Quase três meses após o início do ano letivo, parte das escolas da rede estadual ainda não recebeu os uniformes escolares anunciados pelo governador Eduardo Leite (PSDB). A denúncia é do Cpers Sindicato, com base em estudo técnico elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). De acordo com a entidade, as instituições de ensino têm recebido kits incompletos e de qualidade questionável, que foram comprados por valores acima do mercado e têm gerado sobrecarga para a equipe escolar.
O Dieese apurou que o valor médio a ser pago pelo governo por kit é de aproximadamente R$ 544 por estudante, enquanto o mesmo conjunto poderia ser adquirido por cerca de R$ 499 em lojas especializadas que vendem direto ao consumidor final no território gaúcho. A diferença representa um gasto adicional de quase R$ 33 milhões por ano aos cofres públicos. A Secretaria da Educação (Seduc), por outro lado, afirma que o valor médio dos kits, com 3 camisetas de manga curta; 2 camisetas de manga longa; 2 moletons; 1 calça; 1 bermuda e uma jaqueta é de R$ 336,40.
O Cpers aponta que a Seduc optou por padronizar os uniformes escolares em toda a rede estadual, ignorando o fato de que muitas escolas já possuíam seus próprios modelos, o que resultou em custos adicionais e trabalho desnecessário.
Procurada pelo Sul21, a Seduc informou que os prazos de confecção por parte das empresas superaram os prazos previstos no edital. As entregas foram programadas em três etapas, sendo a primeira contendo os kits de verão. Algumas empresas entregaram também os kits de inverno de forma antecipada, e no momento, segundo a capacidade das empresas, já estão sendo entregues os kits completos. A previsão é que os uniformes solicitados no início de janeiro sejam entregues até final de maio.
A pasta contabiliza que mais de 1.800 escolas já receberam os uniformes escolares, tanto as peças de verão quanto os kits de inverno. O RS tem 2.342 escolas estaduais.

A Seduc ressalta que escolas da região da 8ª Coordenadoria Regional de Educação (Santa Maria), que ainda não haviam registrado o recebimento, começaram a receber na semana passada. “As entregas ocorrem em diferentes estágios, desde a separação por tamanhos, inserção das informações no sistema gestor e distribuição. […] A Seduc realiza acompanhamento diário com as empresas fornecedoras para a concretização de todas as entregas dentro do menor prazo logístico possível. Como esse é o primeiro fornecimento de uniformes para todos os alunos da rede estadual, podem ocorrer ajustes logísticos de entrega dos fornecedores”, argumenta a pasta em nota.
A organização se dá em nove lotes, de maneira distinta. O governo estruturou um sistema digital no portal Escola RS, onde os gestores devem registrar cada etapa da entrega. Primeiro, os gestores acessam o portal Escola RS para registrar o recebimento. As escolas então conferem a quantidade de uniformes e verificam se há divergências. Após análise detalhada, a escola confirma a entrega final das peças. Ocorre então o planejamento da distribuição para os alunos e, por fim, os uniformes são entregues mediante assinatura de um responsável.
No entanto, conforme o Cpers, a distribuição dos kits foi conduzida sem planejamento, sob responsabilidade das direções escolares, que tiveram que organizar, separar por tamanhos, identificar por nomes e entregar os uniformes com pouco ou nenhum apoio logístico. “Em muitos casos, os kits chegaram incompletos, exigindo retrabalho e aumentando a carga administrativa dentro das escolas. Os educadores, por sua vez, foram excluídos da política de fornecimento”, reforça o sindicato.
Baixa qualidade e produção externa
O Cpers colheu relatos de estudantes e equipes escolares indicando que as peças apresentam tecido de baixa qualidade, com camisetas transparentes, agasalhos frágeis e cores impróprias para o uso escolar diário.
Além disso, parte da produção foi importada do Paraguai, conforme identificado nas etiquetas dos uniformes, “apesar do discurso do governo de valorização da economia gaúcha”, destaca o sindicato. Uma das empresas contratadas, a Nilcatex, é sediada em Santa Catarina, importa produtos que comercializa e só abriu filial no Rio Grande do Sul após a assinatura do contrato, prevista para funcionar em 2025.
Recursos obrigatórios
Outro ponto apontado pelo Cpers é a tentativa do governo de incluir os gastos com uniformes na composição dos 35% de recursos obrigatórios para educação no Estado. Segundo o Dieese, a legislação que regula o financiamento da educação pública, em especial os critérios de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), não prevê explicitamente esse tipo de despesa. A prática pode configurar desvio de finalidade, uma vez que não há comprovação de impacto direto dos uniformes na aprendizagem ou na frequência escolar.
A Seduc não se manifestou sobre estas alegações.
“Uniformes não substituem investimentos reais em valorização profissional, infraestrutura e condições dignas de ensino e aprendizagem. Essa política é mais marketing do que compromisso com a educação pública”, afirma a presidente do Cpers, Rosane Zan.
Artigo original publicado em Sul21.