O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta semana o julgamento da denúncia do chamado “núcleo 4” dos envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), esse grupo foi responsável por espalhar notícias falsas sobre o processo eleitoral e por ataques virtuais contra instituições. Para a cientista política Vera Chaia, doutora pela USP e professora da PUC-SP, o grupo simboliza um ponto central da tentativa de golpe.
“O que me chama a atenção nesse quarto grupo é a presença marcante do Exército”, afirmou em entrevista ao Conexão BDF, da Rádio Braasil de Fato. “A marca do golpe está presente aí. O que eles fizeram foi todo um processo de desinformação, de ameaça em relação aos que não aderiram ao golpe, e uma propaganda de fake news muito bem pensada para desestabilizar a democracia”, avaliou. Chaia acredita que o STF manterá a linha dos julgamentos anteriores, com base na acusação formal da PGR.
Ao mesmo tempo em que o STF julga integrantes do núcleo golpista, setores bolsonaristas da Câmara articulam novas versões do projeto de anistia para os envolvidos nos ataques às sedes dos Três Poderes. A proposta, que enfrenta resistência para ser pautada, agora ganha um projeto alternativo, que prevê penas mais brandas para réus considerados de menor importância.
Chaia criticou duramente a proposta: “Não cabe ao Legislativo esse tipo de papel, cabe ao Supremo Tribunal Federal. […] Isso justifica, na verdade, a impunidade. Se o projeto da anistia ou a proposta de rever essas penas passar, é a abertura para poder fazer tudo, que o Congresso, os amigos, vão resolver. Eu acho que não é por aí”.
Segundo ela, o movimento é inconstitucional. “Quem começou a polarizar e fazer uma atuação mais agressiva não foi o governo, mas a oposição, uma oposição ferrenha que usou da violência para manter ou para a volta do ex-presidente Jair Bolsonaro. Portanto, apaziguar o país é manter todo esse julgamento do STF. Fazer qualquer tipo de revisão de penas não é função do Legislativo, e inclusive considero inconstitucional”, defendeu.
‘Hiperoposição’ usa CPI para desestabilizar governo
Vera Chaia também comentou a recente crise no Ministério da Previdência, que culminou na saída do ministro Carlos Lupi em meio a denúncias de fraudes no INSS. A cientista política acredita que uma CPI para investigar o escândalo, capitaneada pela oposição, tem como foco central desgastar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não investigar de fato o que ocorreu.
“Nunca tivemos uma oposição tão bem organizada. Há uma ‘hiperoposição’ muito forte, que tem todo o poder nas mãos porque chantageia o próprio Executivo. Estamos acompanhando o poder exacerbado do Legislativo em troca de cargos, de aprovações de propostas e negociações”, observou.
Com isso, Chaia teme que os trabalhos da CPI se concentrem apenas no período do atual governo, embora os casos tenham tido início ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Provavelmente vão começar a investigar a partir da posse do presidente Lula e podem ignorar o fato de que tudo começou no governo anterior.”
Para ela, a demora de agir foi um agravante para a crise recair no governo atual. “Houve um movimento muito lento do presidente Carlos Lupi, e sua substituição por Wolney Queiroz, que era o número dois do ministério, não resolve. A ideia é que a trama pode continuar”, criticou. Na visão da especialista, a falta de transparência é o que mais fragiliza a gestão. “Foi preciso que a PGR entrasse com a denúncia. O Executivo deveria ter acompanhado isso de perto desde o início.”
“No fim, quem sai mais prejudicado são os aposentados mais vulneráveis, os mais pobres, com problemas de saúde ou deficiências. É lamentável. Enquanto isso, vemos propagandas de previdência privada na capa dos jornais, mostrando que já há uma disputa por esse público”, concluiu.
Para ouvir e assistir
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