pelo menos em relação ao Marcos, acontecendo. É uma resposta para a família e também serve de resposta para a sociedade como um todo. O Brasil é um dos países que mais mata defensores de direitos humanos e ambientalistas, então é uma resposta do judiciário de que esse tipo crime não será tolerado. A gente ainda tem esperança de que a responsabilização recaia também sobre os mandantes e a gente vai continuar atuando para isso, continuar repercutindo o caso, não vamos deixar a memória dele ser esquecida”, afirma Geovana Patrício, advogada, membro da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares e do Coletivo Jurídico Zé Maria do Tomé da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
“Ninguém comemora uma condenação penal. É uma resposta necessária. Porque a impunidade é uma ferida aberta na democracia e na família. Sabemos que a sentença penal não faz retornar a vítima à família, mas é uma resposta civilizatória. A questão é que se houve uma execução, se houve um colaborador, houve um mandante. Vamos cobrar a reabertura das investigações para descobrir os mandantes”, informa Renato Roseno, Deputado Estadual (Psol) e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará.
Repercussão
Em seu perfil oficial no Instagram, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida disse que “este é um momento para lembrar que as vozes que defendem o meio ambiente, as vidas das comunidades rurais e a justiça social não serão silenciadas pela violência. Seguimos vigilantes para que o legado de Zé Maria inspire ainda mais pessoas a lutarem por um mundo mais justo, sustentável e livre de impunidade”.
“Sabemos que a condenação não traz José Maria de volta para sua família, tão pouco representa a justiça completa que todos desejamos, uma vez que os mandantes foram despronunciados durante o processo. Mas é uma importante vitória para quem está na luta contra o uso de agrotóxicos na Chapada do Apodi. A força de Zé Maria segue conosco nas batalhas construídas com seu legado. Seja no Acampamento Zé Maria do Tomé, que resiste há 10 anos produzindo alimentos de forma agroecológica e com trabalho justo, seja na conquista da Lei Estadual Zé Maria do Tomé, do deputado Renato Roseno com coautoria do então deputado Elmano de Freitas, a única no Brasil que proíbe a pulverização aérea em nosso estado, seja nas lutas do MST e dos movimentos que combatem o latifúndio e a violência do agronegócio”, disse o deputado Estadual Missias do MST.
Claudia Maria Dadico, diretora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários no Ministério do Desenvolvimento Agrário também esteve presente no júri. Em seu perfil no Instagram disse: “o julgamento, 14 anos após o fato, não pode ser equiparado a vingança, mas um sinal de que o Estado brasileiro leva a sério a responsabilidade daqueles que atentam contra a vida de defensores de direitos humanos e das lutas camponesas por terra e saúde. Aguarda-se que essa responsabilidade também seja apurada em relação aos mandantes, observado o devido processo legal, uma vez que o executor foi também assassinado. Que a mensagem transmitida pela sentença proferida no dia de hoje (09) seja assimilada pela sociedade brasileira como um basta à naturalização da violência nos conflitos socioambientais no campo, nas florestas e nas águas”.
Fonte: BdF Ceará
Edição: Camila Garcia