A eleição para a presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), marcada para o dia 15 de março, deve consolidar um cenário de alinhamento quase absoluto entre a Casa e o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). O atual presidente, André do Prado (PL), busca a reeleição com apoio amplo do centro, da direita e, surpreendentemente, do PT. Em meio a esse cenário, a deputada Paula Nunes (Psol), integrante do coletivo Bancada Feminista, se lança como a única candidatura de oposição, denunciando o esvaziamento do papel do legislativo e o avanço de pautas ultraliberais no estado.
Para Nunes, a submissão da Alesp ao governador não é uma simples estratégia política, mas um projeto deliberado para impedir qualquer atuação independente dos deputados. Em entrevista ao Brasil de Fato, a parlamentar criticou a condução da Casa, denunciou o desmonte dos serviços públicos e classificou a privatização da Sabesp como um marco do governo Tarcísio.
Paula Nunes criticou o “completo alinhamento” da Alesp com o governo de Tarcísio de Freitas. Reflexo disso, segundo a deputada, é o que está exposto no orçamento do estado, a redução de recursos para áreas sociais e ampliação dos investimentos em parcerias com a iniciativa privada.
A candidata do Psol também não poupou críticas ao PT, que, mesmo sendo a maior bancada da Alesp, com 19 deputados, decidiu apoiar Prado, que é bolsonarista declarado, para a presidência da Casa. Nunes lembrou que, embora os petistas façam oposição ao governo estadual, sua participação na Mesa Diretora garante certa influência, mas, neste momento, serve para legitimar um projeto político que tem como horizonte a candidatura de Tarcísio à Presidência da República em 2026. “Esse não é um governo qualquer, e o PT deveria estar ao nosso lado na oposição. Eles erram ao se aliar ao PL”, afirmou.
Confira a entrevista na íntegra:
O que significa, nesta quadra da história, a sua candidatura à presidência da Alesp, enfrentando quase 100% da Casa?
A minha candidatura é do Psol. Demarcar isso é muito importante porque sou a única candidatura de oposição ao André do Prado, que é um presidente que deve se reeleger pela primeira vez. Pra gente, é importante dizer politicamente que não queremos uma Alesp completamente alinhada ao governo do estado. Como isso acontece aqui? Os projetos de deputados quase não existem na Casa. Somos 94 deputados na Alesp e nossos projetos são quase que integralmente vetados pelo governador, e não estou falando apenas dos projetos da oposição, também os projetos da base do governador.
Existe uma concepção, que eu acho equivocada, de que os deputados aqui não servem para legislar, apenas para chancelar os projetos do governo do estado. Esse é, no momento, o nosso maior imbróglio. É uma casa legislativa que serve apenas para chancelar as políticas do governador. Sabemos quais são essas políticas. Tivemos votações nessa legislatura que foram muito ruins para o povo de São Paulo, como a privatização da Sabesp, que passou na Casa sob bomba de gás. Eu estava grávida de oito meses na época, havia ali deputados idosos, como Eduardo Suplicy e Leci Brandão, que foram vítimas da violência do governador. Em 190 anos de história, a Alesp nunca teve uma mulher na sua presidência. Na mesa diretora atual, nenhuma das 25 deputadas está na direção. Temos que mudar essa realidade.
Chama a atenção que o PT se aliou à candidatura do André do Prado. O que significa esse alinhamento? É uma composição por posição na mesa diretora, claro, mas é um apoio a um deputado declaradamente bolsonarista.
O PT tem a maior bancada da Alesp, são 19 deputados, o mesmo número do PL. isso não é pouca coisa. Eu respeito demais os companheiros do PT, porque eles têm enfrentado pautas que são verdadeiros retrocessos, que o governador tenta emplacar. Apesar disso, o PT integra a mesa diretora há 30 anos, mesmo não tendo a presidência. Essa negociação existe há décadas. Mas qual a diferença agora? Nós estamos em um governo abertamente aliado de Jair Bolsonaro, o Tarcísio de Freitas pode ser o sucessor do Bolsonaro em 2026 e o presidente da Alesp é do partido do Bolsonaro e o defende publicamente. Então, não estamos falando de um cenário com uma direita tradicional ocupando a presidência da Casa, nós estamos falando de uma intensa polarização com a extrema direita. Na minha opinião, neste momento seria importante que os companheiros do PT não fizessem parte desse acordo. Eles fazem oposição ao governo, mas neste aspecto os petistas erram. Esse momento político não é um momento político qualquer. Seria muito importante que eles assumissem outra postura, nós faríamos parte de uma candidatura com eles.
A reforma administrativa e, principalmente, a mudança da sede do governo de São Paulo para a região central da capital paulista devem ser temas fundamentais na Alesp neste ano. Qual sua posição sobre esses pontos?
O Tarcísio tem um plano que é muito nítido e desde as eleições ele coloca isso, que é um plano altamente privatista. Podemos dizer que o Tarcísio é ultraliberal. Não à toa, um dos principais e primeiros projetos que ele colocou para votar aqui nessa Casa, quando ainda estava testando o termômetro de seu governo, no primeiro ano, foi a privatização da Sabesp, que foi aprovado rapidamente.
O redesenho do centro de São Paulo, a implementação da nova sede administrativa do governo do estado também tem a ver com isso. É um projeto altamente privatista e que também está muito ligado à ideia de reformular a lógica ou a cara do centro de São Paulo, e é muito ligado ao projeto do Ricardo Nunes também. Na gestão anterior do Nunes houve uma política próxima do governo do estado, focado em tentar acabar com a região da Cracolândia, como se isso fosse possível, dispersar as pessoas, fazer a Cracolândia ficar migrando de lugar, como se fosse possível abrir um buraco e fazer desaparecer todas as pessoas que vivem naquela região.
Então, essa conexão entre governo do estado e prefeitura de São Paulo para pensar o redesenho do centro está muito ligada a isso, à uma ideia de tentar pintar uma cidade de São Paulo que não tem pessoas vivendo na rua, quando na verdade o número de pessoas em situação de rua quase que dobrou no último período, porque tem muita fome, porque o seu equipamentos de assistência social, de saúde pública estão sendo fechados pelo Ricardo Nunes. O governador tem um plano nítido, que é um plano de terceirizar ou privatizar todos os serviços públicos que ele puder no estado de São Paulo.
Aqui na Alesp votamos o orçamento todos os anos. Eu vejo, acompanho a redução do orçamento em áreas sociais importantíssimas para o estado de São Paulo. É o caso, por exemplo, do orçamento do ensino de jovens e adultos, que foi zerado; É o caso, por exemplo, do orçamento para a Secretaria de Política da Mulher, que só existe no papel e que a cada ano tem o seu orçamento reduzido. Então, áreas sociais importantíssimas têm tido o seu orçamento reduzido. A Secretaria de Transportes é a mesma coisa, vemos um aumento do orçamento destinado à Secretaria de Parcerias e Investimento e uma redução do orçamento dos transportes. Por que isso acontece? Porque a precarização do serviço público é um projeto. E a saída que eles apresentam para essa precarização é a privatização. Acho que eles têm um projeto nítido. É o projeto da privatização da precarização dos serviços públicos para justificar a precarização. E é muito ruim que isso esteja sendo implementado dessa forma, com tanta tranquilidade aqui dentro dessa casa legislativa.
O debate na Alesp sobre a Segurança Pública em São Paulo fica muito aquém do que acontece nas ruas. Houve críticas ao Tarcísio por ter colocado policiais militares no comando da secretaria. A violência e a letalidade aumentaram e o debate, assim como as críticas, foram fortes, mas fora dessa Casa. A senhora acha que entre os temas que mais preocupam a população, a violência policial é o que Tarcísio de Freitas mais despreza?
Eu fiquei muito impressionada no dia que o menino Ryan foi assassinado em Santos. No dia seguinte, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, veio até a Alesp prestar contas na Comissão de Segurança Pública. Eu fiquei ouvindo atentamente cada parlamentar da base falar e fui ouvindo atentamente se algum deles mencionaria o fato de que a polícia militar tinha matado um menino de 4 anos. Nada foi falado por ninguém. Eu fui a última a falar e quando falei, eu mencionei e questionei o secretário sobre essa execução. Isso causou um alvoroço no fã-clube do secretário, porque ninguém esperava que o Derrite fosse questionado na Comissão de Segurança Pública sobre um tema que é tão simples [de ser questionado], que é a execução de um menino de 4 anos.
E por que eu trago esse exemplo? Porque infelizmente parece que as mortes cometidas por policiais estão sendo tratadas com muita naturalidade nessa casa legislativa. Eu acho que isso é um sintoma do momento em que vivemos no nosso país. Aqui dentro, nós temos poucas pessoas que emprestariam sua voz à mãe de um menino de 4 anos que foi executado. Então, eu acho que o tema da Segurança Pública é central para o estado de São Paulo. Quem é o Secretário de Segurança Pública? Ele fala que foi expulso da Rota porque matou bandido demais. Ele, quando eu perguntei sobre o assassinato do menino Ryan, me disse que eu fazia ‘vitimismo barato’, que eu fazia palanque político com a morte de uma criança. Ele não falou que, de fato, a conduta da polícia poderia estar minimamente errada. Ele defendeu a conduta de um policial que executou um menino de 4 anos e que atirou quando tinha 15 pessoas numa rua, inclusive majoritariamente crianças brincando. Ele defendeu essa conduta. Quando questionado sobre a violência policial, o Tarcísio de Freitas disse que podíamos até ir na Liga da Justiça falar sobre esse assunto. Então, infelizmente, hoje um dos buracos mais profundos que nós temos no estado de São Paulo é a política de Segurança Pública. Eu não tenho dúvida disso.