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Clube das Mulheres de Negócios: novo filme de Anna Muylaert inverte gêneros para denunciar violências normalizadas

Diretora de Que Horas Ela Volta estreia nesta quinta (28) no cinema nacional com longa que mistura sátira com terror

Ouça o áudio:

Filme conta com Cristina Pereira, Priscila Marinho, Maria Bopp, Grace Gianoukas, Irene Ravache e Louise Cardoso - Divulgação
É muito comum a mulher poder fazer o trabalho, mas não poder ter o crédito

Estreia nas salas de cinema de todo país, nesta quinta-feira (28), Clube das Mulheres de Negócio, novo filme de Anna Muylaert, diretora de Que Horas Ela Volta e roteirista de O Ano que Meus Pais Saíram de Férias. 

O longa propõe uma inversão de gênero nas relações de poder, colocando as mulheres como detentoras dos meios de produção, enquanto os homens são educados para serem submissos.  

“O filme, no fundo, trata sobre poder, e ele meio que implode essa ideia”, resume a diretora em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (28). 

Embora o longa traga uma inversão de gênero que poderia soar como um avanço para o enfrentamento de diversas chagas propagadas pelo machismo e patriarcado, a produção de Muylaert não propõe um mundo encantado da Barbie ao pôr as mulheres no poder. 

“Eu acho que enquanto houver um lado mandando no outro, ou se achando superior, seja gênero, seja raça, seja religião, seja classe, quer dizer, querendo ser superior ao outro, tendo vantagens em relação ao outro lado, a gente vai ter problema”. 

Segundo a diretora, o filme surgiu a partir dos levantes do movimento Me Too, “quando as mulheres falaram: chega, não aguento mais”. 

“É muito comum a mulher poder fazer o trabalho, mas não poder ter o crédito, isso é muito comum, as mulheres sofrem muito com isso, ou conseguirem o crédito, mas não ter paridade salarial.” 

“Então chegou num ponto em que as mulheres já estão ocupando lugares estratégicos e estão dizendo não.” 

Muylaert comenta que o filme tem uma proposta de ser didático, ao ajudar tanto homens como mulheres a perceberem violências normalizadas e cotidianas na sociedade. 


Longa traz Rafael Vitti e Luis Miranda como protagonistas / Aline Arruda

Para tanto, o filme reproduz cenas comuns nas produções audiovisuais brasileiras, mas com os corpos trocados.

“A câmera que dá close na bunda dos caras... isso é uma coisa que não existe, mas na bunda das mulheres existe.  Ou homens mais velhos serem considerados charmosos e poderem se casar com mulheres 40 anos mais novas, existe. Mas o contrário não existe”. 

Na entrevista a diretora também reflete sobre o futuro do audiovisual brasileiro, em especial, por conta da nova ordem propostas pelas redes de streaming.

“O fato é que se bobear o audiovisual brasileiro vai ser americano, de propriedade e direcionamento, e a gente vai acabar sofrendo por um sucateamento cultural”. 

Confira a entrevista na íntegra 

Como surgiu a ideia de fazer este novo filme?

Esse filme nasce de uma inflamação feminina que aconteceu em 2016, 2017, que levou ao movimento Me Too, quando as mulheres falaram "chega, não aguento mais”. 

E naquele momento, eu tive essa ideia de fazer um filme de inversão justamente para tentar fazer com que os homens entendessem, e nós mulheres também começávamos a entender melhor, vários comportamentos que são normalizados, mas que na verdade são violentos em relação às mulheres. 

Mas acrescentei várias outras camadas para falar também de classe e de várias divisões de poder da nossa sociedade humana, que é comandada por homens. Nós vivemos no patriarcado, né? 

Embora o filme faça uma inversão de gênero tão aclamada pela sociedade, em especial o movimento feminista, ele não traz isso como solução, pelo contrário, muitos problemas estruturais seguem 

O filme, no fundo, ele trata sobre poder, e meio implode essa ideia. 

Eu acho que enquanto houver um lado mandando no outro, ou se achando superior, seja gênero, seja raça, seja religião, seja classe, quer dizer, querendo ser superior ao outro, tendo vantagens em relação ao outro lado, a gente vai ter problema. 

Então eu acho que o filme explode isso e traz no lugar a figura da onça, simbolizando muita coisa, mas talvez todo aquele universo que o homem acha que manda, mas que no fundo não manda. E que é a maior parte, né? 

Esse simbolismo da onça fala da pandemia, por exemplo?

Sim, sem dúvida. Eu acho que a pandemia é um exemplo, mas não só. Todas as catástrofes ambientais que a gente está vendo, o ser humano está brincando com fogo. 

Quanto mais rico, mais ele acha que ele pode. E ele não pode de tudo. Em relação a gênero, a raça, a classe e a natureza também. 

A onça simboliza a natureza, mas eu acho que, no caso, a onça é um animal que só tem na América do Sul, né? Então também eu acho que fala um pouco da força da terra, dos ancestrais.  

Tanto em Que Horas Ela Volta como neste filme de agora, seus longas discutem questões que recentemente foram pautadas pelo governo federal. No primeiro caso a PEC das Domésticas, e no segundo a lei de paridade de salário. Foi proposital?

Em ambos os casos não foi proposital, porque são projetos anteriores. São mais coincidências positivas ou sincronicidades, porque eu acho que o mundo todo está discutindo essa questão. 

Eu acho que se a gente pegar o movimento feminista dos anos 60, a mulher queimando o sutiã, depois veio à pílula, então ela teve direito a trabalhar fora...

Mas ela basicamente teve direito a ser secretária, a ser assistente. Nesses 60 anos as mulheres foram ficando muito competentes, foram ficando muito boas no seu trabalho, mas sofrendo da mesma forma. 

É muito comum a mulher poder fazer o trabalho, mas não poder ter o crédito. Isso é muito comum, as mulheres sofrem muito com isso, ou conseguirem o crédito, mas não ter paridade salarial.  

Então chegou num ponto em que as mulheres já estão ocupando lugares estratégicos e estão dizendo não.  

A sociedade e o governo estão tomando consciência desses mecanismos que humilham a gente, que são violentos com a gente. Porque nem a gente mesmo sabe direito, porque eles são tão normalizados, e a gente precisa conversar.  

Eu lembro quando teve o Me Too uma amiga minha, falou "nossa, agora eu realizo que eu sofri um estupro de um namorado”. Foi um episódio de um cara que ela saiu pra fazer sexo, chegou na hora, não tinha camisinha, e ela disse que não queria, e o cara forçou. Ela falou, "eu me lembro dos punhos roxos no dia seguinte, mas naquela época eu não classifiquei isso como estupro, porque havia desejo da minha parte, mas eu não quis por falta de preservativo".  

Então você vê, até ser estuprada é algo que é difícil compreender e dar nome a esse boi.  

O filme tem a ideia de ser didático, então?

É, por exemplo, a câmera que dá close na bunda dos caras... isso é uma coisa que não existe, mas na bunda das mulheres existe.  

Ou homens mais velhos serem considerados charmosos e poderem se casar com mulheres 40 anos mais novas, existe. Mas o contrário não existe.  

Então sim, eu acho que o filme passa por vários temas, várias cenas, várias situações que são chocantes, vista na inversão. 

Como você avalia o atual cenário da produção audiovisual no Brasil?

Está tendo um retorno à produção, porém, a regulamentação do streaming que entrou no Brasil em 2016, com a força da grana americana, sem legislação, sem regulamentação, está uma brincadeira.  

Eu acho que o governo está bem atrasado e não está calculando direito as consequências dessa invasão, dessa dominação que está acontecendo, eles estão dando as regras, eles estão mudando as regras, tanto na forma de fazer como no tipo de filme 

Que medidas, por exemplo, a gente precisaria cobrar?

Por exemplo, a gente não tem mais direito autoral, a gente não tem mais propriedade intelectual.  

A propriedade intelectual, tudo o que se faz no Brasil via streamings americanos não é mais do produtor. Isso é a primeira coisa.  

Segundo, é a forma de condução. Eles estão conduzindo toda a dramaturgia por algoritmos, entendeu? Por executivos americanos, ou contratados dos americanos.  

Mudou, não é mais alguém que vem dentro do cinema brasileiro fazendo história, como a Ancine, por exemplo, nos seus editais, que colocava especialistas lendo os roteiros. E agora é uma dança de executivos que também troca toda hora.  

O fato é que se bobear o audiovisual brasileiro vai ser americano, de propriedade e direcionamento, e a gente vai acabar sofrendo por um sucateamento cultural.


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Edição: Nathallia Fonseca