O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do Sul está colhendo a maior safra de arroz agroecológico da sua história. Neste ano, as 14 mil toneladas de alimento saudável que em breve vão parar na mesa dos brasileiros têm um sabor especial. Marcam a retomada da produção dos assentamentos no estado, que nos últimos anos viveram seguidas perdas.
A enchente histórica de 2024 não foi o único desastre a atingir o MST e toda a agricultura familiar no Sul do Brasil. Nos últimos anos, o estado gaúcho tem enfrentado períodos de seca severa seguidos por períodos de fortes chuvas.

Desafio vivido pelas famílias do assentamento Filhos de Sepé, em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. É o que conta o produtor de arroz Ivan Carlos Pereira. O agricultor assentado recorda das dificuldades após os anos de 2020 a 2023, que registraram chuvas muito abaixo da média.
“Nós passamos por uma seca muito forte no estado, que devastou toda a agricultura familiar praticamente. E logo depois, a gente começou a sonhar novamente em se recuperar. E nisso, quando a gente deu por conta, plantamos, gastamos energia familiar e tal, e veio essa chuva (de 2024) que nos deixou muito sem chão.”
De um extremo climático a outro, após a seca vieram as inundações que devastaram centenas de cidades gaúchas. Do MST, mais de 400 famílias tiveram que deixar suas casas e a produção foi fortemente impactada.
Também assentado em Viamão, Osmar Moisés de Moura, conhecido como Perito, lembra da resiliência para retomar a produção do arroz agroecológico. “É difícil a gente esquecer as imagens daquele período, mas a gente, como assentado e como produtor, vive da produção. Então a gente voltou para as propriedades e para os lotes e reconstruiu todas as estruturas como irrigação, que foi devastada pelas enchentes, como os canais, muita coisa, muitas máquinas que ficaram alagadas pelas águas.”
Confira a reportagem em vídeo:
“Um ano esperançoso”
O assentamento Filhos de Sepé foi um dos cinco da região metropolitana atingidos pela enchente histórica no Rio Grande do Sul. Lavouras onde hoje, menos de um ano após a tragédia, o MST colhe a maior safra de arroz agroecológico da história.
Pereira celebra a recuperação. “Voltamos a fazer essa produção de semente orgânica de arroz, que há muitos anos a gente tinha parado, e retomamos essa produção. E vendo todas as dificuldades que nós tivemos e o aporte que nós conseguimos, estou falando como agricultor, através da nossa cooperativa e o aporte da semente junto à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), isso nos deu fôlego. Hoje a gente está vendo a safra que a gente está tendo.”
Perito acrescenta que está sendo um ano esperançoso. “Estamos colhendo fruto. Foi um grande desafio trabalhoso e sofrente para nós nos anos passados. A gente conseguir restabelecer e levantar a cabeça e conseguir implantar toda a nossa lavoura, dentro do nosso Grupo Gestor, no nosso assentamento, e agora nós colhendo o resultado, mostra a nossa força e a nossa capacidade de organização.”
Festa da Colheita
Essa retomada foi celebrada pelo MST no mês de março, na 22ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico. Um momento para mostrar à sociedade o trabalho realizado e os desafios que persistem.
Os agricultores ligados ao movimento são unânimes em atribuir a recuperação dos solos e a boa produção à força da agroecologia. Entre eles está o presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), Nelson Krupinski.
“Celebramos 2,8 mil hectares de áreas certificadas. A natureza tem uma capacidade incrível de regeneração. Aliado com as boas práticas da agroecologia, aliado com os insumos orgânicos e agroecológicos, com os bioinsumos, com os preparados que as famílias fazem em casa, nós conseguimos plantar a safra 2023-2024, conseguimos preparar as áreas das hortaliças e hoje a gente celebra então o retorno da produção, 100% da área plantada, produção recorde de 14 mil toneladas de arroz agroecológico.”
Para Ivan Pereira, a boa produção vem como um incentivo aos assentados para os próximos anos. “Para a gente trabalhar mais, envolver mais famílias, envolver mais tecnologia, que isso está dando o retorno para as famílias. Apesar do nosso preço estar um pouco abaixo, que a gente produziu, plantou a um valor, o custo da produção aumentou com isso, por isso baixou muito o preço de venda. Então, para nós, eu vou dizer assim, nós estamos otimistas no que virá daqui pra frente.”
Agricultura que respeita o meio ambiente
Um futuro que para o MST não se resume a produzir mais, mas passa pela reforma agrária para dar terra às famílias que querem plantar alimentos saudáveis e pelo compromisso com o meio ambiente.
“A gente vem fazendo a nossa parte nessa questão ambiental, que é preservando e plantando árvore. Nos últimos anos o movimento tem como meta a gente ir verdeando nossos campos, não devastando”, comenta Perito.
O assentado diz ficar “muito honrado” de fazer parte do MST e ter como princípio a agroecologia. “De produzir alimento, alimento puro e saudável e com qualidade para as novas gerações, para as gerações que estão aí. É isso que a gente carrega na nossa bandeira.”
Bioinsumos
Entre as técnicas que contribuíram para o sucesso da safra do arroz agroecológico está o uso de bioinsumos nas plantações. Os produtos melhoram a qualidade do solo, sem uso de produtos químicos ou veneno, aliando conhecimento camponês e tecnologia.
Para conhecer de perto o que é e como são feitos os bioinsumos usados pelos assentados no Rio Grande do Sul, visitamos uma biofábrica do MST. O resultado você acompanha na segunda reportagem desta série.
