O Brasil tem hoje uma das menores taxas de desemprego de sua história. De acordo com dados divulgados na quarta-feira (30) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 7% dos trabalhadores brasileiros estão desocupados – índice 0,9 ponto mais alto do que a mínima histórica alcançada em novembro do ano passado e o menor para essa época do ano já registrado desde 2012.
Estatisticamente, a situação do mercado de trabalho brasileiro é tão boa que alguns economistas indicam que o país vive o que alguns manuais de teoria econômica chamam de “pleno emprego”. Os números, entretanto, camuflam uma situação não tão favorável assim ao trabalhador, ainda muito afetado pela informalidade e a precariedade dos trabalhos disponíveis no Brasil
“Pleno emprego não é emprego pleno”, resumiu o economista Pedro Faria, doutor em história pela Universidade de Cambridge. “Não é porque todos os trabalhadores estão empregados que todos estão vivendo a plenitude do trabalho.”
O chamado “pleno emprego” é conceitualmente alcançado quando o desemprego cai a um patamar tão baixo que quase já não há mais trabalhadores em busca de trabalho num país, por exemplo. Nesta hipótese, para “convencer” trabalhadores a aceitar um emprego, os empresários precisam elevar salários a tal ponto que isso começa a criar efeitos colaterais para a economia, como a inflação.
Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que há um entendimento de que, no caso brasileiro, a economia atinge o “pleno emprego” quando o percentual de desocupados baixa à casa dos 6% – algo que aconteceu entre 2012 e 2014 e que voltou a acontecer no final de 2024.

Assim como Faria, ele reforçou que a situação teórica não significa uma realidade ideal para o trabalhador, principalmente no caso brasileiro. “Estar em situação de pleno emprego não significa que a economia não tem problemas no setor no mercado de trabalho. No Brasil, ainda existe um alto nível de informalidade e boa parte do emprego gerado é de menor renda”, explicou Weiss.
Segundo o IBGE, no trimestre encerrado em março, 38% dos trabalhadores brasileiros ocupados tinham um trabalho informal – ou seja, não tinham garantidos direito como férias e 13º salário ou eram autônomos sem qualquer registro. A taxa é a menor já registrada, tirando aquela alcançada na pandemia, em que informais foram os que mais perderam trabalho.
Ainda assim, é alta comparada à de outros países: nos EUA e na Alemanha, por exemplo, ela gira em torno de 10%.
Nesses países, a renda que o trabalhador obtém com o trabalho também é bem maior que o brasileiro, apesar do rendimento também estar em patamar recorde. De acordo com o IBGE, um trabalhador brasileiro ganha em média R$ 3.410 por mês – maior valor já medido pelo instituto desde o início da série histórica, em 2012. Isso, entretanto, está abaixo do rendimento de trabalhadores chilenos e mexicanos, por exemplo.

Problema estatístico
Juliane Furno, economista e professora de economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), acrescenta à discussão sobre o pleno emprego brasileiro limitações da própria estatística de desemprego.
Ela explica que o pleno emprego ocorre, primeiramente, quando a taxa de desocupação está especialmente baixa. Essa taxa, entretanto, é medida com base em entrevistas que nem sempre conseguem captar a real condição do trabalhador.
“O IBGE pergunta a um entrevistado: ‘você exerceu alguma atividade remunerada, pelo menos uma vez, na semana?’ Se a pessoa disser que sim, ela é considerada ocupada”, explicou ela. “Esse método subestima o real contingente de pessoas desempregadas.”

Marcelo Manzano, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da instituição (Cesit), confirma o problema.
“Além dos informais, no Brasil, há muitos trabalhadores subocupados estatisticamente contando como empregados. São pessoas que trabalham, mas menos horas do que gostariam, provavelmente porque a renda delas é menor do que a necessária para suas necessidades”, acrescentou. “Ainda temos os desalentados, que são os que não procuram trabalham porque, às vezes, não têm dinheiro para o ônibus.”
De acordo com o IBGE, o Brasil tinha até o final de março 15,9% dos trabalhadores subocupados e outros 2,8% desalentados. Eles não engrossam a fila dos desempregados, mas são “sintomas de um mercado de trabalho extremamente doente”, segundo Manzano.
Realidade além dos números
Lúcia Garcia, economista e especialista em mercado de trabalho do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), diz que a realidade do trabalhador brasileiro está bem pior do que mostram os números.
Ela disse que a reforma trabalhista de 2017 e outras opções políticas assumidas pelo Brasil nos últimos anos, priorizando o setor econômico agroexportador, fragilizaram a situação do trabalhador. Hoje, a flexibilização do trabalho é tamanha que, apesar de empregado, um trabalhador não sabe quando trabalha, quanto ganhará no mês e se terá trabalho no mês seguinte.
“Nós estamos com trabalho imprevisível, instável, insuficiente e, acima de tudo, gerido de uma forma algorítmica”, disse ela, citando os mais de 2 milhões de trabalhadores que prestam serviços contratados por plataformas digitais, como aplicativos de entrega. “Não dá para se animar com número de PIB e desempenho econômico porque, da forma como eles são obtidos hoje, eles não trazem bem-estar.”
Em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato, Pedro Tourinho, presidente da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), disse na segunda-feira (28) que o trabalhador brasileiro sente-se tão pressionado pelas más condições do mercado de trabalho que o país vive uma “epidemia de adoecimento mental”. Em 2024, o país registrou 470 mil afastamentos relacionados a transtornos como depressão e ansiedade.
“A pressão que massacra o trabalhador hoje está relacionada a cobranças de metas irrealizáveis, a baixa clareza nas tarefas, às relações de assédio frequentes nos ambientes de trabalho e às questões dos horários e jornadas de trabalho”, explicou.
José Luis Oreiro, economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), ratifica cenário descrito por Garcia e Tourinho. Para ele, apesar do “pleno emprego”, o trabalhador está pior hoje do que estava há dez anos. “Hoje os trabalhadores estão numa situação pior do que estavam em 2012 ou 2013, quando a taxa de desemprego era até maior”, afirmou.
Soluções
Oreiro afirma que o Brasil precisa avançar em sua reindustrialização para tentar melhorar a qualidade de vida do seu trabalhador. Segundo o professor, é na indústria que um trabalhador consegue um emprego estável e com remuneração razoável.
“A economia tem que continuar crescendo e, fundamentalmente, se reindustrializar para absorver essa mão de obra que está em setores de baixa produtividade nos setores de produtividade mais alta, mas que não exigem um nível tão grande de educação formal”, afirmou. “A indústria consegue absorver mão de obra com um nível médio de escolaridade em atividades com nível de produtividade mais alto.”
Na quarta (30), o Ministério do Trabalho divulgou que a economia brasileira já gerou 654 mil postos de trabalho com carteira assinada em 2025. O setor de serviços foi o que mais criou empregos, com 362 mil postos abertos. A indústria vem em seguida, criando 153 mil vagas.
Weiss pondera que a melhora do rendimento do trabalhador, a queda da informalidade e a redução do desemprego são fatos inquestionáveis. Para ele, o trabalhador não sente todas essas melhoras por conta da inflação, que está em alta, e também por conta de uma “batalha de comunicação” em que agentes da direita minimizam avanços.
O professor, entretanto, concorda que o mercado de trabalho brasileiro tem muito o que melhorar. “Você tem que ter uma indústria mais forte e serviços de alta tecnologia, de valor agregado, de maior produtividade”, afirmou.
Ele também defende uma revisão de pontos da reforma trabalhista para fortalecer a importância de sindicatos em negociações. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a prometer isso em sua campanha de 2022. Weiss, porém, não vê espaço no Congresso Nacional para pautas neste sentido.
Na terça (29), dirigentes de pelo menos oito centrais sindicais se reuniram com Lula para lhe entregar uma carta de reivindicações do movimento sindical brasileiro. Entre os principais pontos, estão o fim da jornada 6×1, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e o fortalecimento dos sindicatos.