No coração de Porto Alegre, um cinema de calçada e com programação 99% nacional é referência há 17 anos. Situado na sede do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e região (SindBancários), o Cinebancários é muito mais do que um espaço de exibição. É um ponto de resistência da cultura e da reflexão social.
A cozinheira Rita Ferreira é frequentadora assídua do cinema e celebra a existência do projeto. “Ah, é muito legal, porque propicia que a gente assista filmes que têm temática sempre bem interessante! Com um valor bem acessível também, numa região central da cidade. Eu venho aqui praticamente todas as semanas. Acho bem legal o projeto.”

O estudante de Licenciatura Teatral na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Guilherme Furtado elogia a programação diferenciada. “Eu acho muito importante fazer assim, até para ter um reconhecimento nacional das nossas produções e valorizar a cultura, a arte.”
Rita e Guilherme compareceram a uma sessão gratuita do premiado Ainda Estou Aqui, realizada dias após o longa brasileiro levar o Oscar de Melhor Filme Internacional. O filme dirigido por Walter Salles e baseado nas memórias de Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe, Eunice Paiva, teve sala lotada.
Confira a reportagem em vídeo:
Após a exibição, foi realizado um debate com mulheres ligadas ao cinema e à luta contra a ditadura: Ana Luiza Azevedo, cineasta e sócia da Casa de Cinema de Porto Alegre, e Suzana Lisboa, militante de esquerda, viúva de Luiz Eurico Tejera Lisboa, morto pelos militares em 1972, e integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Cinema para fazer pensar e sonhar
Os cinedebates são uma forma de reflexão que o Cinebancários quer voltar a fazer neste momento de retomada, como conta a curadora da sala, Bia Barcellos. Ela lembra que após a enchente de 2024, que deixou o sindicato sem água e luz por semanas, o cinema ficou fechado por mais de dois meses. A sessão com Ainda Estou Aqui marcou o retorno do formato.
Para a curadora, o projeto é uma forma de fazer pensar. “É muito importante as pessoas refletirem sobre o que elas estão vendo na tela, o porquê daquilo estar ali, o que aquilo tem a ver com a vida delas, com o que está acontecendo no jornal. Para isso, aqui é o cinema, para nos fazer pensar também, sonhar.”
Filmes nacionais: um presente para Porto Alegre
Barcellos foi idealizadora do Cinebancários em 2008. Para ela, é inovadora a proposta do sindicato de manter uma sala de cinema a preços populares, com três sessões por dia e com exibição de filmes em sua maioria nacionais.
“É um projeto permanente, um projeto que não é só voltado para a categoria bancária, é aberto a toda a comunidade. Enfim, foi um presente que o Sindicato dos Bancários deu à cidade de Porto Alegre”, diz.
Ela destaca que atualmente o Cinebancários exibe filmes “feitos no Brasil inteiro, de cima a baixo, de lado a lado”. Produções contemporâneas e atuais. “Se você vem assistir aos filmes do CineBancários, sabe o que o Brasil está fazendo hoje, da garotada até aos clássicos.
Promover vida além do trabalho
A secretária-geral do Sindicato dos Bancários, Sabrina Muniz, conta que o objetivo da entidade é promover vida além do trabalho, com cultura e lazer. “Nós temos aqui um cinema de resistência! Porque esse modelo de cinema de rua tá desaparecendo”, complementa.
Muniz reconhece os desafios para manter o projeto funcionando ao longo dos anos. Como na pandemia, que mesmo após superada deixou uma redução de público nas salas de cinema.
“Tivemos nossas dificuldades, mas a gente sempre tenta trazer aqui filmes que são importantes pro debate. Ficamos muito felizes de conseguir trazer o Ainda Estou Aqui, um filme brasileiro que conseguiu levar a nossa cultura e a nossa história para o mundo inteiro, e promover aqui os cinedebates”, celebra.
Muniz destaca que o sindicato conta com diversas iniciativas culturais. Segundo ela, são mais canais para se aproximar da categoria e da sociedade.
“Além do cinema, a gente vai ter um teatro que vai ser inaugurado agora em 2025, o Teatro Bancário Zé Guedes, na Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Instituições Financeiras (Fetrafi), aqui no centro de Porto Alegre, ali na rua Jerônimo Coelho, quase esquina com a Borges. É um espaço multicultural”, conta.
Arte como instrumento cultural
Segundo ela, ter um sindicato cidadão inserido na comunidade traz retorno quando é preciso debater as pautas da categoria. “Muitas vezes nós temos pautas importantes como a manutenção do Banrisul público, a Caixa, o Banco do Brasil, ou mesmo as portas giratórias aqui em Porto Alegre, que a gente teve um forte ataque, a gente quase perdeu as portas giratórias das instituições bancárias em Porto Alegre, num projeto de lei que foi aprovado no apagar das luzes de 2022, e a gente conseguiu promover esse debate com a sociedade.”
A dirigente sindical lembra da ameaça que a categoria dos bancários vive com o avanço das novas tecnologias e a terceirização. E reforça que a inserção cultural tem também o objetivo de promover formação crítica e política.
“Com a arte, a gente busca inclusive uma forma de poder contar a nossa versão da história, de poder trazer os debates que muitas vezes não são trazidos por outro tipo de entidade ou da mídia mesmo. Aqui a gente tem essa possibilidade porque é o nosso instrumento cultural”, finaliza.
