A Venezuela anunciou na última semana aumento na renda básica dos trabalhadores via um dos auxílios econômicos do país. O aumento já é tradição no 1º de Maio venezuelano e, nos últimos anos, ocorreu por meio de auxílios. Em cenário de retomada da inflação e descontrole cambial, o objetivo do governo Maduro é preservar o poder de compra da população.
O chamado Auxílio de Guerra Econômica passará de US$ 90 (R$ 507) para US$ 120 (R$ 670). O auxílio-alimentação seguirá em US$ 40 (R$ 225) e, juntos, formarão uma renda básica de US$ 160 (R$ 902). A medida veio acompanhada de um aumento das aposentadorias, que subiram de US$ 45 (R$ 254) para US$ 50 (R$ 282).
O aumento é resposta ao cenário de instabilidade econômica agravado pelos recentes ataques dos Estados Unidos contra a economia venezuelana. Derrubada de licenças e a determinação da saída da petroleira estadunidense Chevron do país foram medidas da Casa Branca contra a Venezuela desde que Donald Trump assumiu para um segundo mandato.
Somado a uma desvalorização da moeda local, o bolívar, motivou o governo a evitar a perda de poder de compra da população. Outro fator é a aceleração da inflação. Em 2024, o governo conseguiu controlar o aumento dos preços. O último dado oficial divulgado pelo Banco Central do país foi de outubro. Neste período, o Índice de Preços ao Consumidor foi de 4% ao mês. A inflação acumulada de 2024 terminou o 10º mês do ano em 16,6% enquanto a anualizada (de outubro de 2023 a outubro de 2024) foi de 23,6%.
Todos esses dados foram um trunfo para o governo venezuelano que já chegou a enfrentar uma inflação de 344.510% em 2019.
O BC não divulgou em 2025 os dados atualizados. O instituto privado Observatório Venezuelano de Finanças estima que a inflação voltou a subir em 2025. Segundo o grupo, em abril a inflação mensal foi de 18,4%, enquanto a interanual foi de 172%. Grande parte disso é o descontrole cambial. Se em 2024 o dólar ficou estável no país, custando aproximadamente 36 bolívares ao longo do ano, só nos 4 primeiros meses de 2025 a moeda estadunidense subiu para 88 bolívares.
A economista Katiuska Lopez afirma que a ideia do governo é amenizar esses efeitos para o bolso da população. Para ela, mais do que levar a população a consumir mais, o que se busca é compensar o impacto que o aumento do dólar e a inflação está tendo na receita dos trabalhadores
“Nós estamos vendo agora um aumento na inflação porque estamos tendo efeitos também no tipo de câmbio. O preço do dólar está mudando diariamente, inclusive o preço do dólar oficial. Se não há nenhuma mudança na renda, leva a uma piora na qualidade de vida das pessoas. Porque se você dorme com 100 bolívares hoje e eles custam 2 dólares, e o aumento do dólar significa que você terá amanhã os mesmos 100 bolívares, mas se o dólar aumenta de preço, você não tem 2 dólares, você pode chegar a ter um”, explicou ao Brasil de Fato.
O governo adota desde 2017 os chamados “bônus”, que são auxílios voltados para a população em meio a “guerra econômica” sofrida pela Venezuela. Eles começaram a ser aplicados conforme o aumento das sanções contra o país por parte, principalmente, dos Estados Unidos.
Um dos conceitos usados pelo governo é o da indexação. Esses auxílios são pagos em bolívares, mas esse pagamento é reajustado de acordo com a cotação do dólar no dia do pagamento. Por isso, o valor é fixado em dólares e, segundo Maduro, a fórmula garantiu que os desafios criados pelos agentes externos não consumissem os aumentos promovidos pelo governo.
“De um ano pra cá, quando aumentei o auxílio de guerra para US$ 90 e a cesta básica para US$ 40, estabeleci a renda mínima em US$ 130. Isso é ajustado mês a mês. Essa é a renda mínima abrangente. E desde aquele momento até hoje, nós aumentamos a renda mínima integral em 135% porque ela é mensal. É um conceito justo, único no mundo, a indexação. Sem essa ferramenta, os desafios teriam engolido o aumento do ano passado”, afirmou durante o anúncio.
Uma das críticas da população é o aumento de auxílios e não do salário mínimo, que está em 130 bolívares, aproximadamente US$ 1,6 dólares segundo a última cotação da moeda estadunidense. O valor não sofre alterações há três anos. O último reajuste foi em abril de 2022, quando o valor total correspondia a US$ 30, mas as constantes disparadas no preço do dólar desvalorizaram a moeda nacional.
O questionamento vem porque os auxílios não incidem sobre férias e 13º salário, que estão vinculados ao salário mínimo. O economista Arles Gomes afirma que o aumento dos auxílios é uma política ainda insuficiente para a melhoria na condição de vida dos venezuelanos em meio aos ataques externos.
“Se não aumentasse os auxílios a situação ficaria muito complicada porque a inflação está subindo muito. Na minha avaliação, isso difere de uma política chavista, já que a ideia do [ex-presidente Hugo] Chávez era que o salário mínimo cobrisse a cesta básica. Isso não é o que está acontecendo, pelo contrário, aumentaram os auxílios, mas não o salário”, disse ao Brasil de Fato.
Institutos privados indicam que hoje o preço da cesta básica está em US$ 500 (R$ 2.850). Outra preocupação são os efeitos desse aumento para a economia. No ano passado, a Venezuela conseguiu desacelerar a inflação, estabilizar a moeda e respirar em meio a uma crise que já se arrasta há 7 anos. O governo conseguiu tirar o país da hiperinflação e melhorar as condições da população mesmo em uma condição adversa.
Segundo Katiuska, é difícil que esse aumento nos auxílios não causa inflação, já que não aumenta o poder de compra dos venezuelanos, apenas o mantém.
“Pode até ter um efeito inflacionário, mas isso se dilui, porque o preço do dólar está sendo o mais importante. Os preços estão flutuando conforme o dólar e não de acordo com a situação monetária dos bolívares. É menos significativa a flutuação do bolívar na rua que do dólar. Para as pessoas sempre vai ser muito mais fácil consumir em bolívares. Se eu tenho 30 bolívares e tenho que comprar algo eu prefiro comprar com os bolivares do que dólares ”, disse ela.
Para Gomes, além de “indexar” os salários, o correto seria atrelar o valor dos auxílios à inflação, não à cotação do dólar.
“O ideal seria esse aumento indexado pela inflação e não pelo câmbio. Os empresários também seriam beneficiados porque haveria capacidade de consumo, coisa que a maioria da população hoje não tem. Essa medida não levaria a um ciclo inflacionário, porque a inflação no país não é motivada pela demanda, mas pela especulação cambiária”, sugeriu ele ao Brasil de Fato.
Para Katiuska Lopez, o cálculo do governo está ligado à insegurança da economia neste momento. Aumentar os salários significa comprometer os gastos públicos de um orçamento que não está garantido, já que a entrada de dólares está prejudicada pelo aumento do bloqueio dos EUA contra a Venezuela.
“Aumentar os salário tem efeitos a longo prazo. Mudar o salário sem ter uma estabilidade que me permita manter essa política a longo prazo, pode comprometer um orçamento que não se tem”, completou a economista.