Às vésperas do Dia do Trabalhador e depois de uma greve nacional de entregadores de aplicativo, o iFood anunciou um aumento de R$ 0,50 para os entregadores de bike e de R$ 1 para os de moto na última terça-feira (29). Considerado insuficiente pela categoria, a nova remuneração passa a valer a partir de junho.
Além das precárias condições de trabalho, como mostramos na primeira parte desta reportagem, trabalhadores e trabalhadoras por aplicativo ainda enfrentam as dificuldades econômicas e sociais do mercado informal. É o que explica Roberto Neves, presidente da União de Motoboy e Bike (UMB), no Rio de Janeiro.
“Os aplicativos pagam baixos salários, insuficientes para cobrir despesas e exigem dos entregadores jornadas prolongadas, com horários excessivos, sem pausas regulares, o que tem precarizado o trabalho e aumentado a terceirização, prejudicado a autonomia e a falta de estabilidade da categoria. Existem ainda outros desafios, como a dificuldade de acesso a serviços de saúde, a desvalorização do trabalho e falta de proteção trabalhista”, resume.
Conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, entregadores e motoristas que atuam por plataformas digitais recebem, respectivamente, R$ 3,4 e R$ 1,9 a menos, por hora, do que os demais trabalhadores.
Marlon da UMB, no Rio de Janeiro, relata que a insegurança dos entregadores por aplicativo também é constante, pois além do controle das entregas e rotas, os aplicativos também podem bloquear os entregadores a qualquer momento pelo tempo que desejarem.
:: Quer receber notícias do Brasil de Fato RJ no seu WhatsApp? ::
“O aplicativo é instável e de repente pode bloquear um entregador do nada, e esse entregador fica até três dias sem conseguir trabalhar com o aplicativo. O iFood também tem uma política em que estimula o aluguel de bikes da empresa, e quem aluga essas bikes recebe mais pedidos de entregas pelo aplicativo. As empresas por trás dos aplicativos também fazem campanhas confusas, que prejudicam os entregadores, controlando o trabalho e gerando uma relação de subordinação”, relata.
Quando a reforma trabalhista (Lei 13.467, de 2017) entrou em vigor em 2017, sob o governo de Michel Temer (MDB), muitos trabalhadores não tinham a dimensão de como a lei afetaria suas vidas, precarizando ainda mais as relações de trabalho e a saúde. Após a reforma, atualmente alguns trabalhadores já realizam jornadas de trabalho com média de 12 horas diárias, sem reconhecimento de vínculo empregatício, a exemplo dos entregadores e motoristas por aplicativos, e outros informais no Rio de Janeiro.
Demandas da categoria
Entre os dias 9 e 10 de dezembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma audiência pública para discutir o vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos de transporte e as empresas que administram as plataformas digitais.
A audiência contou com a pressão da categoria e participação de representantes das organizações dos trabalhadores, pesquisadores, advogados e representantes das empresas de aplicativos. O STF ouviu as partes envolvidas, mas até o momento não chegou a uma decisão sobre o assunto.
“O que realmente pareceu, para quem assistiu, é que nós trabalhadores conseguimos mostrar que temos razão quando a gente fala que tem vínculo. Nós demos um banho de opinião e provas em cima das empresas, mas não tá nada decidido”, relata Roberto Neves, da UMB.
Para chamar atenção sobre a situação da categoria, entregadores e motoristas por aplicativo vêm realizando paralisações nacionais em vários estados, com objetivo de reivindicar melhorias nas condições de trabalho e saúde.
Nos últimos dias 31 de março e 1º de abril, ocorreu mais uma paralisação nacional em mais de 17 estados e 40 cidades do país. Entre as principais pautas e demandas foi reivindicado “o aumento da taxa mínima de R$ 10,00, para até 4km; aumento do valor do km para R$ 2,50; a limitação do km para bikes, em um raio máximo de 3 km e uma taxa por entrega”, informa postagem nas redes sociais da UMB.
No dia 1º de abril, a deputada estadual do Rio de Janeiro, Dani Balbi (Psol), também protocolou um Projeto de Lei na Assembleia Legislativa do estado (Alerj), com algumas das principais demandas dos trabalhadores por aplicativo defendidas na paralisação nacional, que possui como foco central o aplicativo iFood.
“A proposta visa estabelecer critérios para as entregas realizadas por aplicativos, garantindo mais transparência e eficiência no serviço prestado ao consumidor. […] Dessa forma, o projeto busca equilibrar as necessidades do mercado com a qualidade e acessibilidade dos serviços de entrega”, informa a postagem da deputada nas redes sociais.
Porém, a aprovação do Projeto depende da pressão popular e organização da categoria de trabalhadores em pressionar os parlamentares.
União de Motoboy e Bike (UMB)
Em relação às pautas e demandas da categoria, o presidente da UMB no Rio de Janeiro, também destaca a urgência de ações na área da segurança no trânsito para os motociclistas. “Como a infraestrutura para motociclistas, como ciclofaixas e estacionamentos seguros e pontos de apoio pelas cidades, com acesso a banheiros e estacionamentos”, disse Neves.
Ele também aponta outras demandas importantes na área da saúde e bem-estar, educação e apoio material. “Temos outras demandas essenciais como promover a saúde e bem-estar dos motociclistas, realizar campanhas de educação e conscientização com os motociclistas sobre segurança, direitos e responsabilidades, além de parceria com grandes empresas de bicicleta, moto e celular, facilitando a compra de material de trabalho”, completa.
O presidente da UMB enfatiza ainda os principais objetivos da organização com os entregadores por aplicativo. “Estimulamos a promoção do motociclismo de forma responsável e segura, o desenvolvimento cultural, informativo e recreativo entre os associados, também buscamos promover a união e solidariedade. Facilitar o acesso a entidades públicas para melhorias na dinâmica de trabalho e contar com assessoria jurídica em casos de agressão, assédio sexual e racismo”.
A categoria também reivindica a abertura de um canal de comunicação e negociação entre os aplicativos e os trabalhadores. “Queremos um diálogo direto com a plataforma sobre os bloqueios injustos, mais transparência na questão dos valores e promoções, e reuniões, audiência pública e diretivas para melhorar o trabalho dentro e fora da plataforma”, completa Roberto.
Suporte às trabalhadoras informais
Já no caso das mulheres trabalhadoras informais, no Rio de Janeiro, elas contam com o apoio do Coletivo Elas por Elas Providência. A coordenadora Carol Alves, explica que o Coletivo envolve mulheres trabalhadoras informais, ambulantes, camelôs e entregadoras de aplicativo. A intenção é fortalecer a organização e a luta das mulheres trabalhadoras informais, principalmente aquelas que vivem em situação de vulnerabilidade social, na capital carioca.
O Coletivo organiza as mulheres de forma coletiva para reivindicar direitos e combater as desigualdades de gênero, raça e classe que marcam suas vidas e condições de trabalho. “As demandas mais urgentes do coletivo incluem: o direito de acessar um banheiro limpo para trocar um absorvente e ter acesso a ponto de apoio com água potável. Também cobramos melhoria das condições de trabalho, no combate à precariedade e em assegurar condições mais dignas e seguras para quem trabalha na rua. Queremos moradia digna, a insegurança habitacional é uma questão urgente, o que reforça a necessidade de políticas públicas”, explica Carol.
A coordenadora também relata que o coletivo reivindica ações de acolhimento e proteção para essas mulheres que sofrem com a violência doméstica, entre outros tipos de violências. “As trabalhadoras informais, ainda enfrentam a violência de gênero. Muitas dessas mulheres lidam com a violência doméstica, no trabalho e na comunidade”.
O coletivo possui um ponto de apoio móvel, com uma tenda e banheiro químico para uso das trabalhadoras informais nas ruas e realiza a distribuição de kits de higiene, a partir do apoio de doações de apoiadores. E desenvolve ações de apoio e organização das mulheres trabalhadoras informais no Rio.
“Participamos de movimentos e articulações que buscam pressionar o poder público para implementar políticas de proteção social, direitos trabalhistas e acesso à moradia para mulheres na informalidade. De parcerias para a realização de campanhas de saúde, como atendimentos básicos, acesso a exames preventivos e rodas de conversa sobre saúde mental e física, visando melhorar a qualidade de vida das trabalhadoras. Também realizamos atividades culturais, encontros e trocas de experiências para o fortalecimento das mulheres em suas comunidades”, conclui Carol.
Portanto, percebe-se que o coletivo atua como um espaço de apoio na organização coletiva e resistência dessas mulheres trabalhadoras, permitindo que ampliem suas vozes e forças para transformar suas realidades. Além de demarcar a importância da representatividade feminina em pleitear direitos básicos, para o trabalho ambulante nas ruas.
* Essa reportagem foi produzida pelo Laboratório de Investigação em Comunicação Comunitária e Publicidade Social (Laccops) como parte da campanha de comunicação publicitária do projeto de pesquisa e extensão “Saúde e direitos dos trabalhadores em tempos de plataformas digitais: um olhar sobre a atividade”, realizado pelo Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) e o Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (DAPS), ambos da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em parceria com o Instituto de Psicologia da UFRJ.
**O Laccops é certificado e oficializado pelo CNPq desde fevereiro de 2014. Integram a equipe: Ana Carolina dos Santos Esteves (Ilustradora – Estudante de Publicidade e Propaganda da UFF), Cleo Ribeiro Nascimento Guimarães (Redatora e estudante de Publicidade e Propaganda da UFF), Gabriela Rodrigues da Silva (Redatora/Relatora e estudante de Publicidade e Propaganda da UFF), João Victor dos Santos Menezes (Diretor de Arte e estudante de Publicidade e Propaganda da UFF), Solange Inês Engelmann (Jornalista e doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS) e Tatiane Mendes Pinto (Jornalista e fotógrafa, pós-doutoranda em Comunicação Social pela UFF).
***Integram a equipe do Projeto de Pesquisa e extensão as pesquisadoras Cirlene de Souza Christo (IP/UFRJ); Karla Meneses da Costa (CESTEH/ENSP/Fiocruz); Leticia Pessoa Masson (CESTEH/ENSP/Fiocruz); Márcia Teixeira (DAPS/ENSP/Fiocruz); Muza Clara Chaves Velasques (CESTEH/ENSP/Fiocruz) e Sarah de Paulo do Amaral (Fiotec). E os estudantes: Ana Beatriz Rodrigues Tostões Pinto (Estudante de Psicologia/UFRJ e PIBIC/Fiocruz); Carolina Ferrari Capistrano de Mesquita (Mestranda ENSP/Fiocruz); Erika Thimoteo Lopes (Extensionista de Psicologia/UFRJ); Jose Eliel de Lima Junior (Residente em Saúde do Trabalhador CESTEH/ENSP/Fiocruz); Marco Antônio de Menezes Tanaka (Estudante de Psicologia/UFRJ e Pibic/Fiocruz); Maria Fernanda Caldeira Batista (Extensionista de Psicologia/UFRJ); Nahan Rios Alves de Andrade Moreira de Souza (Estudante de Psicologia/UFRJ e Pibic/Fiocruz); Sarah da Costa Tiburcio (Extensionista de Psicologia/UFRJ); Wuinie Adelaide Pereira do Nascimento (Estudante de Serviço Social/Unisuam e PIBIC/Fiocruz) e Yasmin Souza Costa (Residente em Saúde do Trabalhador CESTEH/ENSP/Fiocruz).