Este domingo (11), Dia das Mães, é o último dos quatro dias da 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada pelo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Parque da Água Branca, em São Paulo. Dos 500 feirantes que trouxeram 1,8 mil produtos da reforma agrária de 23 estados do país, boa parte é mãe.
“Muitas vezes é por causa dos filhos que as mulheres entram na luta. E é com eles, com criança no colo, que seguem no roçado, nas assembleias, nas marchas, nas ocupações e acampamentos”, avalia Hanyelle Ohane Lima Santos, representante do Nordeste no setor de gênero do MST .
Dentro da experiência do MST, relata Hanyelle, “a maternidade está profundamente ligada à luta pela terra, porque cuidar da vida é também lutar pelas condições para que essa vida floresça com dignidade”. Ao citar as experiências de escolas e de cirandas – espaços formativos para as crianças “sem-terrinha” – ou mesmo a frequente divisão de cuidados e saberes feita entre mulheres, Santos avalia que o esforço é para que a maternidade “não se limite ao cuidado privado, mas se transforme também em um ato político de um novo projeto de construção de sociedade”.
Ana Cristina Gonçalves da Silva é do assentamento Chico Mendes 3, localizado na região metropolitana entre São Lourenço e Paudalho, em Pernambuco, e trouxe para a feira produtos da Rede Produtiva de Mulheres Camponesas, criada recentemente. Aos 57 anos, não teve filhos biológicos, mas é mãe e avó de muita gente. Entre eles, o sobrinho que criou junto com a irmã. Resolveu fazer pedagogia e era uma das mais velhas da turma. Virou “a segunda mãe” de muitas e, hoje, tem vários netinhos.
De um jeito ou de outro, avalia a camponesa pernambucana, a maternidade atravessa a experiência de boa parte das mulheres que conheceu na luta pela reforma agrária. “Tem muita mãe solo na agricultura. São muito lutadoras e sempre dizem ‘é pro meu filho que estou fazendo isso’. Então muitos crescem com isso. Aí acontece muito de saírem, irem estudar e voltar, seguindo o trabalho da mãe. São filhos que crescem tendo essa pertença pela terra, porque a mãe incentivou”, diz Ana Cristina.
A algumas barracas de distância, um exemplo prático do que descreve. Atrás de uma mesa com produtos como broto de bambu, própolis, instrumentos de cabaça e vinho de jabuticaba feitos na Zona da Mata mineira, está Greyce Clere Viríssimo, de 44 anos. Há 15 anos resolveu acampar para lutar por um pedaço de terra no Vale do Rio Doce. Pelo braço, seus filhos: um de oito e uma de cinco.
“O sonho que eu tinha era de dar uma casa pros meus filhos. Eu sonhava, lutava, mas não via possibilidades. Veio uma tia me convidar para entrar no MST, porque tinham feito uma ocupação numa fazenda. Eu falei: ‘Você é louca?’ ‘Ah, vamos lá pra gente conhecer e tal’. Fomos. Fiquei encantada com as reuniões que eu participei. Quinze dias depois eu voltei com meus filhos, fogão, panela, cama, tudo. E aí estou até hoje no movimento e não largo por nada nessa vida”, conta Greyce.
Atualmente ela, seu companheiro e seus quatro filhos (a família aumentou) vivem no assentamento Dênis Gonçalves. Do seu lado, ajudando nas vendas da barraca, Gabriela Nunes dos Anjos. Hoje com 19, era a menina de cinco anos que Greyce levou para um acampamento em 2010.
“Acho que foi a melhor coisa que a minha mãe poderia ter feito da vida dela – e da nossa também. No começo foi um pouco difícil, uma mudança radical, a gente morava na cidade [em Governador Valadares (MG)] e foi para a roça. Mas foi necessário para construir quem a gente é hoje, eu e meus irmãos”, avalia Gabriela. “A gente é muito grato por tudo o que o movimento e nossa mãe nos ensinou”, resume. “Pretendo ir morar um pouco na cidade, estudar, mas sou militante, não me desgrudo do movimento jamais”, diz.
Para Lisandra Guedes, da coordenação nacional do setor de gênero do MST, a organização também busca desconstruir a ideia de que ser mulher está vinculada ao ato de ser mãe.
Para as que optam pela maternidade, avalia Lisandra, há desafios impostos por esta “sociedade patriarcal, violenta, capitalista e racista que vivemos, mas nos nossos espaços de militância, dificilmente nós nos sentimos sozinhas nessa criação. Porque existe um processo profundo de coletivização dessa atribuição”.
Trata-se, completa Hanyelle, de “educar na luta, proteger com coragem e sonhar com um mundo onde nossos filhos herdem não só a terra, mas também a justiça”.