A assinatura de um acordo entre o governo do estado de São Paulo e lideranças indígenas Guarani na última quinta-feira (8) foi comemorada como uma vitória histórica após mais de 60 anos de luta. O documento reconhece a posse tradicional de parte do Parque Estadual do Jaraguá pelas aldeias situadas na Terra Indígena Jaraguá, na capital paulista. Mas para a liderança Jandira Paramirim, da etnia Guarani Mbya, a conquista é apenas um passo. “Celebro esse acordo que conseguimos através de muita luta, muita resistência”, afirmou em entrevista ao programa Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato.
A história da reivindicação territorial começa com a avó de Paramirim, a cacica Jandira Krechu, uma das primeiras mulheres a assumir liderança política entre os Guarani na região. “Ela era a única mulher no meio de lideranças masculinas. Junto com o primo dela, o líder espiritual José Fernandes, começaram essa luta que agora conseguimos concretizar”, conta.
O acordo firmado garante a gestão compartilhada entre o governo e o povo Guarani sobre a área do parque que sobrepõe parte da terra indígena. A população indígena local já realiza ações de preservação ambiental, como combate a queimadas, recuperação de nascentes e criação de abelhas nativas. “Esse reconhecimento fortalece o trabalho que a gente já faz, mas também é um chamado para que o Estado nos apoie. Nossos brigadistas são indígenas que combatem incêndios sem equipamentos e arriscam a vida.”
Pressão imobiliária e ameaças ambientais
Apesar do avanço, Jandira Paramirim alerta que o território continua sob ameaça. “O maior risco que a gente tem hoje é a especulação imobiliária”, afirma. “Estamos na maior capital do país, e muita gente quer ficar perto do Pico do Jaraguá por causa do turismo. Já derrubaram árvores, mataram animais, tudo isso bem do lado da aldeia”, lamenta.
Ela relembra a ocupação feita em 2019 de um terreno vizinho à terra indígena, reivindicado por uma construtora. O local, embora não faça parte da área demarcada, é considerado estratégico pelos Guarani para a preservação ambiental. “A empresa destruiu tudo ali. Árvores frutíferas, abelhas, bichos. Os animais saíram correndo para o meio da rua e foram atropelados. Isso doeu muito.”
Os indígenas agora dialogam com a empresa, a prefeitura e outras instâncias de governo para tentar embargar definitivamente a obra. “A gente não quer prédio ali. Nem para moradia Guarani. Queremos que seja uma área de preservação”, defende.
Abandono do poder público
Outro ponto crítico citado por Jandira é a ausência de políticas públicas eficazes nas áreas de saúde, moradia, educação e saneamento. “Muitas casas são de madeira, sem piso, com esgoto a céu aberto. A situação é precária mesmo”, relata. A obra prometida pelo governo estadual de um novo complexo escolar, segundo ela, está parada e sem previsão de retomada. “É tudo muito abandonado.”
A liderança destaca ainda o papel do governo federal no processo que levou à assinatura do acordo. A revogação, em 2024, de uma portaria que havia sido anulada pelo ex-presidente Michel Temer em 2017 abriu caminho para o reconhecimento atual. “Tivemos apoio do Ministério da Justiça, da Sonia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas, do Ministério Público Federal e da Comissão Guarani Yvyrupa. Também teve apoio dos nossos jovens, dos nossos mais velhos e da nossa espiritualidade. Foram anos e anos de conversa, e hoje se concretizou essa conquista”, diz.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.