Os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Rússia, Vladimir Putin, assinaram nesta quarta-feira (7) uma série de acordos para desenvolver uma “aliança estratégica” e projetos conjuntos nas áreas militar, econômica, energética, tecnológica e política. O documento também expressa o apoio formal à entrada dos venezuelanos no Brics.
O encontro foi realizado no Kremlin, em Moscou, dois dias antes da celebração dos 80 anos do Dia da Vitória da União Soviética contra a Alemanha Nazista, na Segunda Guerra Mundial.
No texto assinado pelos presidentes, Putin afirma “valorizar” a entrada dos venezuelanos no bloco que tem Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul como fundadores. “A Rússia aprecia positivamente a intenção da República Bolivariana da Venezuela de ingressar como membro pleno e cooperar estreitamente no grupo Brics”, afirma o texto publicado pelo Kremlin.
A entrada da Venezuela no Brics foi pivô de uma tensão que envolveu o governo brasileiro no ano passado. Maduro formalizou o pedido de entrada no Brics em maio de 2024. Na cúpula do bloco realizada em Kazan em novembro, os russos aceitaram a entrada da Venezuela como membro pleno, mas o Brasil vetou, revoltando o governo venezuelano e tensionando a relação entre Brasília e Caracas.
A situação só foi aliviada depois que o presidente Lula afirmou que não podia se meter nos resultados da eleição venezuelana, já que a Justiça do país havia dado um parecer sobre o pleito. A presidência do bloco é do Brasil em 2025, a cúpula deste ano será realizada no Rio de Janeiro em julho e a expectativa de Caracas é que haja um convite para que a Venezuela participe do evento.
O documento assinado entre Putin e Maduro também contempla o desenvolvimento dos laços entre a Venezuela e a União Econômica Eurasiática (UEE) para fortalecer a integração do país caribenho em outros mecanismos multilaterais.
Acordos e ampliação das relações
Um dos principais pontos do acordo é a ampliação dos laços entre russos e venezuelanos para o nível mais alto das relações diplomáticas. Com isso, a Venezuela é o primeiro país do continente a estabelecer esse nível de relações com os russos. Os dois países também celebraram neste ano o aniversário de 80 anos de relações.
O tratado assinado entre os países tem como foco desenvolver uma infraestrutura financeira independente que permita o comércio e o investimento sem “intermediação ocidental”. De acordo com Maduro, isso vai abrir a possibilidade de dar “um salto em direção a uma relação abrangente”. O governo venezuelano destaca que o comércio entre os dois países cresceu 64% em 2024 em relação a 2023, chegando a US$ 200 milhões (R$ 1,2 bilhão). Para Putin, o valor ainda é “insuficiente, mas promissor”.
O chanceler venezuelano, Yván Gil, destacou que o acordo também tem um capítulo para tratar de uma nova arquitetura financeira e monetária para evitar o uso do dólar nas transações. O ministro destaca que o sistema de pagamentos russo MIR será ampliado na Venezuela para operações em crédito e débito, o que já tem “favorecido o turismo entre os dois países”.
Gil também destacou que, para criar alternativas ao dólar, os Bancos Centrais dos dois países têm estabelecido uma comunicação constante.
“Essa é uma questão que está na mesa de negociação de todos os países alternativos. O Brics trabalha nessa proposta e a Venezuela, na órbita do Brics, se alinha na criação de um sistema que não use o dólar como moeda de negociação. Isso em resposta ao abuso dos EUA de sua posição dominante no comércio global com o dólar, para a aplicação de sanções. Venezuela e Rússia que são alvos de sanções e sabemos que uma vacina contra as sanções é justamente um sistema alternativo”, disse o chanceler Yván Gil.
O texto destaca também um investimento maior em petróleo, gás e mineração, além de abrir mais rotas aéreas entre os dois países. Neste sentido, os dois governos destacaram que a tecnologia desenvolvida pelos russos pode ser usada na extração de petróleo venezuelano. Essa possibilidade é levantada em um momento em que o governo dos Estados Unidos retirou a petroleira estadunidense Chevron do país. A companhia estava havia 100 anos na Venezuela e era responsável por exportar 20% do petróleo venezuelano.
O acordo também trata de um fortalecimento da coordenação venezuelana na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP+) e do Fórum de Países Exportadores de Gás.
Dentro do aspecto tecnológico, a Venezuela terá uma estação para o sistema russo de navegação por satélite Glonass. Além disso, os dois se comprometeram a fortalecer parcerias de pesquisa científica e inovação tecnológica.
Russos e venezuelanos também firmaram uma cooperação militar para desenvolver estratégias de combate ao terrorismo e o fascismo, e na área da saúde para desenvolver um treinamento médico e na produção de vacinass.
O porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, ressaltou que esses foram acordos “poderosos, significativos e importantes”. Em declaração após o encontro, ele disse que foi discutida também a atuação de empresas russas no mercado venezuelano para aumentar os investimentos.
“As negociações foram muito completas, tanto no formato restrito quanto no formato expandido. Eles [os líderes] revisaram toda a pauta. A Venezuela é nossa parceira, e é por isso que existe cooperação em diversas áreas. Também foi discutida a atuação de empresas russas no mercado venezuelano, com o interesse de empresas russas em investimentos na Venezuela”, disse.
Relação histórica
Venezuela e União Soviética estabeleceram relações diplomáticas 1945, durante o governo de Isaías Medina Angarita (1941-1945). Durante a Guerra Fria, no entanto, a Venezuela adotou uma proximidade maior com os Estados Unidos, especialmente no governo de Rómulo Betancourt (1959-1964).
Os países voltaram a se aproximar depois da queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética. Durante os anos 1990, a Rússia se aproximou da Venezuela com acordos comerciais, especialmente para a exportação de petróleo por parte dos venezuelanos.
Com a eleição de Hugo Chávez em 1998, russos e venezuelanos passaram a ter uma relação muito próxima que se pautava, principalmente, em uma postura anti-imperialista e pró-integração latino-americana. A Venezuela passou a ser um dos maiores compradores de equipamentos militares russos, principalmente dos caças Sukhoi, helicópteros e sistemas de defesa aérea.
Na área energética, as empresas Gazprom e Rosneft passaram a ter participação no mercado petroleiro venezuelano e investiram na extração de petróleo e gás no país. A Rússia também passou a apoiar Chávez em organismos multilaterais e se colocou contra a pressão externa e o bloqueio dos EUA e da União Europeia desde o início dos anos 2000.
No governo de Nicolás Maduro essa aproximação se intensificou ainda mais. Em novembro de 2024, os dois países assinaram 8 acordos que davam continuidade a um processo de desenvolvimento econômico e social de “áreas estratégicas” para russos e venezuelanos. Os governos acordaram também uma parceria entre universidades para pesquisa e uma cooperação científica e tecnológica.
Nesse bloco de acordos, também foi definido que haverá uma troca de informações e ajuda mútua para as trocas comerciais e as tarifas cobradas para produtos comprados na Rússia e Venezuela. Também foi acordado um estudo geológico conjunto para o uso do subsolo por russos e venezuelanos.
A estatal petroleira venezuelana PDVSA também está envolvida em dois projetos. Um para a capacitação e formação petroquímica de estudantes da Universidade de Kazan e outro para o desenvolvimento de tecnologias e equipamentos para melhorar a segurança da indústria petroleira. O último acordo trata sobre a definição de um plano de ação para definir protocolos de segurança e normas trabalhistas.
Ao todo, os dois países têm mais de 350 acordos bilaterais assinados.