Com foco na acessibilidade e diversidade sensorial, o 19º Festival Palco Giratório Sesc proporciona a Porto Alegre e Canoas mais de 64 sessões de espetáculos, assinados por 52 grupos artísticos, em 22 espaços culturais, a partir de 20 de maio.
Ao todo, a programação anunciada nesta semana na sede do Sistema Fecomércio-RS/Sesc/Senac, na capital gaúcha, envolve cerca de 360 artistas. Uma parcela deles é de Pessoas com Deficiência (PcD), e estavam representados na noite de divulgação. Um silêncio imediato se deu no auditório quando a dupla de apresentadores surgiu no palco se comunicando em Língua Brasileira de Sinais (Libras).
O anúncio dos espetáculos foi múltiplo, como o evento que propõe fazer a cultura girar, promovendo diversos pontos de vista, fazendo a plateia de espectadores se movimentar para melhorar o ângulo de visão. Em uma roda viva, três palcos receberam trechos de apresentações de atrações do festival. CorpoMundo, Remix na Roda e Duo de Divas do Samba (na ocasião, somente com Luciara Batista) deram uma amostra do que se pode esperar neste ano.

“Estamos trazendo a Porto Alegre mais uma edição desse festival, que é um dos mais importantes das artes cênicas no Brasil. Ainda mais robusto, mais democrático e mais acessível. São apresentações que integram o circuito nacional, grupos gaúchos e espetáculos convidados, abrangendo todas as regiões do Brasil e oportunizando ao público do nosso estado uma programação de excelência, onde teatro, dança, música e circo se encontram, desde o Teatro Simões Lopes Neto, até o Boteco do Paulista”, salientou Luciana Stello, gerente de Cultura do Serviço Social do Comércio do Rio Grande do Sul (Sesc/RS).
A abertura do evento será com show da cantora e compositora paulistana Negra Li, que celebra seus 29 anos de carreira, com uma apresentação de rap, R&B e música brasileira, no Teatro Simões Lopes Neto. Outro destaque é a primeira passagem pelo Rio Grande do Sul da peça Ao vivo [dentro da cabeça de alguém], da Companhia Brasileira de Teatro e protagonizada por Renata Sorrah, uma das mais renomadas atrizes do Brasil. A montagem propõe uma releitura de A Gaivota, texto do autor russo Anton Tchekhov que mergulha nas subjetividades femininas e na complexidade do fazer artístico nos dias atuais.
Atividades afirmativas, de formação, seminário e exposições ocorrem em espaços alternativos até 8 de junho. Uma das atrações gratuitas em locais abertos e culturais da cidade é a instalação performativa Biblioteca de Dança, nos dias 28 e 30 de maio, na Biblioteca Josué Guimarães, no Centro Municipal de Cultura. Na criação original, artistas se transformam em “livros vivos” e compartilham memórias e histórias coreográficas em encontros íntimos com o público. O visitante pode circular entre as mesas e construir seu próprio percurso poético.
A programação completa pode ser conferida no site, onde também ocorre a venda dos ingressos. Em geral, os valores são R$ 20 para beneficiários da meia-entrada e R$ 40 para o público em geral.
O que podem – e fazem – os corpos

Com 52 grupos artísticos de 18 estados, o Festival Palco Giratório estará ainda mais plural em sua 19ª edição, buscando diferentes linguagens, culturas e formas de fazer arte no Brasil. “Buscamos por uma variedade de estilos, de estados, de gêneros, de ambientações e de corpos, que também são políticos”, comentou Jane Schoninger, coordenadora de Artes Cênicas, Visuais e Arte Educação do Sesc/RS.
Como instrumento de democratização do acesso à cultura, o Sesc/RS oferecerá, pela primeira vez, visitas táteis aos espetáculos que contam com audiodescrição. A experiência de exploração sensorial utiliza o sentido do tato para conhecer um espaço ou objeto.
Antes das apresentações, pessoas cegas, com baixa visão ou surdocegas, orientadas por profissionais, terão a oportunidade de visitar os cenários e tocar nos figurinos. Além da audiodescrição, alguns espetáculos contarão com tradução simultânea para Libras.
Jane ainda destacou: “A diversidade sensorial e a acessibilidade têm um foco nesses diversos espetáculos, como a produção mineira Aptá; o espetáculo infantil Da Janela, do Rio de Janeiro, com a atriz Mariana Siciliano, que é uma pessoa surda e que nos convida a refletir sobre as formas de comunicação; Azul Marítimo, de Victor Di Marco, que é daqui do nosso estado, e também o espetáculo CorpoMundo, celebrando a multiplicidade dos corpos”.
Representando a temática na noite de lançamento do evento, CorpoMundo parte da pergunta “O que pode um corpo?” para refletir sobre a ação humana na Terra. O Grupo Fábrica de Sonhos – Pertence Cultural (RS) desenvolve uma dramaturgia corpórea com base nos pressupostos da dança-teatro, encenado por artistas com e sem deficiência, a fim de lançar um olhar para a potência da diversidade dos corpos em estado de criação.
A performance é permeada por poemas sinalizados em Libras, projeções, adereços e trilha sonora, privilegiando a diversidade e as habilidades mistas dos participantes. Ao final da apresentação no auditório da Fecomércio, os integrantes ergueram cartazes com as mensagem “Empatia”, “Oportunidade”, “Arte”, “Amor”, “Gentileza” e “Temos voz”.
“O que pode um corpo?” (2020), aliás, é o título – uma referência aos autores Deleuze e Spinoza – do primeiro, elogiado, contundente e premiadíssimo curta de Victor Di Marco em parceria com Márcio Picoli. Segundo a Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais, o ator, roteirista e diretor Di Marco é um expoente no cinema DEF no Brasil. Leia abaixo a entrevista com o multiartista referência da área.
Caminho da diversidade rompendo o processo do silenciamento

Ator premiado e conhecido por não ter papas na língua sobre representatividade e acessibilidade em eventos culturais, Victor Di Marco esclarece em entrevista que Azul Marítimo não foi convidado para integrar a programação da 19ª edição do Palco Giratório: “Foi por inscrição regular, quando abriu a convocatória. Fomos selecionados, soubemos há cerca de um mês, e foi uma alegria grande. Desde pequeno, eu sonhava em estar no festival, pois ele é mega importante. Tenho lembranças muito bonitas da minha infância e adolescência com a minha mãe, a gente ia muito”.
Com o mote em seus medos e fascínio pelo mar, este é o primeiro solo teatral do multiartista, que estreou no último Porto Alegre em Cena. Essas sensações deságuam em dança, com palavras falsas e retas contrastando com a imprevisibilidade do movimento das ondas. “Estou muito feliz de estar no Palco Giratório com Azul Marítimo, um espetáculo que dialoga com muitas pulsões e muitos desejos. E acho que as pessoas sempre estão precisando reconhecer seus desejos em alguém, no outro. O outro é sempre a ponte para a gente reconhecer o que falta e o que a gente deseja. E espero que Azul Marítimo faça isso com as pessoas”, afirma Di Marco, adiantando que a montagem traz novidades.
O ator porto-alegrense também diz não se considerar porta-voz de alguma causa ou de pessoas, pois seria prepotência, na sua visão, se colocar nesse lugar. “O que faço é tentar expor a invisibilidade e a falta de corpos com deficiência nos espaços que eu consigo adentrar com muita luta. Então, não considero que isso seja uma missão, mas uma forma de sobrevivência também.”
Victor Di Marco lembra ainda que a sexualidade é um tema que atravessa suas obras como um todo: “Acho importante reivindicar o lugar de ser um ator e ser uma pessoa que tem uma sexualidade. Então, para mim, meu sonho seria a questão da deficiência vir depois, porque geralmente ela sempre chega primeiro”.
Ele enxerga que é mais político e radical se colocar enquanto um artista que faz linguagem e que, agora, começando no teatro, também está discutindo linguagem e dramaturgia. “Talvez essa seja a minha luta: conseguir falar por mim já é estar rompendo um processo histórico de apagamento, de invisibilidade, de silenciamento tão grande. E isso já é algo que significa muito”, reflete.
No Festival de Cinema de Gramado de 2023, o ator fez uma declaração que viralizou: “Hoje eu queria poder ser só bonito”. Com isso, além da sexualidade, Victor fez a questão da autoestima reverberar no imaginário dos seus espectadores.
“É importante a gente falar de estima, hoje em dia. Não teria muito o que dizer sobre o que fazer para um festival se tornar acessível ou diverso. Acho que esse caminho deveria ser natural, embora não seja, mas gosto muito de pensar que a diversidade e a sensibilidade são um caminho.” Para ele, esse caminho é estar sempre aberto à escuta, à palavra e tentar fazer desse meio o mais acolhedor possível para todos os tipos de pessoas.
O multiartista crê que foi feita uma curadoria muito séria para esta edição e que depois o público poderá falar como é que sentiu e entendeu a cara deste evento: “Vai ser um festival bonito e estou ansioso para apresentar o Azul Marítimo”.
