Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato Paraná, o deputado estadual Requião Filho falou, sem rodeios, sobre sua saída do Partido dos Trabalhadores (PT), o cenário político do Paraná e suas pretensões eleitorais para 2026. Após a Justiça Eleitoral autorizar sua desfiliação do partido, ele aponta o Partido Democrático Trabalhista (PDT) como destino mais provável.
Na conversa, o deputado criticou o governador Ratinho Junior (PSD), a quem classifica como “oportunista”, atacou as privatizações promovidas pelo atual governo e questionou a independência da mídia paranaense. Disse ainda que pretende disputar o governo estadual e defendeu políticas como energia e água baratas, além da retomada do controle público sobre empresas estratégicas como Companhia Paranaense de Energia (Copel) e Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar).
“Retomando esses motores econômicos do estado, podemos trazer para o estado do Paraná mais indústrias e mais empresas”, afirmou.
Brasil de Fato Paraná: O Requião sabe jogar o jogo da política. Contudo, jogar no time do PT não deu liga?
Requião Filho: Não deu liga. Não foi possível continuar no partido porque uma coisa que eu prezo muito na política é a coerência entre o discurso e a prática. E o PT aqui no Paraná tem feito tudo menos ser coerente com o que se comprometeram com o meu estado. Apoiaram a venda da Copel, defenderam o retorno dos pedágios e transformaram Itaipu numa festa de microfavores a prefeituras, em vez de investir onde realmente é necessário.
Por eu não concordar com esses caminhos e deixar isso claro, muita gente se doeu. Há também questões internas que tornaram minha permanência inviável. Não tenho inimizade com o Arilson Chiorato, presidente estadual do PT, nem com colegas deputados ou com a militância, mas com a cúpula do partido tenho rusgas irreconciliáveis.
A saída do PT representa também um distanciamento da oposição ao governador Ratinho Junior?
Saí do PT justamente para continuar sendo eu mesmo. O partido dizia que ali eu teria espaço para defender minhas bandeiras, mas quando eu mantive minha linha de atuação, muita gente se incomodou.
E qual é o destino partidário agora? O PDT é o caminho? Já assinou a ficha de filiação?
Ainda não assinei a ficha, mas tenho tido boas conversas com o Goura e com a executiva do PDT. É um partido com história, especialmente no Sul, marcado pelo brizolismo e por posições claras. A ideia é, junto com quem já está lá, reconstruir o partido e devolver a ele a relevância que já teve na política nacional. Estamos acertando alguns ponteiros.
Em 2022, seu pai foi um dos candidatos ao governo mais votados da história do PT no Paraná. No entanto, em 2024, sua pré-candidatura à prefeitura de Curitiba não avançou. Em 2026, o senhor ou seu pai estarão na disputa pelo governo?
Sempre tivemos protagonismo na política do Paraná, apresentando um projeto claro para a população. Como você disse, o PT nunca teve tantos votos quanto teve com o Requião. Mas também nunca perdeu tantos votos como perdeu enquanto estávamos no partido.
O antipetismo aqui no Paraná é muito forte. É algo que precisa ser repensado e rediscutido. As posições do partido, infelizmente, não têm ajudado a combater essa percepção.
O que esperamos para 2026? Que o nosso nome esteja na mesa, discutindo um projeto para o Paraná. Pode ter certeza disso.
Não se trata apenas de um nome. Estaremos junto com um grupo de pessoas, de políticos, de paranaenses e brasileiros que amam este estado e querem uma proposta diferente da que temos hoje.
Não gosto desse jogo de “nós ou eles”. Esse tipo de polarização torna a política rasa, sem espaço para uma discussão profunda e qualificada. Vira uma disputa de religião ou de futebol, e política é muito mais do que isso.
O governador Ratinho Junior tem 80% de aprovação. Primeiro, por que o governo dele é tão bem avaliado? Segundo, o senhor acredita que ele transfere votos para uma candidatura apoiada por ele?
Eu não acredito em transferência de votos. Acho que esse fenômeno aconteceu com o Lula e a Dilma, foi algo que marcou o Brasil naquele período, mas não vejo tendência de repetição no Paraná.
A aprovação do Ratinho se dá, em grande parte, porque a mídia paranaense, na minha humilde opinião, muitas vezes tem medo de colocar o dedo na ferida. Falta disposição para expor denúncias e desvios do governo. É uma mídia, no mínimo, complacente.
A pequena mídia, por sua vez, é praticamente toda da família dele. Ele é dono de um conglomerado de rádios e jornais, então controla a narrativa no Estado.
Infelizmente, as instituições no Brasil estão desacreditadas. Quando você pergunta para um paranaense se o governo vai bem, ele responde que sim, desde que não esteja sendo diretamente prejudicado naquele momento. Se não há escândalos aparentes e o governo não está atrapalhando, a avaliação acaba sendo positiva.
O Ratinho, como dono da narrativa midiática, consegue transferir tudo que há de ruim para o governo federal. Ele subiu o ICMS no Paraná, hoje temos o imposto mais caro do Brasil, mas quando os preços sobem, as pessoas culpam Brasília, não o Estado. Mesmo sendo uma responsabilidade estadual, a culpa recai sobre o governo federal.
Esse domínio da narrativa gera uma falsa sensação de aprovação. Não é uma aprovação de “ótimo” ou “bom”, é uma aprovação regular.
Fizemos uma reportagem mostrando que o governador Ratinho Junior renunciou a R$ 60 bilhões em impostos desde 2022. A matéria revela um “Clube do CNPJ”, formado por 23 empresas que mais se beneficiam dessa política fiscal. Qual é a sua avaliação desse modelo?
A população paga mais impostos aqui no Paraná. As faixas de isenção para pequenas e microempresas estão defasadas e deveriam ser muito maiores. Esses pequenos negócios não têm acesso a crédito, nem o apoio do governo. Mas, para os grandes financiadores de campanha e para multinacionais, existe isenção de impostos.
E sabe o pior? Essa isenção era secreta. Não havia transparência. Estamos em uma briga enorme com o Tribunal de Contas do Estado para que essa lista se torne pública, que seja aberta, para que a gente entenda por que essas empresas conseguem tamanha isenção e o que elas trazem de volta para o Paraná.
Se uma empresa quer se instalar numa região do Estado com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), onde precisamos gerar empregos, muitas vezes não recebe incentivo nenhum. Mas uma indústria localizada aqui na capital, em São José dos Pinhais ou em Jandaia do Sul, tem todos os privilégios possíveis e as portas do Estado escancaradas.
Isso precisa ser compreendido. Não sou contra o incentivo fiscal. Acredito que menos impostos geram mais empregos. Fazem a roda da economia girar. Mas não posso conceder a uma multinacional um incentivo que não posso oferecer à padaria do seu João.
Colocando o senhor ou o seu grupo como pré-candidatura ao governo do Estado, uma das propostas seria rever as políticas fiscais de isenção de impostos adotadas atualmente pelo Paraná?
Seria suspender todos esses incentivos até que a gente consiga entender por que eles foram concedidos e buscar, para o pequeno, micro e médio empresário, bem como para a indústria paranaense, condições de receber incentivos e se tornar cada vez mais competitiva no mercado.
Não faz sentido uma empresa de refrigerantes paranaense pagar mais impostos do que uma multinacional como a Coca-Cola. Como queremos que a indústria paranaense cresça se quem vende de fora tem mais incentivos do que quem está aqui, gerando emprego e mantendo o dinheiro dentro do nosso Estado?
Então, sem dúvida nenhuma, essa seria uma bandeira: rever as isenções fiscais concedidas a esses grandes players do mercado e buscar reduzir impostos para quem realmente gera emprego.
Roberto Requião vive dizendo que Lula deveria recomprar ações da Petrobras e retomar o controle da estatal. O senhor defende o mesmo em relação à Copel? Defende a reestatização? Como seria isso?
Eu já começaria abrindo uma investigação séria sobre a venda das ações da Copel, porque há muita fumaça para pouco fogo nessa privatização. As denúncias são várias e, infelizmente, eu não vi o Ministério Público, o Tribunal de Justiça, ninguém se debruçando sobre isso. Acredito que, se a gente mexer nisso aí, vamos encontrar caroço nesse angu.
Mas sim, eu gostaria de reverter porque essa privatização aumentou a conta de luz do paranaense. Aumentou o custo da indústria das empresas e piorou a qualidade do serviço. Nós tínhamos uma empresa modelo, que dava lucro e ajudava o Paraná a crescer economicamente. Hoje nós temos uma empresa que suga a nossa economia.
Qual a sua avaliação das escolas militarizadas?
Ter policial dentro da escola não é, por si só, algo ruim. A integração entre a polícia e a comunidade é essencial para que haja respeito mútuo. Precisamos superar essa ideia de que há uma guerra entre povo e polícia. Isso só afasta os bons policiais e inviabiliza uma política de segurança comunitária.
Já tivemos experiências positivas com o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), a patrulha escolar, programas que promoviam essa integração de forma saudável.
O problema está no modelo cívico-militar imposto. Em muitos casos, colocaram militares em escolas que já tinham bom desempenho e venderam isso como sucesso. Mas, na prática, a hierarquização forçada em adolescentes, sem preparo ou transição adequada, tem causado conflitos. Segurança e pedagogia são áreas distintas. É preciso rever esse modelo.
O Programa Parceiro da Escola é alvo de questionamentos judiciais. O senhor é favorável à reversão dessa política de privatização da educação no Paraná?
Sim. No meu entendimento, o programa é ilegal. Se houver uma devassa nesses contratos, com suspensão de pagamentos, acredito que muitas empresas nem recorreriam, com receio das irregularidades que podem aparecer. A educação precisa ser pública, de qualidade, e com professores valorizados e bem preparados.
Isso passa por salário, formação continuada e infraestrutura adequada nas escolas. Hoje, a educação no Paraná precisa de uma reforma completa, de A a Z.
Dizem que o Paraná é líder no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), mas o que vemos são denúncias graves: alunos afastados das provas para não derrubar a média, professores forçados a responder avaliações no lugar dos estudantes, alunos promovidos sem condições reais de avançar. A Prova Paraná e os programas de recuperação maquiam os números. Quem vive o dia a dia escolar sabe que essa não é a realidade.
Os servidores públicos acumulam perdas salariais históricas. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou o reajuste represado desde 2017. Qual é sua avaliação?
Já mostramos que é possível corrigir isso. Quando Requião foi governador, reestruturou a carreira dos professores, das forças de segurança e dos demais servidores do Executivo. A data-base não é uma pauta apenas dos professores. Ela afeta a enfermeira do posto de saúde, o médico, o policial, o agente penitenciário. Todos estão há anos sem a reposição da inflação.
Hoje o governo faz manobras jurídicas para conceder reajustes pontuais, atendendo microcarreiras, numa tentativa de conter a insatisfação geral. É preciso enfrentar essa distorção com seriedade.
Hoje, a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) é o novo alvo da privatização no Paraná. Qual o risco de vender uma empresa que concentra os dados dos paranaenses?
No mundo de hoje, o bem mais valioso são os dados. Privatizar a Celepar é entregar o cadastro completo dos paranaenses: onde moram, onde compram, que carro têm, onde abastecem, que restaurante frequentam. Estamos falando de informações que valem bilhões no mercado.
A Celepar tem uma equipe técnica altamente qualificada e poderia oferecer serviços de excelência ao Estado. Mas, como vem acontecendo em outras áreas do governo Ratinho, a empresa está sendo desmontada para ser vendida a preço de banana. Há denúncias de que alguns deputados já sabiam com semanas de antecedência quem venceria certas licitações. E, novamente, o Ministério Público permanece em silêncio.
Ratinho Junior defende anistia para golpistas. Como o senhor avalia essa posição?
Essa proposta de anistia não é para as senhorinhas presas desde 8 de janeiro, como querem fazer parecer. É um projeto para livrar da Justiça quem realmente tentou derrubar a democracia: Bolsonaro, seus generais, seus filhos e aliados. Usam a massa de manobra como desculpa, mas o objetivo é blindar os líderes do golpe.
Quanto ao Ratinho Junior, ele sempre evitou se posicionar. Fui deputado com ele e, em votações polêmicas, ele saía do plenário fingindo atender o telefone. Continua igual, se escondendo das discussões, não assume discursos nem responsabilidades. Mesmo nas redes sociais, duvido que seja ele quem publica , porque, se fosse, talvez nem ali aparecesse.
O senhor acredita que Ratinho Junior está colocando à venda a democracia em nome de uma pré-candidatura?
Ele vê uma oportunidade, como viu lá atrás quando era lulista. Agora, enxerga na direita e no bolsonarismo uma chance de viabilizar seu nome para a Presidência da República. Não se trata de ideologia, mas de conveniência. É o velho ditado: a oportunidade faz o ladrão — no caso, politicamente falando.
Mas a Paraná Pesquisas já enterrou essa pretensão. Entre os candidatos de direita que não são Bolsonaro, Ratinho foi o que teve menos votos. A pesquisa sequer divulgou um eventual segundo turno entre Ratinho e Lula. Acredito que o resultado era tão ruim que preferiram não publicar.
Para encerrar, no Paraná existe o bordão “Requião tem razão”. Nesse sentido, “Requião Filho está sempre certo”?
Gostaria de estar sempre certo, mas sei que ninguém acerta o tempo todo. Esse bordão nem foi criado por nós, mas nasceu das lutas por causas justas. Podemos errar, sim, mas erramos tentando acertar. Diferente de quem erra de caso pensado para lucrar. Essa é a grande diferença entre quem faz política por vocação e quem faz por puro apego ao poder. Há muitos que usam a política apenas como meio de se manter no cargo, não para transformar a vida de quem mais precisa, como queria o nosso querido Papa Francisco.