No dia 26 de abril a Rússia anunciou a total libertação da região de Kursk e a expulsão das tropas ucranianas do território russo. A notícia marcou o fim oficial da incursão da Ucrânia, que assumiu o controle de diversos assentamentos na região russa de Kursk em agosto do ano passado e mantinha tropas na área fronteiriça desde então. Em meio ao impasse nas negociações sobre o cessar-fogo, a retirada das tropas ucranianas do território russo pode ter um peso na condução da estratégia de Moscou para resolver a guerra.
O anúncio, feito pelo chefe do Estado-Maior do exército russo General Valery Gerasimov, ficou marcado também pelo primeiro reconhecimento oficial por parte de Moscou de que as forças da Coreia do Norte participaram no conflito da Ucrânia ao lado do exército russo nas operações de Kursk.
“Hoje, o último assentamento na região de Kursk, a vila de Gornal, foi libertada das unidades ucranianas. Gostaria de mencionar especificamente a participação de militares da República Popular Democrática da Coreia na libertação das áreas fronteiriças da região de Kursk”, disse o militar.
O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que a retomada da região fronteiriça abre caminho para uma vitória mais ampla da Rússia no campo de batalha. Segundo ele, “a aposta do regime de Kiev fracassou completamente”.
“A derrota completa do inimigo na região da fronteira de Kursk cria condições para novas ações bem-sucedidas de nossas tropas em outros setores-chave da frente e apressa a derrota do regime neonazista”, afirmou.
A Ucrânia, por sua vez, nega que tenha sido completamente derrotada em Kursk. Ao reagir ao anúncio russo, as Forças Armadas Ucranianas declararam uma “situação operacional complexa”, relatando que suas unidades continuam mantendo certas posições.
Além disso, diversos canais de monitoramento militar da Rússia no Telegram relataram que tropas ucranianas ainda estão em algumas áreas de Kursk, mantendo presença pontual em alguns focos de resistência na região fronteiriça.
Mas o fato é que a incursão ucraniana que surpreendeu a Rússia no ano passado, controlando de fato territórios russos pela primeira vez, foi neutralizada. E o mais importante: a Rússia ter superado a presença ucraniana em seu território cria um fato político interno que pode mudar o rumo das negociações.
É oportuno o momento do anúncio da retomada de Kursk menos de duas semanas antes do Dia da Vitória, em 9 de maio, quando o país comemora os 80 anos da vitória da União Soviética na Segunda Guerra Mundial e recebe diversos líderes internacionais, inclusive o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.
Diante do peso simbólico e histórico que o feriado do Dia da Vitória carrega na Rússia, a realização de uma celebração deste porte após um anúncio de um importante êxito no campo de batalha favorece a narrativa de uma demonstração de força. Afinal, o transbordamento do conflito ucraniano para o território russo é um tema sensível para o Kremlin, ainda mais em uma região como Kursk, que tem importante lastro histórico em relação à Segunda Guerra Mundial, sendo palco de importantes batalhas para a vitória soviética contra a Alemanha nazista.
Para o pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético, Getúlio Alves, a retomada de Kursk pela Rússia tem um efeito mais prático do que estratégico, do ponto de vista dos objetivos fundamentais de Moscou na guerra com a Ucrânia.
“Para qualquer avanço nas negociações, a Rússia pode estar em uma situação um pouco mais favorável” após tomar Kursk. No entanto, o pesquisador analisa com ceticismo uma perspectiva de virada de jogo mais drástica.
“Isso talvez leve o Kremlin a estar mais disposto para as próximas semanas começar o processo de negociação, que não estava tão disposto até algumas semanas atrás, antes de retomar grande parte do território de Kursk. Mas dizer que de fato tem um peso estratégico na possibilidade de se chegar a uma resolução sobre o fim da guerra, sou cético quanto a isso. Para mim não é uma questão territorial, é muito mais política”, afirmou.
Os EUA ameaçam abandonar as negociações sobre o fim da guerra da Ucrânia, se Kiev e Moscou não chegarem a acordo. Em entrevista à imprensa estadunidense, Trump declarou novamente que encerraria os esforços de mediação se não visse progresso em direção à paz entre a Rússia e a Ucrânia.
“Acho que estamos mais próximos de um acordo de um lado, mas do outro a situação talvez seja mais complicada. Vamos ver. Não gostaria de especificar agora de que lado estamos mais próximos. Mas fizemos um acordo que foi bom para os americanos”, disse Trump, fazendo referência ao acordo com a Ucrânia sobre a exploração de recursos em terras raras ucranianas.
O presidente russo, Vladimir Putin, chegou a propor unilateralmente a adoção de um cessar-fogo de três dias com a Ucrânia durante as comemorações dos 80 anos da vitória sobre o nazismo. A ideia, no entanto, foi mal recebida pela Ucrânia que criticou a proposta de Putin, afirmando que Kiev estava disposta a adotar uma trégua incondicional de 30 dias.
Este constante impasse aponta que, apesar de os discursos favoráveis à resolução da guerra que começaram a ser mais ouvidos em 2025, as principais causas do conflito ucraniano ainda parecem estar longe de serem resolvidas. Segundo o pesquisador Getúlio Alves, o ponto central das demandas de segurança da Rússia diz respeito à expansão da Otan, assunto que ainda não foi seriamente debatido nas conversações entre Rússia, EUA e Ucrânia.
O analista argumenta que a questão central na guerra na Ucrânia “não passa necessariamente pela conquista de territórios”. Se a gente for ver o objetivo da guerra da Ucrânia, é necessariamente colocar um fim nesse projeto de expansão da Otan que acontece desde o final da Guerra Fria. E que já era aventada a possibilidade da Ucrânia entrar na Otan desde 2008″ 2:12.”
Getúlio Alves observa que, apesar da retórica do presidente dos EUA, Donald Trump, de querer resolução rápida para a guerra, há conflito com as condições de segurança exigidas pela Rússia, que são de difícil resolução.
“Eu acho que está havendo uma divergência de tempo de como esse acordo poderia chegar, porque qualquer definição de status de neutralidade, desmilitarização, de pertencimento da Ucrânia na Otan, dificilmente vai ser acordado em um espaço de algumas semanas, então eu acho que perspectivas de cessar-fogo seria um início dessas negociações, mas sou cético em relação a qualquer resolução disso nesse primeiro semestre ou ainda esse ano”, completa.