Um estudo da Fundação SOS Mata Atlântica avaliou a qualidade da água nas bacias hidrográficas em 145 locais de um total de 112 rios brasileiros localizados no bioma Mata Atlântica. Nenhum desses cursos d’água está com qualidade ótima. Segundo o relatório Observando os Rios, entre as amostras coletadas em Pernambuco, a do rio Capibaribe, no Recife, foi a que apresentou maiores riscos à saúde e à fauna local.
Foram pesquisados rios de oito das 12 bacias hidrográficas brasileiras. Duas dessas bacias passam pelo território pernambucano: a do São Francisco (engloba o Sertão do estado) e a do Atlântico Nordeste Oriental (do Agreste ao litoral).
Apesar de nenhuma amostra de água na Mata Atlântica brasileira ter apresentado qualidade ótima, em 11 locais (ou 7,6%) dos 145 pontos a qualidade está boa, o que significa que aquela água ainda é adequada para usos como abastecimento doméstico e produção de alimentos, além do equilíbrio da vida aquática. Mas a grande maioria (109 locais, ou 75,2%) apresenta qualidade regular, o que já sinaliza impactos ambientais e comprometimento no seu uso para consumo e mesmo para banhos em atividades de lazer.
Já 20 amostras (13,8%) estão com qualidade da água ruim e 3,4% (cinco locais) têm classificação péssima. O que significa que a poluição do curso de água já apresenta níveis críticos de poluição, com efeitos danosos para a fauna e para a saúde de quem utiliza aquela água. É aqui que se enquadra o trecho do rio Capibaribe no Recife.
Capibaribe, Beberibe, Jaboatão e São Francisco
O relatório afirma que o principal rio da capital pernambucana tem recebido uma quantidade de rejeitos sem tratamento superior à sua capacidade de diluição. “Se medidas eficazes não forem tomadas imediatamente, a tendência é que sua qualidade continue ruim nos próximos anos. Para reverter esse cenário, é essencial que o serviço de coleta e tratamento de esgoto alcance toda a população da bacia do Capibaribe”, diz o relatório. As águas do rio, que no estudo anterior estavam com qualidade regular, piorou e apresentou qualidade ruim nesse novo levantamento.
A coleta onde a água apresentou pior qualidade foi num trecho do Capibaribe no Recife. Já a amostra obtida mais próximo de sua nascente, no município de Limoeiro, na Zona da Mata, a análise indicou qualidade regular. Também foram indicadas como regulares trechos do rio Beberibe, em Olinda, e do rio Jaboatão, no município de mesmo nome.
Também foi coletada uma amostra do Rio São Francisco em Penedo (AL), já próximo de seu delta, e a qualidade da água foi regular. O trecho pernambucano do Velho Chico fica no bioma Caatinga, não na Mata Atlântica, portanto não foi analisado. No Nordeste, há um destaque positivo para os rios do Sal e Sergipe, no estado de mesmo nome, ambos evoluíram da qualidade regular para boa.
A avaliação se dá pelos 16 parâmetros do Índice de Qualidade da Água (IQA), estabelecido na resolução 357/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Publicado em 2025, o estudo Observando os Rios foi realizado ao longo de 2023 e 2024, com coleta de água em 145 pontos, espalhados em 67 municípios de 14 estados brasileiros onde há o bioma.

Mais de 2 mil voluntários foram envolvidos na tarefa das coletas e análise da água. As coletas em Pernambuco foram realizadas pelo Espaço Ciência Chico Science, Instituto Bioma Brasil, Amatur e Observatório e Memorial do Rio Jaboatão (Juventude Lixo Zero Jaboatão e Comissão Ambiental de Jaboatão). A coleta do São Francisco foi realizada pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Saneamento básico
Pensando na universalização do saneamento, Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios, considera que as mudanças legislativas que facilitam a entrada de empresas privadas no setor não trouxe, até o momento, o ganho social prometido. “Por enquanto, o que a gente tem observado avançando a partir do marco legal do saneamento, de 2020, é o processo de privatização das empresas de saneamento, mas não necessariamente os investimentos estão aparecendo”, alerta.
As “soluções tradicionais”, segundo ele, não darão conta do problema no cenário e emergências climáticas. “São pequenas comunidades, às vezes isoladas, em que o investimento para quilômetros de tubulações não são viáveis economicamente viáveis”, diz Veronesi.
Ele também alerta para casos de contaminação dos rios por despejo de agrotóxicos e outros produtos químicos, o que demanda ações de vigilância e controle. “A gente precisa de nascentes protegidas, mata ciliar nas margens, com parques lineares e restauração de florestas, inclusive em áreas urbanas”, defende Veronesi.
Para Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, a participação popular é fundamental para o avanço e integração das políticas públicas de água, clima, meio ambiente e saneamento. “A sociedade civil precisa estar cada vez mais ativa nos comitês de bacias hidrográficas e na defesa da água limpa. O retrato da qualidade da água dos rios da Mata Atlântica evidencia o papel crucial da mobilização social para garantir um futuro sustentável para todos”, destaca a diretora.
Prefeitura transfere culpa para o Governo do Estado
A Prefeitura do Recife enviou nota em resposta ao Brasil de Fato. “Constitucionalmente, rios que têm nascente e foz no território do Estado são de responsabilidade dos governos estaduais, o que restringe a atuação da gestão municipal, que atua diretamente na autuação de ligações clandestinas na rede de esgotamento sanitário”, inicia a nota. “O rio possui mais de 250 km de extensão e atravessa mais de 40 municípios pernambucanos”, diz a nota.
A gestão municipal também se eximiu das responsabilidades relativas ao tratamento e fiscalização dos despejos de esgoto no Capibaribe. “A gestão municipal esclarece que o esgotamento sanitário também é uma competência estadual”. Mas constitucionalmente a coleta e tratamento de esgoto é responsabilidade do município. A Prefeitura do Recife tem um contrato com a Compesa para a realização do serviço.
O texto enviado pela prefeitura afirma que a gestão tem atuado para reduzir a quantidade de lixo lançada pela população nas ruas e canais. “Para minimizar o impacto do descarte incorreto de lixo no leito dos cinco rios que cruzam a cidade, a Emlurb promove anualmente a limpeza dos 99 canais que cortam o Recife, com um custo de R$ 9 milhões aos cofres públicos, bem como promove ações educativas permanentes com a população”, conclui a nota.
CPRH culpa Prefeitura do Recife
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) afirma que tem realizado fiscalizações regulares em empreendimentos instalados às margens do rio Capibaribe no interior do estado. “Nos últimos dois anos, a Agência CPRH multou e aplicou autos de infração em 18 empreendimentos, além de interditar duas lavandeiras que estavam despejando efluentes irregulares no rio”, diz a nota.
Mas o órgão estadual alega que no território da capital pernambucana a responsabilidade é da Prefeitura do Recife, definido em acordo firmado entre CPRH e o município, obedecendo à lei de regras de cooperação entre entes públicos (Lei Complementar nº 140/2011) e uma resolução de 2018 do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) sobre licenciamento. “A CPRH possui um acordo de cooperação técnica com o município (…) para que o município realize o licenciamento e fiscalização ambiental”, alega.
Segundo a agência de meio ambiente, o Capibaribe é vítima de lixo descartado pela população e esgoto ligado clandestinamente às redes de captação de água da chuva. “Dessa forma, cabe à Prefeitura verificar e autuar os responsáveis pelas ligações irregulares. A Agência ressalta que não se exime de realizar fiscalizações no Recife, mas faz de forma suplementar, quando demandada, ou quando recebe denúncias de crimes ambientais”, conclui a nota.
As denúncias de crime ambiental devem ser feitas pela ouvidoria da CPRH, pelo telefone (81) 3182-8923 ou pelo e-mail [email protected]. Todas as denúncias são anônimas e sigilosas, segundo a agência.
PPP vai ajudar a ampliar tratamento de esgoto, diz Compesa
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Compesa afirmou que não despeja esgoto sem tratamento no rio Capibaribe ou em qualquer outro curso d’água. “Nas áreas onde há cobertura de esgotamento sanitário, a Companhia coleta e destina os efluentes para uma estação de tratamento”. O problema seria a baixa cobertura da rede de esgoto no Recife, que atende menos da metade dos lares da capital. “Atualmente é de 49,31%”, diz a nota.
A mensagem também destaca a Estação de Tratamento do Cabanga, unidade mais recente inaugurada na capital e a maior do estado. “A unidade passou a operar com um novo sistema, aumentando a capacidade de tratamento e garantindo a remoção de 792 toneladas de carga orgânica”, informa, citando a estação como “uma das maiores entregas ambientais do Recife”, com investimentos de R$110 milhões já realizados e mais R$10 milhões previstos para aumentar sua capacidade operacional.
Uma outra obra de ampliação do sistema de esgoto já contemplou o bairro de São José e está em curso para atender aos bairros da Ilha de Joana Bezerra e Coque, Cabanga, Pina, Afogados, Prado e Bongi, segundo informa a Compesa.
“A Compesa entende que ainda precisa avançar nos índices de cobertura de esgoto, cujo objetivo é o atendimento das metas (de cobertura de 90% até 2033) estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento. Nesse sentido, a Parceria Público-Privada destinada a ampliar os índices de esgotamento nos 14 municípios da RMR e a cidade de Goiana”, diz a Compesa.
“Para as demais regiões do estado, o Governo de Pernambuco estruturou o programa Águas de Pernambuco, que destinará R$ 2,2 bilhões para a ampliação da cobertura de esgotamento (…) com investimentos a serem executados nos próximos anos”, afirma, prometendo ampliações nos sistemas que atendem Caruaru e Bezerros.
Com informações da Agência Brasil.
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