O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) apresentou neste sábado (10) um conjunto de propostas estruturantes para enfrentar a crise climática e garantir a produção de alimentos saudáveis no Brasil. A apresentação foi feita por João Pedro Stedile, dirigente nacional do movimento, durante a conferência “Agroecologia: produzir alimentos e enfrentar a crise climática”, realizada na 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, no Parque da Água Branca, em São Paulo (SP).
Ao lado do cientista Carlos Nobre e da ministra das Mulheres, Márcia Lopes, Stedile defendeu que o combate à fome, a defesa do meio ambiente e a transição energética precisam estar no centro de um novo modelo de produção agrícola.
“A agroecologia tem que deixar de ser apenas um discurso ou uma experiência isolada. Tem que se tornar uma política nacional, com base científica, capaz de alimentar o povo e enfrentar o modelo destrutivo do agronegócio”, afirmou.
Sementes, adubos e máquinas: soberania sobre os meios de produção
Stedile destacou que, nos últimos anos, o MST tem incorporado três pilares centrais ao seu programa: a produção de alimentos saudáveis com base na agroecologia, a defesa da natureza com ações de reflorestamento e a substituição da matriz energética usada nas agroindústrias do campo.
Uma das iniciativas apresentadas é a parceria com a China para instalação de fábricas de fertilizantes orgânicos. A tecnologia, segundo ele, já é utilizada em larga escala no país asiático e permite transformar resíduos orgânicos em adubo pronto para uso em apenas sete dias.
“Vamos começar com cinco fábricas: em Nova Santa Rita (RS), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Feira de Santana (BA) e no Ceará. A primeira delas já está com protocolo pronto para ser assinado agora, com a presença do presidente Lula”, anunciou.
No campo da mecanização, o MST também pretende romper com a dependência das grandes indústrias do agronegócio e desenvolver um parque de maquinário próprio, também em parceria com a China. Trata-se de um projeto específico de máquinas adequadas para a demanda da agricultura familiar e de matriz agroecológica. Entre os exemplos citados está uma colheitadeira de arroz – “do tamanho de uma Kombi”–, que custa menos de R$ 25 mil e será fabricada no Maranhão.
“A nossa burguesia industrial tem raiva do povo e só coloca fábrica no Sudeste. Nós vamos levar indústria para o interior, para o Nordeste, para a Amazônia”, afirmou o dirigente.
Stedile também ressaltou a importância de recuperar a autonomia sobre as sementes. O MST prioriza o resgate de sementes crioulas e já desenvolve experiências com soja e milho orgânicos, mas busca novas parcerias, inclusive com a Itália, para introduzir sementes de trigo de qualidade e não-transgênicas.

Plantar árvores como política de Estado
Outro eixo destacado por Stedile foi o reflorestamento. O movimento assumiu o compromisso de plantar 10 milhões de árvores por ano, em uma campanha que deve envolver assentamentos da reforma agrária, áreas urbanas e até as margens de rodovias federais. “Nosso sonho é arborizar todas as estradas do Brasil. Já existem normas do próprio Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) que permitem isso. Só falta vontade política”, cobrou.
O dirigente também anunciou a criação de um Conselho Popular, que será responsável por acompanhar a campanha de plantio e fiscalizar as ações do próprio MST. “É o povo nos cobrando, ajudando a pensar e a executar. Vamos aproveitar cada data simbólica — como fizemos em homenagem ao Papa Francisco — para plantar árvores e afirmar o nosso compromisso com a vida”, disse.
Energia solar para substituir uso de lenha
A substituição da matriz energética nas agroindústrias do movimento é outro desafio que o MST pretende enfrentar nos próximos anos. Hoje, muitas dessas unidades utilizam caldeiras a lenha para aquecer e pasteurizar alimentos, o que contraria os próprios princípios ambientais do movimento. A aposta, segundo Stedile, é na energia solar concentrada, e novamente a parceria com a China pode ser decisiva.
“Vamos buscar essa tecnologia fora, porque aqui no Brasil a pesquisa pública está muito amarrada ao agronegócio. A Embrapa é importante, mas precisa mudar a linha de pesquisa e atender as necessidades da agricultura de alimentos e do campesinato”, avaliou.
Agroecologia em escala
Ao final da conferência, Stedile reforçou que a agroecologia precisa ser levada a sério como solução estratégica para o país. Para isso, defendeu que o Estado, as universidades e os centros de pesquisa assumam o compromisso de desenvolver tecnologias voltadas à produção camponesa.
“Precisamos produzir alimentos para os 215 milhões de brasileiros. Não é possível fazer isso sem política pública, sem pesquisa, sem escala. A agroecologia tem que virar política de governo e de Estado. É assim que se enfrenta a crise climática e se garante comida boa na mesa do povo”, concluiu.
Agroecologia contra o colapso climático
Carlos Nobre, climatologista e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia, fez um alerta contundente sobre os impactos das mudanças climáticas na produção de alimentos e apontou o agronegócio como responsável por cerca de 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, devido ao desmatamento e à pecuária extensiva.
“As ondas de calor, secas e chuvas extremas estão afetando a agricultura e criando riscos inéditos para o abastecimento alimentar. Isso já está acontecendo, e vai se intensificar”, afirmou.
O cientista destacou que os biomas brasileiros — Amazônia, Cerrado e Caatinga — estão próximos do chamado “ponto de não retorno”, quando os ecossistemas colapsam e perdem sua capacidade de regeneração. Para ele, o MST tem papel central no enfrentamento dessa crise. “Vocês sempre estiveram na direção correta. A agricultura regenerativa e a agroecologia são o caminho. Por favor, MST, vençam essa batalha. A ciência está com vocês”, disse.
Nobre também elogiou o esforço do movimento na adoção de energias renováveis e no reflorestamento, e defendeu que a agroecologia avance também nos centros urbanos, como resposta ao fenômeno das ilhas de calor e à degradação ambiental nas grandes cidades. “A agroecologia precisa estar nas cidades. Isso melhora a qualidade do ar, reduz enchentes e salva vidas”, concluiu.
“O MST é o exemplo vivo de economia popular e solidária”, diz ministra
A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, enalteceu a importância política e simbólica da 5ª Feira da Reforma Agrária, destacando o papel do MST como referência prática de modelo econômico baseado na solidariedade, sustentabilidade e soberania alimentar. “Essa feira mostra como é possível produzir, distribuir e garantir acesso a alimentos saudáveis. O MST é o exemplo vivo de uma economia popular, solidária e inclusiva, que respeita a terra, as águas e as pessoas”, declarou.
Márcia também defendeu que o Estado assuma como política pública a inserção de conteúdos agroecológicos nos currículos escolares, como parte da formação das novas gerações. “Queremos que as crianças aprendam desde cedo o valor da terra, da produção de alimentos saudáveis e das consequências do modo de vida destrutivo que enfrentamos hoje”, afirmou.
A ministra fez um chamado à construção de pautas conjuntas com mulheres de todo o Brasil, com atenção especial à diversidade dos territórios e das realidades. “Quero me encontrar com mulheres pretas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, migrantes. Nós, mulheres do campo e da cidade, precisamos estar unidas para pressionar os governos e garantir políticas com orçamento, estrutura e transformação real”, disse.